20 ANOS DEPOIS ‘CIDADE DE DEUS’ GANHA PROJETO DE SÉRIE NA HBO MAX

Repleta de cosplays de toda espécie, com Batmans, Darth Vaders, Jedis, Homens-Aranha e capas de toda sorte a esbarrar umas nas outras no Pavilhão SP Expo da CCXP, a feira de geeks e cultura pop se rendeu, bem no dia de abertura desta edição de 2022, a Mané Galinha, Buscapé e seus criadores. Zé Pequeno e Cenoura não deram as caras, mas todo o legado deles foi bem representado ali.

Quinta-feira, 1º de dezembro de 2022, foi dia de homenagear na CCXP o conjunto da obra de “Cidade de Deus”, filme que inaugurou o modelo de favela-movie, colocou atores negros em outro patamar no Brasil, forçou a abertura de novas perspectivas para a indústria do cinema brasileiro, foi indicado a quatro Oscar e é hoje o segundo longa-metragem de língua não inglesa mais visto do mundo, de acordo com um ranking da Preply, plataforma online que conecta pessoas do planeta todo em mais de 50 idiomas.

O tributo aos 20 anos do filme veio um dia depois de a HBO Max oficializar a bênção sobre o desenvolvimento de um roteiro que propõe um spin-off do longa, a fim de reencontrar aqueles personagens de “Cidade de Deus” 20 anos mais velhos. Segundo o diretor Fernando Meirelles, grande maestro do título e sócio da produtora O2, que colocou a produção em pé em 2002, “a potência da favela” agora toma o lugar de protagonista que coube à violência há duas décadas. O momento é outro. Esse conceito, inclusive, norteou um curta-metragem lançado em setembro, como ação comercial da Vivo e da Motorola, em que Buscapé, personagem de Alexandre Rodrigues, é revisto fotografando, agora com celular, outras aves na comunidade de Cidade de Deus.

Convém sublinhar que a aprovação da HBO Max para o desenvolvimento da série não garante ainda sua realização. O projeto está aos cuidados de Meirelles e de sua sócia, a produtora Andrea Barata Ribeiro, com a equipe da O2 Filmes. Meirelles, dessa vez, cede o posto de direção a Aly Muritiba, enquanto Sérgio Machado comanda o time de roteiristas, composto por Armando Praça, Renata Di Carmo, Estevão Ribeiro e Rodrigo Felha. Bráulio Mantovani, que assinou o roteiro do filme, não está na equipe da vez. “A série revelará o que brotou daquela semente plantada nos anos em que o filme se passa. Depois que aqueles garotos dobram a esquina na cena final do filme, para onde foram e no que se transformaram?”, reflete Meirelles.  Assim como o filme “Cidade de Deus”, a série será uma adaptação da obra literária de Paulo Lins.

Se aprovado para produção, o enredo trará de volta Wilson Rodrigues, o Buscapé, em uma comunidade agora acuada em meio à disputa entre dois traficantes de gerações diferentes e a milícia, que vem ocupando os bairros vizinhos. Há uma guerra insuflada por políticos e empresários interessados em dominar a área. As energias estão dispersas, mas a morte de um morador querido por todos faz com que a comunidade se una ao redor da candidatura de uma líder comunitária e enfrente o opressor.

Durante a homenagem prestada a “Cidade de Deus” na CCXP, Seu Jorge, que vive Mané Galinha no filme, destacou o legado do título para a conquista da representatividade de atores negros e das nossas periferias. Meirelles lembrou como encontrou o pessoal do Nós do Morro e como atores negros receberam longa preparação para entrarem em cena, em um momento em que os talentos pretos eram ainda muito raros em nossas telas. A equipe reconheceu também os méritos de Kátia Lund, codiretora do filme, que após todo o sucesso de “Cidade de Deus” se sentiu desprestigiada em ser coadjuvante nos créditos, tento sido a responsável pelo comando da escalação daquele elenco.

A ideia inicial do longa, contou o diretor, não era causar tamanha repercussão, e houve até um momento em que alguém da equipe mencionou que o filme parecia ser muito bom, “pena que ninguém vai ver”. O fato é que Meirelles levou o longa ao Festival de Cannes, sendo ainda um absoluto desconhecido da indústria mundial de cinema, e teve sua agenda lotada por “180 pedidos de entrevista” após a exibição do filme. “Voltei para o Brasil com sete roteiros para ler”, contou ele, que depois viria a ser disputado pelo mercado internacional e a dirigir grandes estrelas de Hollywood.

Seu Jorge revelou que Denzel Washington lhe contou que já viu “Cidade de Deus” cinco vezes, e que em uma delas, estava acompanhado do casal Barack e Michelle Obama, que adoraram a fita. A O2 celebrou também na CCXP os 30 anos da produtora, que nasceu como Olhar Eletrônico, timidamente produzindo edições para o Programa Goulart de Andrade, nas madrugadas da TV Gazeta, e cresceu graças às demandas da publicidade.

Boa parte do êxito de “Cidade de Deus” está espelhada naquela experiência junto à propaganda. Responsável pela montagem do longa, Daniel Rezende, que hoje assina seus próprios filmes como diretor, contou na CCXP como montou a magistral sequência da galinha em fuga do facão, que abre e fecha o filme. E se você, espectador, prestar bem atenção, faz todo sentido que um profissional habituado à clipagem e ao corte frenético de imagens de um bom comercial pudesse alcançar aquele resultado que encantou Steven Spielberg e outros profissionais do cinema mundial.

Com informações da Folha de S Paulo