Caroline Rocha
Na esteira do decreto da rede municipal de educação, algumas escolas particulares também decidiram proibir ou restringir o uso de telas, sobretudo de celulares, entre os alunos. Em meio a alertas de especialistas sobre os perigos da utilização excessiva de celulares entre crianças e adolescentes, o movimento tem tido cada vez mais adesão, ao passo que pais e responsáveis encaram de maneira prática os impactos no desenvolvimento e aprendizagem dos pequenos – e dos nem tão pequenos assim.
O tradicional colégio Sâo Vicente de Paulo, na Zona Sul da cidade, por exemplo, foi uma das instituições particulares que aderiu à proibição. A iniciativa começou a valer no primeiro dia do ano letivo de 2024, quando os alunos passaram a ter que deixar os dispositivos em um compartimento na entrada da unidade. Segundo o coordenador acadêmico André Chaves, a medida “de resgate” foi adotada “com o olhar pedagógico de retomar a escola como ambiente social”.
Para além de proibir, os professores e educadores do Colégio São Vicente de Paulo buscam conscientizar os mais novos sobre os malefícios do hábito – para alguns, verdadeiro vício. Foi adicionado ao currículo dos alunos a disciplina “Cidadania Digital” e projetos que trabalham o arcabouço teórico relacionado a mídias e redes sociais. “A implementação [da proibição] está sendo mais simples do que nós considerávamos. De modo geral, eles estão aceitando bem. Alguns ainda têm receio de deixar o celular pela ansiedade da distância, mas faz parte”, declarou o coordenador.
Já nas escolas públicas, segundo a Secretaria Municipal de Educação (SME), os alunos estão em fase de adaptação. No início de fevereiro, a Prefeitura do Rio decretou a proibição do uso de equipamentos eletrônicos não apenas no horário de aula, mas também nos intervalos e no recreio. “Não se trata de ser contra a tecnologia, mas de utilizá-la de forma consciente e responsável”, disse o Secretário Municipal de Educação, Renan Ferreirinha.
A maioria da população concorda com a decisão, tomada após consulta pública. A SME recebeu mais de 10 mil contribuições dos cariocas. Foram 83% de respostas a favor, 11% parcialmente favoráveis e 6% contra.
Entre os alunos da cidade, há algumas reclamações sobre a severidade da restrição, mas uma queixa é unânime: o celular é uma grande fonte de distração.
“Acho que deveria poder [usar o celular], mas só no final da aula”, afirmou Theodor Paetzoldt, de oito anos, aluno de uma escola privada no Recreio, Zona Oeste do Rio. O irmão gêmeo, Luiz Pietro, que tem aulas na mesma unidade acrescentou o motivo: “Podia ter no recreio, mas durante a aula está certo ficar proibido, para gente prestar atenção.”
“Realmente rouba muito a atenção da gente. Percebi isso no dia em que eu não levei o celular para a escola”, lembrou Maria Clara Tenório. A adolescente de 16 anos estuda em uma escola pública na Zona Norte da cidade e assume absorver melhor os conteúdos quando não tem o apelo das notificações pulsando na tela.
OS DESAFIOS DA ABSTINÊNCIA
O principal passo para que os adultos consigam manter a restrição, mesmo em meio ao desgaste causado pelas “birras”, é investir no contato com a criança/adolescente, explica a professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Beatriz Sancovschi.
“Isso vai demandar tempo dos adultos, vai demandar outro tipo de atenção, outro tipo de engajamento na relação com seus filhos”, aponta a professora. Ela complementa que é exatamente nesta mudança de rotina que parece estar a maior dificuldade dos pais e responsáveis. “Muitas vezes nós não queremos que as crianças fiquem em contato com as telas, mas também não estamos disponíveis para experimentar com elas brincadeiras, passeios, outras formas de olhar o mundo.”
Mais de 95% das crianças e adolescentes entre nove e 17 anos usam a internet, de acordo com dados mais recentes da pesquisa TIC Kids Online, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. O número corresponde a 25,1 milhões de usuários. O levantamento revela ainda uma tendência crescente de uso da internet já na primeira infância, com 24% do total de crianças tendo realizado o primeiro acesso antes dos seis anos de idade.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), as novas mídias são alternativas para o preenchimento de vácuos deixados pelo abandono afetivo ou mesmo por pais ‘ultraocupados’, muitas vezes, com seus próprios celulares. Sancovschi explica que não há controle entre os mais novos se não houver limite entre os mais velhos. “Fica muito mais fácil pensar que temos que evitar que as crianças usem o celular sem olhar para a gente e pensar como nos relacionamos com todos esses dispositivos.”
A utilização de telas em excesso na infância e adolescência tende a gerar irritabilidade, ansiedade, depressão, transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), além de dificuldades para dormir e distúrbios alimentares, como obesidade e anorexia. É com base nestes impactos que o uso nas escolas também foi proibido nos intervalos.
“O recreio é o espaço público essencial da criança, onde ela se relaciona, brinca, se movimenta, aprende habilidades fundamentais, como colaboração, empatia, negociação, viver de acordo com regras, afeto. As crianças ficam isoladas, cada uma no seu celular, e isso é profundamente nocivo para todos”, explica o pediatra Daniel Becker.
As consequências também podem ser físicas, segundo a SBP, entre elas: problemas visuais, como miopia e síndrome do olho seco; auditivos, devido à exposição a ruídos por tempo prolongado; e transtornos posturais e músculo-esqueléticos.
No entanto, Sancovschi alerta que o verdadeiro “vilão” não é o celular, mas sim o posicionamento dele como principal mediador entre a criança/adolescente e a realidade. “[O recomendado] é apostar na diversidade de relações, tanto relações interpessoais quanto relações com a natureza, com a tecnologia e com o mundo”, afirmou a psicóloga.
COMO MANTER A SEGURANÇA?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que crianças de até dois anos de idade não tenham qualquer contato com nenhum tipo de tela. Neste caso, a OMS aponta que os riscos incluem problemas no desenvolvimento neurológico e cognitivo e impacto em habilidades físicas. A partir dos dois anos, a recomendação é limitar de acordo com a idade e manter o olhar atento aos conteúdos visitados dentro e fora da internet.
Não há como erradicar os riscos do acesso a telas, afirma Beatriz Sancovschi. O melhor, portanto, é instruir as crianças sobre como utilizá-las. “Eu penso no uso das telas como quando a gente ensina a criança a andar na rua. Sempre vai ter algum perigo. O desafio é a gente pensar em como melhor podemos orientar e ajudar essa criança a ter recursos para enfrentar os perigos que podem vir”, afirmou a psicóloga da UFRJ.