ERRARAM COM O REI DO ROCK: CADÊ O MEMORIAL DO SERGUEI?

A sua residência — que abrigaria o “Templo do Rock” — foi totalmente depenada

Jan Theophilo

Senhoras e senhores, mais um imbróglio virou um bafafá heavy metal no interior do Rio, e desta vez na pacata, surfista e ensolarada Saquarema. Tudo porque passados cinco anos após a morte do folclórico cantor Serguei, que foi um dos mais famosos moradores da cidade, sua residência — que abrigaria o “Templo do Rock” — foi totalmente depenada, e o museu nunca saiu do papel (apesar de ter até placa indicativa na rua).  A antiga casa do músico foi totalmente descaracterizada e hoje mais parece um anúncio do Quinto Andar. “Esperar o que, se o ex-prefeito Antônio Peres Alves, em reunião de trabalho, referia-se a Serguei como “minha múmia viva”, diz Marcelo Araújo, morador de Saquarema. Peres, ao fim de sua gestão, elegeu a mulher Manoela sua sucessora, e foi no cargo de secretário de Educação que ele fez a promessa jamais cumprida.

“Quando o então secretário fez esta promessa, ele tinha a ideia de fazer algo tipo um pub, um bar temático. Mas houve uma longa discussão porque achávamos que isso não era a cara do Serguei. Até que prevaleceu a ideia de um museu, o verdadeiro “Templo do Rock”, diz Darlan Lira, gestor de políticas públicas e culturais da Prefeitura de Saquarema. “Com o tempo a casa sofreu com infiltrações e tivemos sim, de tirar as árvores, porque as raízes estavam comprometendo a estrutura da casa. Mas tivemos o aval dos órgãos ambientais da Prefeitura”.

Darlan garante que mês que vem o museu será reaberto, parcialmente, com um novo jardim e até um busto de Serguei. Como, exatamente, não se sabe, já que o próprio reconhece que ainda não há nem paisagista ou escultor contratados para tocar a empreitada. Com isso, mais gente envolvida lá atrás no processo foi ficando mais e mais indignada. “O fato é que cabe, fundamentalmente, à sociedade civil fazer pressão. As conquistas sociais, em todos os lugares do mundo, por mais desenvolvida do ponto de vista humano e econômico que seja uma cidade, são originadas pelas pressões sociais”, diz Nelson Freitas, ex-presidente da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj) à frente do cargo na época da morte de Serguei: “Serguei sempre construiu uma singular identidade com a cidade. Ele guardava um sentimento incomum de pertencimento e o governo deveria, não como obrigação, embora devesse também como obrigação, mas com grandeza política que cabe ao governo municipal, reconhecer a energia que Serguei destinou à cidade, ao seu “templo”, afirma Nelson.

“Sonhei que um povo triste e mal-humorado me obrigou a ficar dentro do armário pra ver se eu encaretaria geral. Não adiantou: transei com o armário”

(Serguei)

Serguei morreu no dia sete de junho de 2019. Na infância, Sérgio Augusto Bustamante (1933-2019) ganhou o apelido de Serguei de um amigo russo que não conseguia falar o seu nome. Sua história foi marcada por momentos peculiares, como o (suposto) relacionamento com Janis Joplin e apresentação marcante no Rock in Rio de 1991 — quando levantou o público com uma divertida versão do clássico rockeiro “Roll Over Beethoven”, chamada “Rolava Bethânia”, talvez sua música mais conhecida entre os mais jovens. Carismático, Serguei era conhecido como Divino do Rock pelos fãs e autoproclamado Ministro do Desbunde, foi também apelidado de “o roqueiro mais antigo do Brasil”. Ele trouxe o estilo para o país no final da década de 1960, e lançou 11 discos em sua carreira, o primeiro – Alucinações (1966) – sendo um dos mais aclamados pela crítica. 

“Serguei era uma encarnação viva do significado do rock em suas origens: contestação da velha ordem, pacifismo, uso de drogas para expandir a mente, amor livre”

(Jamari França, crítico musical)  

O suposto affair com Janis Joplin se, por um lado, ajudou a projetar a fama de Serguei, era uma de suas histórias mais controversas. Em 1969, ele esteve no famoso Festival de Woodstock, e no final deste mesmo ano afirmou ter mantido um relacionamento afetivo com a cantora americana em Long Island. Essa suposta relação foi um dos motivos pelo qual ficou conhecido, mas nos anos seguintes o cantor entrou em inúmeras contradições cronológicas em suas entrevistas; e hoje não há como se garantir nada, uma vez que a cantora morreu em 1970.

No fim da vida, Serguei se tornou um dos primeiros grandes sucessos do “Xwitter”, com tiradas sensacionais como “Me aconselharam a conhecer a obra do Olavo. Olha, li pouco, mas já achei bem inteligente e acima da média. Então façam como eu, numa boa, sem grilos: leiam Olavo Bilac” ou “Sonhei que um povo triste e mal-humorado me obrigou a ficar dentro do armário pra ver se eu encaretaria geral. Não adiantou: transei com o armário. Sorry.” Sem freio, ele dizia tudo o que vinha à cabeça, atitude rara para este mundo cada vez mais chato e politicamente correto e polarizado: “Sempre gosto de estar pelado. Tive milhares de amantes. Minha virilidade é de um homem de 30 anos. Sem sexo, fico nervoso. Recentemente, numa tarde de verão, aconteceu um episódio fascinante: andava pelo mato, quando vi um cajueiro lindíssimo. Encostei na árvore e comecei a fazer amor. Gozei enlouquecidamente. Minha vida é assim. Adoro beijar na boca”.

O rebelde que jura ter tido um caso com Janis Joplin se divertia com tiradas subversivas e jamais fez concessões ao conservadorismo que envelheceu mal muitos ídolos do rock

“Serguei era uma encarnação viva do significado do rock em suas origens: contestação da velha ordem, pacifismo, uso de drogas para expandir a mente (maconha, haxixe e LSD), amor livre. Serguei seguia estes princípios e, acima de tudo, o classic rock dos anos 60 e 70. Pelo visual e comportamento expansivo era uma figura folclórica. Sobre a Janis Joplin acho que foi uma viagem dele que não aconteceu na realidade, mas era um de seus principais feitos, não cansava de falar sobre isso, eu ouvi essa história mil vezes, quando me via ele sempre colava em mim”, conta o crítico musical Jamari França, um dos mais atentos ao cenário do rock e do pop no Brasil desde a década de 1970.

“Isso chega a ser maldade, Serguei era gente finíssima. Na década de 70, por exemplo, ele abriu sua casa para o pessoal que não tinha onde ficar”, lembra Jorge Marcelo Maia, comerciante em Saquá. Mas como em ano eleitoral vale tudo, em meados de abril Prefeitura resolveu passar uma bandana na situação e inaugurou mostra “Serguei: 90 anos de Rock and Roll”, na modesta Casa de Cultura Walmir Ayala. Quem visitar a exposição vai encontrar painéis que contam a história de Serguei, além de 34 objetos, como indumentárias e adornos, e 21 imagens pertencentes ao acervo do tal “Templo do Rock”.