A ORIGEM DAS COMIDAS DA CEIA DE NATAL

Diz uma velha piada que, quando menos se espera, eis que surge o Natal. O ritual começou nos tempos do Império Romano, quando se comemorava o nascimento anual do Deus Sol no solstício de inverno. Nas antigas aldeias europeias os moradores organizavam então banquetes para celebrar a mudança de estação e trocavam presentes. Eles ainda deixavam abertas as portas das casas, como sinal de que estavam dispostos a confraternizar com viajantes. No século III a festa foi, digamos, ressignificada pela Igreja Católica para estimular a conversão dos povos pagãos e então passou a comemorar o nascimento de Jesus de Nazaré. O ponto alto, a Ceia de Natal, passou a envolver diversas tradições populares e mudou com o passar dos anos. No século XIX, o pintor francês Jean-Baptiste Debret descrevia o Natal carioca como uma festa de trocas de presentes comestíveis, como caças e compotas. Hoje, a Ceia de Natal tem um jeitão bem brasileiro, misturando cores e sabores de povos do mundo inteiro. Confira abaixo uma lista de onde vieram algumas das principais iguarias consumidas tradicionalmente nesta noite especial:

Champagne – Essa é a mais fácil. Até porque não se pode chamar vinho branco espumante por outro nome que não o fabricado nesta região da França. As primeiras celebrações com a bebida teriam ocorrido no Palácio de Versalhes. Como dizia Madame Lily Bollinger, da famosa Maison Bollinger (fabricante do champã favorito do 007 James Bond), em uma frase que se tornaria um clássico: “Eu bebo champanhe quando eu estou feliz e quando eu estou triste. Às vezes eu bebo quando estou sozinha. Quando tenho companhia, considero obrigatório. Dou um gole quando estou sem fome, e bebo quando estou com fome. Se não for assim, eu nunca nem toco no champanhe, a não ser que eu esteja com sede.”

Tender – Tem uma das origens mais curiosas. Segundo as lendas, durante a década de 1950 o frigorífico Wilson, de São Paulo, importou dos Estados Unidos pernis de porco defumados. O produtor, simpático, colocou na embalagem a expressão tender made, que significa “feito com carinho”. Ou seja, sem fazer a menor ideia do impacto que teria na cultura brasileira, um americano desconhecido rebatizou o prato. A versão mais popular é que vem com cravos e fios de ovos, mas o toque defumado da carne, que lembra muito o presunto, vai bem com frutas cítricas como o abacaxi, o limão ou a tangerina.

Panetone – A mais famosa e divertida lenda sobre a origem do pão recheado com doces vem de Milão, na Itália. Segunda a história, apaixonado pela filha do patrão, um padeiro local resolveu preparar uma receita para tentar fisgar o pretendido sogro pelo estômago. Criou assim o “Pão do Toni”, e graças a ele conquistou sua amada. Com o tempo a receita sofreu diversas inovações, e aprimorada, deu origem a versões como Chocotone, Sorvetone e Colomba Pascal, dentre as variações mais conhecidas.

Bacalhau – Por essa você não esperava. Segundo registros históricos foram os vikings os descobridores desta iguaria. Foi com a finalidade de encontrar um produto que suportasse suas longas viagens marítimas que os portugueses, assim como os nórdicos, passaram a consumir bacalhau. Como as viagens às vezes chegavam a levar meses de travessia pelos mares, o peixe salgado resistia melhor à ação do tempo. O bacalhau é o assado mais antigo da tradição natalina brasileira, e chegou em nossas terras junto com os portugueses.

Pernil – Nos tempos primordiais do Brasil, as famílias ricas portuguesas se esbaldavam no Natal com receitas como Bacalhau com Castanhas Cozidas. Mas o peixe era caro, e a maioria da população, sem tanto dinheiro, precisou improvisar e incluiu o porquinho (versão brasileira do javali europeu) na ceia. Segundo o antropólogo francês Claude Levi-Strauss, o prato principal nas comemorações brasileiras sempre foram os assados, que conferiam destaque aos eventos, uma espécie de demonstração de fartura, já que eles tinham um status superior aos cozidos, a comida do dia a dia do povão.

Rabanada – Chegou ao Brasil também graças aos portugueses, mas ao que tudo indica sua origem é espanhola. O primeiro registro do doce foi encontrado em um texto do século XV de Juan del Encina, poeta espanhol que, segundo diversos autores, compartilha a paternidade do teatro ibérico com Gil Vicente. Mas tem versões em diversos países da Europa. Na França é conhecido como “pain perdu”, nos países de língua inglesa como “french toast”, denominação que influenciou a América Espanhola, onde em países como Colômbia, Chile e Equador chamam-nas “tostadas francesas”.

Frutas secas – Elas eram o ingrediente indispensável na culinária do antigo Império Persa. O fato é que há milênios figos, tâmaras, damascos e (para ódio de alguns) uvas desidratadas fazem parte das cozinhas do Egito, Turquia e boa parte do Oriente Médio. Assim como o bacalhau dos portugueses, elas surgiram na antiguidade diante da necessidade de métodos mais eficazes de conservação dos alimentos. De lá para cá pouca coisa mudou. Só o aumento do número de memes contra a mistura de passas com arroz no Natal.

Peru – Um autor disse certa vez que foi esse animal a maior contribuição das Américas à Europa. Uma afirmação radical. Se você considerar que a lista inclui itens como a batata, o tomate, a baunilha e o cacau, entre outros, vai chegar à conclusão de que a cozinha europeia antes da invasão deveria ser um horror. Os primeiros europeus a conhecerem os perus foram os missionários jesuítas. Mas há registros de que a Inglaterra tomou conhecimento da ave já em 1525, sendo que rapidamente constituiu-se no prato principal da ceia de Natal entre alguns países europeus. Entre os mais ricos, ele substituiu o cisne (isso mesmo!) entre os pratos mais requintados. Robusta e composta por grande quantidade de carne, a ave passou a ser considerada então um símbolo de fartura e poder.  Quando chegou à mesa, o peru vestiu casaca e ganhou todo um ritual de consumo. Formalmente falando, ele deve ser cortado pelo chefe ou a chefa da família, em pé ou sentado, após a faca ser amolada vistosamente. Então, pergunta-se aos convidados, de acordo com a posição à mesa, qual é a parte que gostaria de degustar.