AQUI SE FAZ, AQUI SE BEBE

POR BRUNO AGOSTINI

Um brewpub não é apenas um bar de cervejas anglófilo. Mas uma fábrica de cervejas com bar acoplado. Para merecer este nome o lugar precisa produzir a bebida e servir no mesmo local. No Rio, uma lei proibia atividades industriais em bairros centrais da cidade, o que por consequência inibia a existência de estabelecimentos do tipo. Mas, com o crescente interesse do carioca pelo mercado de cervejas artesanais e locais, o prefeito Eduardo Paes sancionou em 13 de julho deste ano a Lei Complementar nº 76-A, de 2018, que deu origem a uma série de novos lugares onde a cerveja é produzida e consumida – e há mais a caminho:

“Faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar: Art.1º Esta Lei Complementar cria, classifica e regulamenta o licenciamento das atividades econômicas cervejaria caseira profissional, microcervejaria, tap room e brewpub no Município do Rio de Janeiro. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se cervejaria caseira profissional, microcervejaria, tap room ou brewpub o estabelecimento que produz cerveja ou chope em pequena escala para fins comerciais, preferencialmente com auxílio de equipamentos de pequenas dimensões, sem qualquer vínculo com conglomerados industriais do ramo cervejeiro.”, diz o texto.

Há quatro anos esse movimento já se propagava pela cidade, com a abertura de lugares como a Casa Camolese, no Jardim Botânico, e a Narreal Brewhouse, em Botafogo, dupla pioneira na categoria. Depois vieram o Espaço 09 e a Cervejaria Paraphernalia, ambas em Ipanema e inauguradas em 2021, assim como a Marmota, na Lapa, além do Overhop Brewpub, também em Botafogo, reaberto este ano com a fábrica envidraçada nos fundos, onde é possível acompanhar a produção.

Botafogo é um (relativamente) antigo polo cervejeiro, desde a abertura do pioneiro bar Colarinho, em 2010. O bairro concentra vários bares dedicados ao tema, incluindo esses dois brewpubs com um ano de vida, ou um pouco mais. No coração de Botafogo, na rua Real Grandeza, o bar Narreal não se restringe aos rótulos produzidos ali, mas também abre a sua câmara frigorífica para os barris de cervejarias parceiras, como a Hocus Pocus. O cliente recebe um cartão de consumo, e ele mesmo se serve diretamente das torneiras – são nada menos do que 30! A cozinha não decepciona, ao contrário, e a boa seleção de comidinhas tem burgers bem-feitos e acepipes como a famosa manta de bacon, os bifinhos de porco à milanesa e a macia carne cozida na cerveja, entre outros. Durante a Copa, nos jogos do Brasil, vai ter open bar, com cervejas e outras bebidas servidas à vontade, por um preço fixo (R$ 180), de 12h às 19h.

Falando em Hocus Pocus, a ousada cervejaria também tem um bar em Botafogo, mas não pode ser chamado de brewpub, porque não produzem ali a bebida. Mas o seu vizinho, o Overhop Brewpub, na muvuca boêmia da rua 19 de Fevereiro, sim, é um misto de fábrica e bar. Para matar a fome, um curto e certeiro menu criado pelo chef Rapha Fiori – que, como quase sempre acontece em casas do gênero, é baseado em petiscos e sanduíches, como burgers e belisquetes apropriados para se combinar com cervejas lupuladas, que são a marca da casa, como torresmo de barriga, costelinhas de porco no BBQ e cupim defumado com fritas.

Inaugurada em 2017, ainda antes da lei das microcervejarias, a Casa Camolese foi a primeira brewpub do Rio. O bar, que pertence ao empresário Cello Camolese (fundador da Devassa) ocupa uma bonita construção antiga, de tijolinhos, no Jockey Club, debruçada sobre a pista de corridas. O espaço conta com uma casa de espetáculos intimista, o Clube Manouche, que tem shows bem concorridos, palco de apresentações de nomes como Maria Bethânia, Zeca Pagodinho e Ney Matogrosso. Além de uma adega bem cuidada pelo sommelier Renato Neves, atual melhor do Brasil, a lista de bebidas destaca as cervejas produzidas no mezanino pelo mestre Bruno Antunes. Para acompanhar as loiras, ruivas e negras, todas batizadas com nomes de mulher, há um menu de inclinações italianas, onde se destacam a burrata com trio de tomates (cereja frescos, secos e em forma de compota), bruschetta de cogumelos, linguini com frutos do mar e uma seleção de pizzas de longa fermentação. São pelo menos quatro cervejas disponíveis: Flora (Session IPA), Eden (Pale Lager), Zazá (wit)  e Iracema (Strong Ale que traz especiarias amazônicas, como urucum).

Bruno Antunes se reveza entre a Casa Camolese e o Espaço 09, em Ipanema, um lugar cooperativo, onde além das cervejas da casa é possível comer os burgers do Encarnado (dos melhores do Rio) e as pizzas da DuMAlt – que usa malte e cerveja na produção da massa. Além de pints bem tirados, sanduíches e redondas o menu completo do local inclui muito rock‘n’ roll e blues, com apresentações ao vivo regulares.

O mesmo tipo de som escutamos na Marmota, na Lapa, onde também acontecem shows desses gêneros tão identificados com o universo cervejeiro. Entre todas as fábricas urbanas desta categoria no Rio, é a que tem a maior estrutura de produção (até 12 mil litros mensais), com capacidade de ocupar suas 18 torneiras apenas com seus próprios rótulos – fique de olhos nas “sours”, ácidas e com adição de frutas.  A cervejaria foi fundada em 2015, e era cigana (terceirizava a produção) até construir a sua fábrica e bar, ou brewpub, simplesmente – inaugurada no inverno de 2021.

Um dos mais experientes sommeliers de cerveja do Rio dá expediente ali: Tom Lima, com passagem pelo Belgian Beer Paradise e pelo Delirium Café, dois lugares pioneiros. Não deixe de seguir suas recomendações, do que comer e beber. E visite as instalações, com direito a barricas dedicadas ao amadurecimento de algumas receitas, numa seleção de estilos rara de se ver, ainda mais em se tratando de produção própria, em pequena escala. Para comer tem burgers, coxinhas de costela, bolinhos de feijoada e torresminhos.

É o Rio Cervejeiro, de janeiro a janeiro.