VISCONDE DE MAUÁ: MODERNA E SEM PERDER A VIBE, BICHO!

A cidade é famosa pelas suas cachoeiras

Jan Theophilo

Corria o verão de 2011 quando os cerca de cinco mil habitantes de uma região serrana do Rio, conhecida como uma espécie de Jerusalém ou Meca da contracultura nacional, viveram entre o medo e o delírio. “Dizia-se que ia acabar o nosso plano quântico diferenciado, acolhedor de pessoas em busca de novas formas de espiritualidade, e seríamos invadidos pela Babilônia”, explica, por assim dizer, o vendedor de artesanato Pedro Ribeiro. O governo do estado finalmente entregava as obras de asfaltamento e sinalização da RJ-163, ligando a Via Dutra a  Visconde de Mauá, e enquanto alguns temiam o alvorecer de uma nova Campos do Jordão ou do Quadrado de Trancoso, outros tilintavam com a perspectiva de novas oportunidades. 

Antes, a estrada era asfaltada apenas até o vilarejo de Capelinha, e os demais 16 quilômetros restantes até este refúgio de trilhas intensas, cachoeiras e poços de águas cristalinas, além de montanhas com vistas estonteantes, era acessível apenas para quem topasse encarar uma subida de serra por uma estrada curvilínea repleta de lamaçais quase intransponíveis — o que, por óbvio, desanimava muita gente. Mas, no fim das contas, Mauá mostrou porque é Mauá. Em uma solução, digamos, Zen, chegou-se a um caminho do meio. Hoje restaurantes gourmetizados e pousadas modernosas em estilo industrial, pontilhadas de anteninhas da Star Link de Elon Musk, convivem pacificamente com os antigos restaurantes de truta e os veteranos chalés alpinos, cercados pelo ar mais puro possível e algumas das cachoeiras mais bacanas que você pode encontrar no Rio de Janeiro. Tem pra todos os gostos e bolsos, bicho!

“Eles bem que podiam espalhar uns atores vestidos de hippies para não perder a essência”, brinca o paulistano Heitor de Souza, dono de uma empresa de charter de veleiros, que estava começando a apresentar a região à namorada Elizabeth, enquanto degustava uma cerveja de pinhão, acompanhada por uma porção de iscas de truta no Centro Cultural de Mauá. “Já estive aqui mais de 10 vezes. Para ela é a primeira vez. Acho que a cidade não mudou sua identidade, mas com a inauguração da estrada, naturalmente se modernizou”, diz ele.  

A igrejinha marca a entrada da vila de Visconde de Mauá

Bom, vale lembrar que cariocas e simpatizantes tratam simplesmente por “Mauá” os conjuntos das vilas de Visconde de Mauá, Maringá e Maromba, no município de Resende, e seus diversos vales como o Vale das Cruzes, Alcantilado, Pavão e Gama. Formalmente o logradouro foi fundado em 1889, quando Henrique Irineu de Souza, filho do Visconde de Mauá, instalou nas terras um núcleo colonial, formado por famílias de imigrantes europeus. Mas o acesso à colônia era tão, mas tão complicado que a maior parte dos desbravadores preferiu fazer as malas e tentar a sorte em outro lugar. Veio a República e, em 1908, o Governo Federal achou interessante encampar a ideia de Henrique, comprou as terras e, em nova tentativa de receber agricultores europeus, criou o Núcleo Colonial Visconde de Mauá, que resistiu até 1916. “Só que dessa vez, algumas famílias alemãs permaneceram por aqui. Com o tempo, algumas delas começaram a usar parte de suas casas como pousadas ou restaurantes, para receber parentes vindos da Europa destes imigrantes que ficaram em Mauá”, conta a simpática dona Célia Soares que há 15 anos recepciona visitantes, no Posto de Atendimento aos Turistas, na entradinha da vila. 

Com o tempo a coisa evoluiu, e por pior que fosse a tal da estrada, na década de 1960, Mauá já oferecia pousadinhas com chalés que emanavam um saudosismo germânico na arquitetura e contava com dois hotéis de verdade (por assim dizer) — o Casa Alpina e o Bühler. Só que na década seguinte a lua entrou na sétima casa e tudo mudou. Uma gente colorida e cabeluda, turbinada por combustíveis pouco conhecidos até então na região descobriu Mauá. E o que até então era uma sonolenta e única ruazinha de interior, se transformou numa versão tropical da esquina das ruas Haight e Ashbury, em San Francisco (marco zero do Movimento Hippie nos Estados Unidos), e se transformou num dos rolês mais firmeza entre os bichos-grilos brasileiros, morô? 

A estrada foi asfaltada em 2011

“O que mais mudou foi o acesso. Eu antes pensava duas vezes antes de vir pra Mauá e acabava desistindo pelos problemas da estrada”, conta a servidora pública Cristina Cavadas: “Acabava ficando em Penedo, mas como Penedo virou praticamente uma rua só, eu acabei enjoando de ir pra lá e com a nova estrada passei a frequentar muito mais a região de Mauá. Tem muita coisa legal”. A RJ-163 foi a primeira estrada-parque do Rio de Janeiro, e observa rigorosamente conceitos ecológicos. Bem na vibe do pessoal da região. Foram feitas “zoopassagens” subterrâneas (uma espécie de funil formado por suportes metálicos e telas plásticas, com 60 cm de altura, para orientar os animais para uma travessia segura) e “zoopassagens” aéreas (projetadas para permitir o fluxo de animais que se movimentam pelas árvores). A velocidade máxima é de 60 km/h e o asfalto, especial, de baixo ruído.

A 1300 metros de altitude, Visconde de Mauá é, por assim dizer, a primeira vila. É aquela da clássica foto da igrejinha azul de São Sebastião, ao lado de um grande campo de futebol gramado. O local é o palco de alguns dos eventos, como o Festival do Pinhão, realizado anualmente em maio. É também aqui que fica o Gosto com Gosto, o mais tradicional restaurante da região, comandado pela chef Monica Rangel, referência para nomes mais pop entre os foodies como Roberta Sudbrack ou Alex Atala, que disse nunca ter comido uma couve igual a dela. “Desde 1994 fazemos aqui o que acreditamos e gostamos: comida brasileira de verdade com identidade mineira”, explica Monica.

 Também por aqui fica o primeiro degrau na escada da sua viagem sessentista: o Casa Beatles. É um bar fundado em 2015 pelo casal de músicos cariocas Leandro Souto e Mariana Dantas, que resolveu trocar o caos urbano da Lapa por uma vida mais bucólica e se mudou para Mauá, onde aproveitaram a beatlemania de Leandro para decorar de cima a baixo o estabelecimento, com capas de discos, fotos e artigos de memorabília em geral. A casa virou uma Disneylândia para amantes do Fab Four e um badalado point local. “E a novidade para inverno é que, além do nosso pub, você vai ter agora um cantinho beatle para se hospedar na vila: a Casa Beatles Rock’nHostel!”, anuncia Leandro. 

Agora, se mesmo após uns bons drinks na Casa Beatles, você começou a ficar mais íntimo do frio úmido que caracteriza Mauá, chegou a hora de conhecer a segunda vila: Maringá, o principal centro comercial da região. O lugarejo é cortado pelo Rio Preto, que marca a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, e uma bucólica pontezinha separa as “duas Maringás”.  O papo aqui é mais careta e nem por isso desinteressante. Feitas as comprinhas de artesanato local ou daquele bem-vindo gorro de lã ou par de luvas, uma dica é conhecer o Bistrô La Sauver de Vanille, resultado de um sonho das cariocas Noemi Delpasso e Renata Nesti, que resolveram abandonar a cidade grande e correr para as montanhas. “É mais fácil você procurar por Bistrô das Meninas, porque o pessoal acha a pronúncia em francês muito complicada”, explica Renata. O negócio deu certo. A casa mescla cozinha campestre com toques de bistrô parisiense e é considerada hoje a primeira e única padaria de qualidade da região. 

A noite em Mauá pede uma fondue. E é em Maringá que ficam as melhores delas. Do restaurante mais tradicional, o Maison de La Fondue, com mais de 20 anos de bons serviços prestados à causa gastronômica, ao mais moderno, Casa de Pedra, que além de oferecer também pizzas de qualidade, terá uma novidade para o inverno que está chegando: “Encomendamos mantas, com peles de carneiro, para colocar no colo dos clientes nas noites mais frias”, explica o gerente Leandro Silva.  Parece funcionar.

“Falam muita coisa, mas a verdade é que a praça dos hippies sempre foi Maromba”, pisca um olho Dona Célia, aquela do Posto de Atendimento. A terceira vila é a mais simples da região e a mais “roots”. É, a dois passos do paraíso, onde ficam as lojinhas onde você pode comprar uma cartola de bruxo, um esfuziante chapéu roxo de feiticeira, fazer tatuagens de henna ou até mesmo, sabe-se lá com qual intuito, escrever seu nome num grão de arroz. Paraíso, cabe a ressalva, é porque a verdade é que não foram as lareiras dos chalés estilo alpino, as fondues deliciosas, ou, vá lá, a fartura de pinhões e trutas que trouxeram fama à região de Mauá. Sempre foram e, tomara, sempre serão suas cachoeiras. E em Maromba fica a maior parte delas.

A vila mantém a atmosfera “alternativa”

Segundo o Instituto Chico Mendes já foram catalogadas mais de 120 cachoeiras e muitas outras mais podem estar perdidas no meio do mato, onde não é permitido o acesso. Opções existem para todos os níveis de aventureiros. Algumas tem piscinas de águas puras e cristalinas, outras tem uma pegada mais de escorregador e existem até mesmo quedas d’água roliudianas escondidas em meio à floresta natural, repleta de araucárias — um tipo de palmeira extremamente sensível, que só cresce em regiões de ar puríssimo, e está catalogada hoje pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) como uma espécie em estado crítico de extinção. 

E só pra encerrar., se você é daqueles que curte Bob Marley, um Oswaldo Montenegro, progressivo italiano, ou apenas sonhou com aquela casa no campo do Zé Rodrix— para curtir seus amigos, seus discos e livros, e nada mais— fica a dica: o aluguel de uma casinha de quarto e sala, com varandinha voltada para uma vista espetacular das montanhas e mil metros quadrados de terreno para chamar de seu e plantar uma horta e/ou jardim, sai por uma merreca de setecentas pratas por mês. O valor é inferior ao de um apartamento com dimensões um pouco menores, e ainda sem o visual e o jardim, em qualquer bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Partiu?

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