Por Rosayne Macedo
Professora há 27 anos, Elika Takimoto chega à Alerj com quase 100 mil votos, fala de xenofobia e assume corajosamente a ascendência asiática
Oito de março de 2019, Dia Internacional das Mulheres. Ao se unir a outras mulheres na luta pela liberdade de Luís Inácio Lula da Silva, Elika Takimoto se apresentava como “uma mulher comum, professora, mãe de dois filhos e de uma filha, que morava em Madureira, no subúrbio do Rio”. Em 2 de outubro de 2022, com quase 100 mil votos, a professora de Física (Cefet/RJ), doutora em Filosofia (Uerj) e mestre em História (UFRJ) é eleita a mulher mais votada na história do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Legislativa.
A marca de ser professora e a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, impressas na campanha, também a favoreceram, especialmente entre outros professores.
“Nunca vi tantos profissionais de Educação em depressão e ansiedade como vi nesse governo Bolsonaro”
“Tudo isso era um grito contido na garganta de professores e professoras. Como me coloquei como professora e falei da importância de ter uma professora na Alerj, isso fez com que muitos se identificassem e abraçassem a campanha.
Ela atribui essa identificação do eleitorado com seu nome nas urnas às diversas causas que defende. “Ninguém melhor para falar sobre uma dor do que a própria pessoa que está sentindo essa dor. Então, por exemplo, eu falo muito bem sobre a dor de ser professora nesse país, principalmente a dor que sentimos nesse governo Bolsonaro. Falo também com muita propriedade sobre ser suburbana”, comenta.
Elika também consegue explanar com segurança a dor de ser uma PCD.
“Sou uma pessoa surda, só ouço bem com próteses auditivas e sei o quanto o mundo não inclusivo é danoso e prejudicial para a gente”.
As dores das mulheres sem dúvida passarão a ter mais voz na Alerj a partir de 2023, quando a representação feminina na Alerj passará de oito para 15 parlamentares, de um total de 70. “Ninguém melhor do que nós, mulheres, para entender a necessidade de ter mais maternidades em vários locais de nosso estado; da necessidade urgente de ter mais creches, para que meninas não deixem de estudar e trabalhar porque têm onde deixar seus filhos e suas filhas, com pessoas qualificadas, que façam o estímulo intelectual necessário nessas crianças. Acho que a nossa diferença de uma bancada de esquerda, de mulheres, é diminuir as injustiças nesse mundo, e eu pretendo contribuir muito para isso”, afirma Elika.
Elika Takimoto pretende conciliar a vida simples, somada à carreira como escritora, com as atribuições de uma parlamentar. Mas terá que abrir mão da função de professora de Física, que ocupa há 27 anos.
“Tenho plena noção de que não é porque os filhos crescem que deixam de dar trabalho, o vínculo e a demanda que a gente tem com nossa família segue. Mas tudo vai se encaixar como sempre se encaixou. Hoje as crianças não estão tão crianças assim. Dois já são adultos (Hideo – seu primeiro filho, nascido quando ela tinha 19 anos, e Nara) e o caçula (Yuki está com 16 anos, o que facilita muito a minha vida, é um adolescente tranquilo de lidar”, revela.
Sempre muito ativa – trabalhava, fazia mestrado, doutorado e cuidava das crianças – ela conta que, como moradora de Madureira, já perdeu muito tempo no trânsito, como qualquer suburbana. Mas se considera uma mulher privilegiada por ter podido contar com o apoio da família para suas múltiplas funções. “Por muito tempo, morei ao lado da minha mãe, que me ajudou muito a cuidar dos meus dois filhos e da minha filha em todo esse processo.
Filha de japonês, Elika sofreu preconceitos durante a campanha. “Volta para sua terra”, “vá pro Japão” ou “vá pra Cuba” – esta última, uma expressão bastante usual entre muitos bolsonaristas desde a campanha de 2018. “A xenofobia sempre esteve presente na nossa sociedade e na atual conjuntura tem se intensificado com o avanço da extrema direita. Me mandavam voltar pra minha terra, como se eu não fosse brasileira. Sou de Madureira, nunca visitei o Japão”, ressalta.
“Como primeira deputada autodeclarada amarela na Alerj, sou filha de japonês, isso em nada me desqualifica para estar num lugar como esse.
Elika está acostumada a lidar com preconceitos, principalmente pela origem oriental, que gerava também assédio sexual. “O fato de ter ascendência japonesa e oriental e isso ser fetiche para muitos homens fez com que o assédio sexual em vários lugares estivesse presente. Isso sempre me incomodou demais.”
Na militância política e na campanha para deputada estadual também não faltavam abordagens misóginas. “Nas ruas, pelo fato de ser mulher, achavam que eu era mais frágil. Por que fazer essa pergunta para mim? Alguém faz essa pergunta para um homem?”, questiona.
“Não tem como uma mulher de 50 anos não ter enfrentado algum preconceito por ser mulher nesse mundo, vasto mundo que a gente vive. Encontrei muitos preconceitos. Isso é muito ruim, por mais que a gente seja forte é uma coisa que nos abala emocionalmente. Estamos aqui para lutar contra tudo isso e fazer uma sociedade melhor. Espero que meu mandado sirva para melhorar essa sociedade, que está muito ruim, como a gente está acompanhando”, destaca.
Elika não tem dúvidas de que, com a eleição de Lula, haverá uma boa relação com o Estado do Rio, com obras e melhorias para a população, mesmo com o governador e a maioria no Legislativo fluminense sendo do partido do atual presidente. “O estado nunca recebeu tanto investimento como nos governos do PT. Com Lula eleito, o cenário muda completamente em relação ao que seria se Bolsonaro fosse eleito. Lula governa para todas as pessoas. E o Rio é importantíssimo para o futuro do país. O fato de entrar um presidente que respeita o diálogo e combate o discurso de ódio vai facilitar nosso trabalho não só na Assembleia Legislativa do Rio, como nas demais assembleias desse país”.
Questionada sobre o ódio e a intolerância que dominam o país, Elika costuma dizer, talvez com a sabedoria e a paciência orientais herdadas de seus antepassados, que é preciso didática para restabelecer o diálogo. Mas como fazer isso num país extremamente dividido e que saiu ainda mais rachado após a estreita vitória do PT no segundo turno? Com muita paciência e escuta, aponta a autora de ‘Como Dialogar Com Um Negacionista’, livro lançado em 2021.
“Sei que não existe aluno burro, que não consiga aprender. O que é necessário é paciência para identificar onde está a chave para abrir determinadas portas que as pessoas tenham. Quando a gente fala de diálogo, pressupõe uma fala, mas também pressupõe a escuta. Mas o que está acontecendo nesse mundo é que está todo mundo gritando e ninguém está se ouvindo”, explica. E é justamente essa ‘didática do diálogo’ que Elika pretende levar para a Alerj, que estará mais polarizada a partir de 2023.
Deixar a escrita, aliás, não está nos planos de Elika, que tem mais de dez livros escritos e registrados e toca a página ‘Minha vida é um blog aberto’, título de um deles.
Autora de ‘Nós somos a tempestade’, prefaciado por ninguém menos que Luís Inácio Lula da Silva, em que conta várias experiências e reflexões políticas, Elika antecipa que pretende escrever um livro sobre suas experiências ao longo do seu mandato. “Acho que essa nova fase na minha vida na Alerj vai me trazer algo muito importante para uma escritora, que são histórias boas para contar. Creio que terei muitas histórias boas para contar, ainda que venham de experiências dolorosas e difíceis, que certamente eu terei na Alerj”.