QUASE SOBROU PRO ESTROGONOFE

Alguma coisa está fora da ordem. O último grito comportamental da última semana foi o cancelamento de toda e qualquer coisa que tenha origem russa, em função do conflito militar com a Ucrânia. Bares em todo o canto estão rebatizando o Moscow Mule, um dos atuais drinks da moda, com nomes como Kiev Mule, e até um maestro russo foi proibido de apresentar o “Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, em Londres. Mas nada chamou tanta atenção e despertou tantas piadas e gozações quanto o restaurante que decretou na semana que passou o fim do estrogonofe.

Isso mesmo. Um dos pratos que se tornaram mais populares no Brasil por pouco não foi cancelado. Aconteceu, claro, em São Paulo, aquela estranha cidade ao sul do país, onde a chef Janaína Rueda, dona do Bar da Dona Onça, restaurante hiper-badalado (e, cá entre nós, hipervalorizado) no térreo do famoso edifício Copan, retirou o prato do cardápio em protesto contra Vladimir Putin. No Kremlin, só se falou em outra coisa. A repercussão negativa foi tamanha que dois dias depois Janaína reviu a decisão.

Afinal, uma coisa dessas não se faz assim com um dos pratos mais queridos dos brasileiros, embora não haja consenso sobre a origem da receita. A versão, digamos, oficial, reza que em 1810 a criação foi elaborada por um cozinheiro francês que trabalhava para a família Stroganov em São Petersburgo. O nome do clã, afrancesado, virou stroganoff, com a letra a, no lugar do o que vemos na grafia brasileira. O prato seria, enfim, uma homenagem do cozinheiro ao conde, militar e diplomata Pavel Alexandrovich Stroganov.

Mas as mudanças não estão apenas na grafia da palavra. Enquanto o original leva páprica, conhaque e creme azedo, por aqui é comum encontrar preparos com ketchup, champignon e creme de leite. E se, na Rússia, o ensopado é servido tradicionalmente com batatas fritas ou cozidas, no Brasil o estrogonofe vem quase sempre ao lado de arroz branco e (argh) batata palha. Há, porém, quem garanta, porém, que o estrogonofe é carioca da gema, sim senhor.

Ele teria nascido na mítica boate Vogue, antigo reduto mágico do society carioca. De acordo com o jornalista Henrique Veltman, ex-chefe de redação dos jornais “Última Hora” e “O Globo”, o dono da casa, o barão austríaco Max Von Stuckart oferecia um prato de picadinho de carne de graça aos repórteres encarregados de cobrir a efervescência do seu estabelecimento. Até que um dia (ou mais provavelmente uma noite), o jornalista e colunista social Ibrahim Sued, em nome dos colegas, reclamou que embora fosse uma delícia, o cardápio oferecido nunca variava. O dono da casa acolheu a reclamação e mandou colocar no picadinho, creme de leite e champignons. Há controvérsias. Mas se depois disso tudo bateu um desejo de deixar a geopolítica internacional e cair dentro de um bom estrogonofe, seguem algumas boas opções para degustar o prato na cidade.

Bom, primeiro, importante registrar que a pandemia nos levou o melhor estrogonofe da Guanabara, que era servido na saudosa A Polonesa, de Copacabana.  Era cortadinho na ponta da faca, assim como o saudoso steak tartare, que fazia igual sucesso. Um breve para a saudade do suflê de chocolate, que era preciso pedir no início da refeição para chegar quentinho na mesa. RIP.

Mas o bom estrogonofe, como o samba, agoniza, mas não morre. Durante a pandemia, o chef Pedro Artagão (à frente das casas Irajá, Formidable, Cozinha Artagão e Quiosque Azur) reparou que o prato estava entre os mais pedidos nos serviços de delivery em seus restaurantes. Nada mais justo, portanto, que criar um espaço só para ele. Nascia assim a Oficina do Estrogonofe (@estrogonofe_oficina), com três versões do prato (carne, frango e camarão), servidas com arroz e batata palha da casa. “Estrogonofe sempre foi um dos pratos mais pedidos nos meus restaurantes e foi com ele que consegui cobrir os salários dos meus funcionários na pandemia”, declarou ele.

Para quem busca algo diferente, a Camelo (Av. Henrique Dumont, 57 – Ipanema. Tel: (21) 2274-2303), inaugurada em São Paulo em 1957 como restaurante de comida árabe e que depois passou a servir uma das melhores pizzas a lenha da cidade, também incluiu o prato russo no cardápio. A base do sucesso da Camelo está no rigoroso processo de seleção para escolher as melhores matérias-primas e insumos para garantir o sabor e a qualidade dos pratos servidos.

Outras duas casas famosas por servirem estrogonofes de qualidade são a Majorica (Rua Senador Vergueiro, 11/15 – Flamengo. Tel: (21) 2205-6820), que também serve a versão com camarão, e para uma opção mais sofisticada o Giuseppe Grill (Avenida Bartolomeu Mitre, 370, Leblon, Tel: (21) 2249-3055). Embora a gente considere um pecado ir a qualquer um dos dois melhores assadores de carnes do Rio, comer ensopados. De qualquer maneira, espera-se que essa bobagem de cancelamentos termine de uma vez. Afinal, ninguém deixou de comer schnitzel ou beber os maravilhosos vinhos da cepa Gewürztraminer (curiosamente uma das melhores harmonizações com comida japonesa), só porque a Alemanha perdeu a Segunda Guerra.