UMA NOITE BRASILEIRA EM LISBOA, COM COMIDA DO VELHO ADONIS E SAMBA DO MOA

Foi uma noite para saudar a Guanabara, em plena Praça do Comércio, no coração de Lisboa. Quarta (31), o salão do Museu da Cerveja foi tomado por centenas de amantes do samba e da MPB. Foi assim que o casal Gabriela Lopes Siqueira, publisher da BRASIL JÁ, e Washington Quaquá, deputado luso-brasileiro e colunista da revista, promoveram o encontro de culturas.

Portugueses, brasileiros e africanos formaram uma massa humana, que dançou sob o comando de Moacyr Luz, um dos maiores poetas ainda em atividade da música brasileira.

A salada de sotaques (português europeu; português americano; português africano; e um português “inglesado”) dava a harmonia dos clássicos como Saudades da Guanabara (Moacyr Luz e Aldir Blanc) e Sonho Meu (Yvonne Lara e Delcio Carvalho).

Também se apresentaram os músicos da Orquestra Bamba Social —um coletivo de 18 luso-brasileiros sediado no Porto— que se uniram pelo amor ao samba.

Os convidados foram recebidos por Gabriela e Quaquá ao som do legítimo samba carioca de Moacyr, ou Moa para os amigos. “O Moa é grande compositor. As músicas dele são famosas. Ele é um amigo”, diz Gabriela.

“O Moa é um símbolo da cultura carioca e brasileira. O mundo conhece o Brasil por três coisas: samba, futebol e caipirinha. Então, o Moa é a expressão mais lapidada do samba, da malandragem e da inteligência cariocas. Ele já tem coisas aqui em Portugal, já tem CD gravado. E o nosso grupo tem um ambicioso projeto de criar um coletivo de brasileiros, unindo empresários brasileiros e portugueses. Vai ser meio que o retorno do Brasil a Portugal”, afirma Quaquá.

Gabriela antecipou que a noite no Museu da Cerveja foi apenas o começo do que vem por aí. “Nossa ideia é abrir um bar brasileiro aqui, o Favela Café, em parceria com chef João Paulo. Isso deve acontecer este ano; outro projeto é fazer um festival de música brasileira na cidade do Porto, mas ainda estamos formatando, vendo que vem. Serão grandes cantores. Mas há mais. Queremos trazer cultura, comida, lazer, o que o Brasil tem de melhor para Portugal.

Moa diz estar muito feliz por voltar a Lisboa e em tocar com a Orquestra Bamba Social. “Conheci o Bamba Social no Rio, através do Pedro, que está aqui comigo. Ele gravou uma música minha. Fiquei impressionado com a qualidade sonora e surgiu a ideia de fazermos algo junto. Mas veio a pandemia e foi adiado. Os músicos dessa orquestra sabem tocar mais do que eu”, brinca Moa.

O Pedro, de que fala o poeta, é o Pedro Pinheiro, um dos fundadores e legítimo representante da nata do samba lusitano, reverencia o mestre Moa. “Estamos preparando um disco só com músicas de Moacyr Luz”, diz. O grupo une brasileiros e “patrícios”, numa prova de que o samba une e não tem fronteiras.

O chef João Paulo Campo comandou a cozinha. O cardápio misturou Brasil e Portugal e teve como entrada bolinhos de legítimas sardinhas portuguesas, com jiló.

O prato principal foi polenta cremosa com ragu de rabada.  Os convidados circulavam com ramekin (potinhos brancos), onde o amarelo da polenta e o vermelho da rabada conferiam ao local um ar de subúrbio carioca à centenária praça lusitana.

João Paulo já está ligado à cultura portuguesa, por ser sócio do Velho Adonis, fundado em 1952 pelos portugueses Arnaldo e Antero. Em 2019, o chef comprou bar, localizado em Benfica, Zona Norte carioca, e reformou o local, resgatando o ar europeu da década de 1950 e que fez do bar uma embaixada da boemia carioca.

João Paulo diz estar animado com o projeto do Favela Café, adiantado por Gabriela: “Já estamos olhando alguns imóveis na região do centro de Lisboa. Queremos mostrar o que tem de melhor no Brasil. Vai ter funk, sertanejo. Vai ter Carnaval, com direito a bateria. A comida vai ser de qualidade, com petiscos brasileiros, bolinho de bacalhau, polvo. Muitas coisas boas.”

Noite de festa

Denise Machado, 44 anos, foi um dos destaques da noite. Instrumentista e cantora e integrante da Orquestra Bamba Social, ela passeou pelo repertório de Moa, com uma dicção carioca.

Detalhe: ela nasceu no Porto. Filha de alagoano, Denise entrega a origem com o sotaque português quando conversa, longe do microfone. “Cresci ouvindo Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Djavan. Meu pai, o Seu Jairo, tem 71 anos e toca surdo. Ele me apresentou ao samba, e nunca mais saí”.

A cantora diz que a energia do samba a ajuda a recuperar as forças, após um dia cansativo. “O samba cura e transforma”, sentencia.

A cabo-verdiana Carla Rendall, 38 anos, é outra que se rendeu ao samba. Joalheira, sambou a noite toda ao som dos clássicos de Moa. “Eu tenho aulas de samba toda semana. Em Cabo Verde, temos um ritmo chamado morna, que se assemelha ao chorinho. Daí, para chegar ao samba, foi um passo”, diz com um sorriso contagiante, que lhe ilumina o rosto.