RENÉ MACHADO  E O BRILHO DE UM ESTREANTE NA ARTRIO

Renê Machado: "A ArtRio é um lugar chancelado"

Caroline rocha

Indicado ao “Pipa 2023”, o mais prestigiado prêmio da arte contemporânea brasileira, o artista plástico René Machado vem ganhando cada vez mais reconhecimento de seu trabalho por críticos, curadores e colecionadores. René estreou fez sua primeira exposição individual na 13ª edição da ArtRio, uma das maiores feiras de arte da América Latina. Representado pela Lemos de Sá Galeria, ele expôs cerca de dez obras inéditas em um mega evento na Marina da Glória, no Aterro do Flamengo. Todas foram vendidas. Entre um assédio e outro das dezenas de fãs e admiradores da nova coleção, chamada Compositions, René Machado revelou à Rio Já detalhes do seu trabalho e anseios da carreira.

– Rio Já: Qual o sentimento de estrear com sua primeira individual na maior feira de arte da América Latina?

– René Machado: [A ArtRio] é um lugar chancelado, que reúne todos os colecionadores, críticos de arte, curadores, grandes e médios artistas, e também aqueles que estão procurando seu lugar ao sol. Fazer a primeira individual em um espaço generoso é um privilégio. Houve uma percepção muito positiva no dia da abertura, de uma grande aceitação do público, que vibrou de uma maneira muito alegre com o trabalho. [A exposição] reuniu muita gente legal, de todas as camadas. Eu fiquei muito feliz, de verdade! Por exemplo, as meninas que estavam fazendo a limpeza vieram falar comigo que tinham gostado muito. Eu acho que a arte está cumprindo o papel de atingir inúmeras camadas. Apesar de [a Marina da Glória] ser um lugar, de certa forma, sofisticado, tem a pluralidade através das instituições que estão com seus estandes espalhados por toda a ArtRio.

– Rio Já: O texto crítico de curadoria da Vanda Klabin sobre a série inédita Compositions foi intitulado como “A Fluidez da Pintura” e você adotou o título também para sua exposição. Por que o nome representa tão bem a coleção?

– Machado: Essa nova série Compositions é um embrião da série anterior chamada Frequência LED, que tem esse nome porque todas as peças tinham títulos que remetiam a faixas de álbuns do Led Zeppelin e eram embaladas pela música. Todo o gestual de expressão desse trabalho era ritmado por essas músicas. Nasce a série Compositions, com nome inspirado no Wassily Kandinsky [artista plástico russo]. Ele faz essa série de 1908 a 1913, mas o período que me interessa dessa fase dele é de 1911 a 1913.

– Rio Já: Nascido no Engenho de Dentro, você trabalhou com publicidade durante 23 anos. Como suas experiências influenciam as produções hoje?

– Machado: Influencia em muita coisa. Desde algumas referências da arte pop, como Andy Warhol, que também fazia direção de arte, como eu fiz por longos anos. O meu trabalho é um pout-pourri de inúmeras situações e vivências, [com influências] do período em que eu era menino criado no subúrbio carioca e saía para pichar muro. Você pode perceber no trabalho resquícios dessa época através dos sprays e do carvão, que remetem a efemeridade dos muros da rua, que se sobrepõe através de camadas de tintas, de spray e sofrem também com as intempéries. Eu fui somando tudo isso que está registrado para criar a identidade do meu trabalho abstrato.

– Rio Já: Em algumas obras também é perceptível um forte teor político. Qual a importância de inserir discussões com essa temática no mundo da arte?

– Machado: Todo ano eu dedico uma parte [do meu tempo] à outra frente de trabalho: o político. Recentemente, eu expus um trabalho que se chamava “Fé no Taco”, que tinha como referência algumas matizes africanas através da religião. Aparecem citações do Candomblé e até mesmo do Catolicismo, utilizando o apelo popular através da religião como um pedido de livramento. Eu usei muito sal grosso, espada de Santa Bárbara, espada de São Jorge, arruda… Eu acho que o artista tem o dever e o poder da liberdade de expressão em um estado de direito democrático para falar sobre o que ele quiser, sobretudo política. Nós somos vozes de reverberação para questionar e para opor quando achamos e queremos falar do que temos convicção de que é certo.

l Rio Já: Há uma grande preocupação da sua parte de levar a arte para lugares e pessoas marginalizadas e afastadas deste tipo cultural. Por que esse cuidado?

– Machado: As próprias galerias e endereços de rua inibem pessoas mais humildes. As pessoas sentem, de certa forma, que aquele espaço não pertence a elas. […] Os próprios galeristas te olham de um jeito que sabem que você não é um comprador. Naquele espaço, eles querem fazer negócio. Eu acho que a instituição é a grande oportunidade de levar, através dos espaços públicos, a obra a pessoas que talvez não tenham acesso a esses lugares. Me interessa muito as instituições públicas não só para chancelar o trabalho, mas, sobretudo, para alcançar minorias.

– Rio Já: Apesar do foco na pintura, você desenvolve trabalhos em diversos campos, como desenhos e instalações, e com diversas temáticas. Após o lançamento da Composition, qual o planejamento para o futuro?

– Machado: A minha próxima entrega vai ser migrar daqui para Belo Horizonte com uma individual na Lemos de Sá Galeria. A partir dessas duas grandes entregas, eu faço um breve intervalo de reconexão com o pensamento e entendimento do que está por vir. Eu tento dar um novo frescor ao trabalho e me reinventar em algum lugar para não me repetir, porque eu acho que o grande barato é não surfar na zona de conforto só porque as coisas estão dando certo. Eu tenho uma preocupação muito grande de levar a minha arte aos rincões do país antes de mais nada. Eu já tenho uma individual marcada pelo Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, no ano que vem, e quero levar para o Pará, Vitória, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Ceará… Eu quero rodar o Brasil, solidificar o reconhecimento primeiro dentro do nosso país, para, a partir daí, pensar em migrar para a carreira internacional.