Caroline Rocha
Os planos são muitos para o primeiro dia de aula em uma escola de balé clássico nos Estados Unidos. A imaginação vai longe ao idealizar as diferenças na rotina, o nervosismo de conhecer a professora e o entusiasmo com as novas amizades. Pode parecer – e claro que é — um sonho ambicioso para uma criança moradora do Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas da Zona da Leopoldina, no Rio, mas será, em alguns meses, a realidade da miúda e inteligente Emily Vitória, de nove anos, ganhadora de uma bolsa de estudos no Miami City Ballet – uma das mais importantes escolas do segmento nos EUA.
Com os olhos brilhantes, voz doce e sorriso sempre estampado no rosto, a menina empolgada com o futuro garante que a conquista é fruto das oportunidades dadas pelo Projeto Vidançar, do qual é aluna há dois anos. O nome não é nenhum exagero: “o projeto é minha vida”, define Emily. Criado em 2010 no Morro do Alemão, o Vidançar oferece aulas gratuitas de balé clássico a crianças das periferias do Rio de Janeiro. E não é só distração, é aposta educacional e profissional levada a sério.
A rotina de Emily se resume à escola e ao balé. Durante a semana, as primeiras horas do dia são em uma das unidades da rede municipal de educação. À tarde, frequenta a instituição profissionalizante Alice Arja, parceira do Vidançar. E, aos sábados, Emily é sempre presença confirmada de 10h às 17h nas salas do projeto. “A parceria [com o Alice Arja] é para garantir o acesso dessas meninas. Elas passam pelo mesmo processo normal de todo mundo. Sendo aprovadas, elas vão ingressar na escola, mas sem ter que pagar a mensalidade”, explica Aline Guimarães, coordenadora do Vidançar.
Segundo a coordenadora, os desafios não acabam quando os pequenos são aprovados. O custo para praticar e chegar até o local das aulas são altos e incluem figurinos, maquiagem, alimentação e transporte. “Muitas vezes elas passam e não conseguem ir por conta do transporte, que não é só para elas. É para elas e para o responsável. A maioria tem entre oito e dez anos. Como uma criança dessa idade vai sozinha?”
Questionada sobre seu maior sonho, Emily já tem a resposta na ponta da língua: ser uma bailarina profissional. A resiliência e o esforço dela são incentivados pelo formato de ensino do projeto, que encoraja meninas e meninos pretinhos através de histórias de personalidades negras de sucesso. Nas paredes da biblioteca, por exemplo, estão estampados os rostos de Otávio Júnior, cria do Alemão, escritor e ganhador do Prêmio Jabuti 2020, e Maria Chocolate, líder comunitária e gestora de bibliotecas.
O Vidançar ainda oferece aulas de jazz e breaking, reforço escolar de português, matemática, inglês e espanhol, além de aulas de xadrez, audiovisual, mídias sociais e robótica digital. As exigências do projeto, que já beneficia mais de 500 alunos, são que a criança esteja matriculada na escola, tenha boas notas, carteira de vacinação em dia e inscrição no Cadastro Único do Governo Federal, que identifica famílias de baixa renda no Brasil.
‘TUDO QUE NÓS TEM É NÓS’
Para além de uma conquista individual, a possibilidade de ida de Emily para Miami é uma vitória coletiva. Companheiro e incentivador, o pai repetiu incansável a importância da comunidade na vida da família e na trajetória da filha. Aos 40 anos, Carlos Alberto aponta os resultados dela como prova da necessidade de investir nos talentos que nascem e crescem nas favelas ofuscados pelo abandono do Estado.
“O governo não olha, porque, se olhasse os projetos em volta das comunidades, eles não dependeriam só de doações de fora ou de setores privados. Os projetos existem, mas a dificuldade de se manter é que preocupa os pais. Isso aqui é a vida dela, é a vida dessas crianças. Isso aqui não pode parar, de jeito nenhum”, suplica Carlos.
O desespero é de um homem nascido e criado no Complexo do Alemão, que em quatro décadas viu pouquíssimas oportunidades para os moradores da sua favela e agora vê o sonho de sua filha e de tantas outras crianças e jovens correndo risco.
O RISCO DE FECHAR AS PORTAS
Uma incrível rede de apoio e a visão sustentável da equipe junto a recursos do setor privado são o que mantêm o projeto de pé: desde doações de lona tensionada – feitas por um vizinho produtor de eventos, passando por oficinas de costura para que as mães dos alunos produzam figurinos com esse material chegando até um importante patrocínio da Petrobras.
Mas o principal desafio é lidar com a instabilidade das doações enquanto se tem nas mãos os sonhos de tantas pessoas. Desta vez, a torneira do maior patrocinador secou. O contrato com a Petrobras, que já dura dois anos, foi renovado recentemente. Entretanto, por questões burocráticas, só entrará em vigor em junho.
“Até lá, a gente precisa manter as atividades. Têm despesas que são fixas, que a gente não tem como deixar de pagar, como aluguel, as contas de água, luz, internet…, o transporte que leva as nossas meninas para o Alice Arja, e todos os prestadores de serviço — pessoas que trabalham no projeto e também precisam pagar suas contas”, explicou a CEO e fundadora do Vidançar, Ellen Serra.
Para manter vivo o sonho de mais de 500 famílias, o Projeto Vidançar pede apoio da tão prestigiada comunidade — no sentido mais amplo da palavra –agarrando-se aos dizeres de “Principia”, do rapper Emicida: “Tudo que nós tem é nós”. As doações podem ser feitas através da vaquinha no site vakinha.com.br/4545059 ou pela chave PIX 4545059@vakinha.com.br.
A bailarina Emily também precisa de ajuda para tornar seu sonho realidade. Entre as despesas para a viagem e a permanência no Miami City Ballet, estão parte da mensalidade, passagem, hospedagem e alimentação. “É uma oportunidade muito incrível. Para passar para este curso, mesmo pagando, você precisa ser aprovado em uma avaliação técnica e uma audição, porque são pessoas do mundo inteiro que participam, e a Emily conseguiu, com bolsa de 50%”, disse Ellen. Interessados em fazer doações diretas à bailarina ou apadrinhar a pequena, podem entrar em contato com (21) 98739-4551.