UM PASSEIO AO PASSADO E À PAZ

POR ROSAYNE MACEDO

Imagine um mergulho na História até os tempos dos barões do café, com roupas de época inspiradas na moda francesa que, de longe, não lembram em nada o calor escaldante de boa parte do ano no Brasil. O passado de opulência das fazendas do Vale do Café, que chegou a concentrar a maior produção mundial no século XIX, encanta milhares de pessoas anualmente, mas muitos cariocas e fluminenses ainda desconhecem a riqueza cultural e turística desse pedaço do Estado do Rio de Janeiro, que guarda as marcas da hoje pouco poderosa cultura cafeeira fluminense.

Apesar de ter projetado o país como o maior produtor e exportador de café do mundo, o Vale do Paraíba – no qual a região turística do Vale do Café se insere – ficou marcado, durante muitos anos, como uma região falida, remanescente de uma sociedade escravocrata e que promoveu a derrubada maciça da Mata Atlântica para o plantio do café. Mas ao longo das últimas décadas, com apoio do Sebrae e diversas instituições, empresários, proprietários rurais e produtores culturais vêm buscando mudar essa realidade e atrair visitantes, aproveitando o forte potencial turístico da região, voltado para a história e a cultura.

Os principais atrativos estão nos municípios de Vassouras, Valença, Rio das Flores, Barra do Piraí, Piraí, Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes, Paty do Alferes, Miguel Pereira, Paraíba do Sul e alguns distritos, como Ipiabas e Conservatória, que pertencem a Barra do Piraí e Valença, respectivamente. Ali ainda se preserva o casario antigo, igrejas, estradas e fazendas que pertenceram aos famosos barões do café, personagens de um importante capítulo da história do Brasil Imperial.

Em mais uma iniciativa para alavacar o turismo regional, pouco antes da pandemia, em 2019, surgiu o Vale do Café Convention & Visitor Bureau (C&VB), criado por cidadãos e empreendedores de seis cidades próximas, de características culturais e econômicas similares. Com menos de um ano de existência, a entidade já contava com mais de 80 associados, com ações para promover a indústria do turismo e o desenvolvimento socioeconômico sustentável de uma cadeia produtiva que envolve 52 diferentes setores

“Um dos nossos objetivos é gerar negócios e novas oportunidades para nossos associados e colocar em evidência o Vale do Café como destino turístico de excelência. Estruturamos a visitação integrada dos municípios de Vassouras, Mendes, Engenheiro Paulo de Frontin, Miguel Pereira, Paty do Alferes e Juparanã (distrito), sem contudo deixar de abranger a região, visando aos mercados nacional e internacional de qualidade”, diz Luciana De Lamare, diretora executiva e comercial.

O QUE FAZER NA REGIÃO

Durante o ano inteiro, vale aproveitar um fim de semana ou as férias de meio de ano para conhecer ou voltar para conferir os encantos do Vale do Café – e levar para casa uma aula de parte da História do Brasil. E atividade é o que não falta. Durante o dia, a programação é repleta de visitas às fazendas, passeios a cavalo, trilhas e caminhadas pelas matas, além de passeios a espaços culturais, praças, igrejas e outros atrativos típicos de cidades bucólicas do interior.

À noite, quando as temperaturas costumam cair, hotéis-fazenda ou fazendas históricas que abrem também para hospedagem ou visitação fazem de tudo para receber bem os hóspedes e visitantes. Desde fogueiras a rodas de causos e prosas à beira do fogão a lenha até promover saraus musicais e teatrais. O passado é relembrado sem jogar para debaixo do tapete a saga escravagista da região, que teve uma das maiores populações de negros escravizados do estado.

O ‘Museu do Escravo’ é uma das atrações que ocupa a antiga senzala da Fazenda Ponte Alta, em Barra do Piraí, uma das mais originais e mais visitadas da região. Na Fazenda São Luiz da Boa Sorte, em Vassouras, o projeto Viagem aos Tempos dos Barões e Escravizados, amplia o acesso a alunos de escolas públicas à história da região que foi o destino de mais de 1 milhão de negros.

“Achávamos injusto que as pessoas que não pudessem pagar não tivessem acesso à história de seus antepassados”, argumentava a proprietária da Fazenda São Luiz da Boa Sorte, a jornalista e empresária Liliana Rodriguez, que criou o projeto em 2004. O sucesso rendeu o Prêmio Rodrigo Melo Franco 2017, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na categoria estadual de promoção e difusão do patrimônio cultural. A iniciativa valeu-se da Lei nº 10.639, que torna obrigatório o estudo da história afro-brasileira na rede pública, para conseguir patrocínio para suas ações.

O projeto já atendeu mais de 12 mil jovens, de 13 municípios, e ofereceu cursos de formação a cerca de 500 professores. Além de visita guiada por educadores, a ação inclui transporte, lanche, almoço, aulas de história e geografia e a distribuição de um gibi homônimo do programa, que conta a vida do Barão de São Luiz (antigo proprietário do local) e de seu escravo Epifânio Moçambique. Na fazenda, os alunos assistem a esquetes teatrais sobre a relação entre senhor e escravo e plantam mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. De volta à escola, escrevem uma redação sobre o que viram no passeio.

CARIOCAS FOGEM DO ESTRESSE

O jornalista Gilberto Scofield, que esteve no final do outono no Vale do Café, voltou extasiado. “Fim de semana em Vassouras na espetacular Fazenda São Luiz da Boa Sorte.  O Vale do Café é uma preciosidade histórica a ser descoberta pelos cariocas a duas horas da capital”, comentou em suas redes sociais. Datada de 1835, a fazenda é resultado da fusão de duas propriedades (São Luiz e Boa Sorte) e uma das remanescentes do ciclo fluminense do café no século XIX, sendo uma das poucas fazendas históricas abertas à hospedagem na região.

Nem todo mundo, no entanto, busca a região pela riqueza do seu passado e sim pela simplicidade do lugar. A fotógrafa Wania Corredo aproveita o sossego de Vassouras para fugir do estresse do Rio de Janeiro, relaxar e fazer o que mais gosta: estar perto da família. Ela frequenta Vassouras há quatro anos, desde que parte da família comprou uma chácara no município, depois de sair de São Paulo em busca de qualidade de vida.

“O que me leva para lá é o aspecto cultural, a questão da família no conceito padrão, a segurança e a beleza do lugar. É realmente muito bonito”, conta ela, que pelo menos duas vezes por mês vai para Vassouras ver a família. “A gente almoça ao lado da piscina, Os cachorros ficam livres, a gente faz passeios a cavalo, vai a cidade fazer compras – tem um bolo de especiarias maravilhoso. É uma vida muito mais voltada para a natureza”, ressalta.

Ela também ressalta a vida cultural de Vassouras, que tem uma população jovem, por causa dauniversidade local, fazendo um contraponto com a valorização do passado. Gosto de Vassouras porque tem um aspecto cultural que me interessa, tem um centro com um casario super agradável, bons restaurantes, cervejaria artesanal e uma programação cultural que está sendo fomentada.

Outra questão importante é a qualidade de vida proporcionada especialmente pela sensação de segurança. “Gosto de buscar o silêncio e a segurança é prioridade para mim. Enquanto na cidade eu fico 24 horas antenada, ligada, mil coisas acontecendo ao mesmo tempo, lá eu consigo ficar relaxada, sentar na parte externa dos restaurantes, caminhar com calma”, conta a fotógrafa.

FESTIVAIS TRADICIONAIS SÂO ADIADOS

Após dois anos sem ser realizado por causa da pandemia, um dos mais tradicionais eventos musicais da região não ocorreu mais uma vez em julho deste ano. Logo no primeiro dia do mês, a organização do Festival Vale do Café fez um comunicado nas redes sociais: “Por motivos alheios à nossa vontade, a 18ª edição não acontecerá em julho de 2022. Neste momento estamos trabalhando para tentar viabilizar a realização do projeto em uma nova data, assim que possível divulgaremos mais informações nos perfis oficiais do evento”.

O evento, que harmoniza uma trilha sonora inesquecível com paisagens deslumbrantes, convida os visitantes a conhecerem a mais rica região do Brasil no século XIX. Duas fazendas integrantes do circuito Roteiros de Charme já estavam confirmadas como palcos das apresentações musicais e saraus teatrais: a bela e rústica Fazenda Florença, em Valença, e a requintada e conservada Fazenda União, em Rio das Flores. A programação conta com shows nas fazendas históricas, cursos gratuitos de música e apresentações musicais nas ruas.