STEAK AU POIVRE: CLÁSSICO DOS CLÁSSICOS ESTÁ NA MODA

Chez Claude: clássico da família Troisgros

Bruno Agostini

Quando fui apresentado a um novo corte chamado steak Esplanada, a chamada “sobrancelha”, parte superior do bife ancho, eu pensei: isso deve ficar uma maravilha com o molho poivre da casa, que é muito bom (e que fica ainda melhor com as finas e crocantes batatinhas fritas portuguesas que eles servem). Eu estava certo, como pude comprovar dias depois, ao retornar ao restaurante de Ipanema e fazer o meu pedido: steak Esplanada au poivre.

Esplanada Grill: “sobrancelha” au poivre

Foi uma das muitas variações (e das melhores) deste prato universal que pude provar recentemente, em endereços dos mais diversos estilos. Passei por lugares clássicos e por algumas novidades, por franceses e italianos, por portugueses e espanhóis. Passei pelas mãos de chefs veteranos, mas também por alguns dos mais jovens, o que confirma uma percepção que cresceu do inverno de 2023 para cá: o steak au poivre, e suas muitas versões, está na moda.

Vovó Celeste, em Areal: com Chateaubriand

A ideia dessa reportagem nasceu há pouco mais de um ano, quando dividi com um cozinheiro amigo um generoso Chateaubriand ao poivre em um lugar improvável, que passei a divulgar aos conhecidos, e sobre o qual escrevi uma reportagem. Era o restaurante Vovó Celeste, endereço famoso pelo menos entre os que frequentam a cidade de Areal, na Região Serrana, lugar que vem ganhando protagonismo no turismo no Estado por conta de suas vinícolas. O prato estava espetacular, e o conjunto carne-molho-fritas que o caracteriza estava impecável. Assim, esse almoço acabou dando início a uma busca insaciável pelos melhores steaks au poivre do Rio, e dos arredores.

Giuseppe Grill lançou menu de steaks clássicos dos anos 1970

A ideia foi ganhando força conforme eu percebia que este prato clássico de carne com molho de pimenta está em alta nos restaurantes cariocas, não só nas steak houses, como era de se esperar, casos do Esplanada Grill e do Giuseppe Grill, por exemplo; e nos endereços mais tradicionais, como o Guimas, ou mesmo nas referências na cozinha francesa, como o Didier e a Chez Claude.

Loire: bife ancho é o corte escolhido

Mas, também comecei a encontrar o prato em lugares novos ou com cardápios renovados, com chefs jovens no comando, como o Arp, sob a batuta de Lucas Lemos; e o Loire, com consultoria do chileno Felix Sanchez, que está com menu novo; do mesmo modo que o Boka, que convocou o francês Damian Montecer para renovar sua cozinha, que ganhou identidade nova, sob os cuidados de Gabriel Ribeiro, pupilo e braço-direito do francês.

– Eu me inspirei em lugares como o Balthazar e o Pastis, em Nova York, onde trabalhei – diz Montecer, observando que o steak ao poivre também está em alta em Manhattan e Paris, por exemplo (basta uma espiada no Instagram de restaurantes clássicos de cidades como essas).

Eu ia apurando aos poucos essa reportagem, até que os algoritmos perceberem meu interesse no assunto: em meados de outubro me apareceu um vídeo postado em julho, produzido pelo chef Claude Troisgros, com a sua receita do steak au poivre, em seu perfil no Instagram. Ele começa o preparo direto no molho, ao finalizar a carne, com cebola, pimenta-do-reino, conhaque, vinho do Porto, vinho branco e creme de leite, finalizando com salsinha. Ele faz questão de frisar o quanto é fácil fazer esse molho “delicioso”, como classifica.  

Troisgros em ação: reprodução do Instagram

– Eu conheci o steak poivre desde pequenininho, na Maison Troigros, em Roanne. Era uma especialidade do meu tio, Jean Troisgros, que faleceu muito cedo, em 1981. Na cozinha ele era o responsável pelas carnes e pelos molhos. E o steak au poivre era uma receita que ele adorava fazer. Ele empanava totalmente a carne com pimenta-do-reino, preta e branca, quebradas. Fazia uma crosta de pimenta, e fritava junto, na manteiga. Aí, vinha a finalização, reduzindo o molho com conhaque, vinho branco, um bom caldo de carne, creme de leite e ainda mais manteiga. É um prato muito antigo, muito francês, e que tem muitas histórias ao redor, incluindo o poder afrodisíaco da pimenta, além de ter muitas variações, incluindo com pimenta verde, que não é a original – diz Claude Troisgros, que serve o prato em seu restaurante do Leblon, Chez Claude (quando provei, e aprovei, era feito com escalopes altos, mas em meados de novembro passou a usar o prime rib: preciso conferir).

O prato também pode ser encontrado em casas italianas, como o Da Brambini

Ao me aprofundar no assunto vi que podemos encontrar versões em lugares das mais distintas vertentes culinárias, além dos franceses, que defendem a sua paternidade. Isso pode acontecer em muitas bandeiras gastronômicas: desde endereços italianos, como a Casa Tua (que tem versão com tornedor e complemento de trufas), e o Da Brambini; a portugueses, como a Gruta de Santo Antônio, este em Niterói, que entrou na pauta aos 45 do segundo tempo, quando comentei com o Alexandre Henriques que faria uma matéria a respeito.

O prato também pode ser encontrado em casas portuguesas, como a Gruta de Santo Antônio

– Você tem que provar o da Gruta! – exclamou o amigo, que estava cheio de razão: o steak au poivre desta casa portuguesa nascida em 1977 está certamente entre os melhores que provei neste apimentado esforço de reportagem.

Café 18 do Forte: novidade no menu

Pesquisando ainda mais, lembrei que até casas especializadas em peixes e frutos do mar, como o Satyricon, podem ter o prato no cardápio, porque se trata de um clássico universal. É o filetto al pepe, que ali é preparado com maestria, usando pimenta-do-reino preta. O mesmo acontece no Shirley, no Leme, que entre as sardinhas, lagostas, polvos e bacalhaus que dominam o menu, também apresenta o seu steak poivre. Na rede Belmonte ele só é servido na mais pomposa das filiais, a que fica na praia de Ipanema. E o Café 18 do Forte, colocou o prato em seu novo cardápio – recém-lançado, criado pelo empresário Edu Araújo, responsável por lugares que fazem sucesso entre o público mais jovem, como Quartinho, Chanchada e Fatchia.

BistrOgro: porco au poivre vert

Quando vi que o Marchezinho, em Botafogo, outro lugar no bairro com espírito jovial e antenado, botou poivre em seu cardápio executivo, corri para até lá para provar – e, enfim, aprovar, com louvor – a sua interpretação do prato, chamada de tagliata de angus ao poivre, que tem esse nome porque é servido com a carne fatiada. Já o americano Jimmy McManis, em seu BistOgro, serve uma versão de porco, com prime rib suíno. Enquanto Thomas Troigros segue a linhagem da família, defendendo o bom entrosamento entre França e Brasil, como faz em seu Toto, em Ipanema, onde serve um poivre tradicional, com guarnição adaptada: as fritas são feitas com batata-doce laranja.

Fim de Tarde: prato off-menu no Centro

Tão clássico é o prato que não é raro achar um bom poivre até mesmo em restaurantes que não o colocam no seu cardápio oficial, como é o caso do Fim de Tarde, no Centro, famoso por servir dezenas de pratos off-menu aos clientes.

– Se tivermos os ingredientes e a cozinha souber preparar, nós fazemos. É muito comum os clientes pedirem seus pratos fora do menu – diz Marcos Alonso, sócio do restaurante, fundado em 1973.

La Villa, em Botafogo: sob encomenda

Afinal, para fazer um bom filé ao poivre basta ter uma carne de qualidade, que seja boa para grelhar, pimenta-do-reino e conhaque. Praticamente qualquer restaurante tem isso em sua despensa. No La Villa, em Botafogo, o chef Gregoire Fortat também prepara, sob encomenda, o seu poivre (dos melhores da cidade, que se diga), em molho cremoso, com tornedor em ponto impecável e fritas das melhores.

É fácil achar o prato mesmo em lugares que não o colocam em seus menus porque é essa é uma receita que permite variações, e uma das possibilidades é fazer o molho diretamente na frigideira onde foi preparado o bife, a chamada técnica de “puxar o fundo de panela”, deglaçando todo aquele sabor tostadinho com alguma bebida alcoólica. Essa é a formulação original consagrada pela Larousse diz que se usa bifes com 3 cm de altura, conhaque, manteiga, um pouco de creme de leite na finalização, e muita pimenta-do-reino preta, amassada grosseiramente. Já Paul Bocuse, no livro em que apresenta “Toute la Cuisine”, descrevendo seu repertório de receitas, sugere um pouco de mostarda de Dijon no preparo. Para ele, a carne também deve ser mais alta, com uns três dedos de espessura.

Arp: um exemplo de jovem chef que botou o prato em cartaz recentemente

Algumas correntes culinárias pedem que se use um bom molho rôti, e essa vertente parece predominar nos dias de hoje, assim como a utilização da pimenta verde, encontrada em conserva na salmoura. O uso do caldo de carne aproxima o molho base do poivre de receitas que fazem sucesso aqui, como o filé ao Madeira; ou em Lisboa, como o filé à portuguesa, o que traz certa familiaridade ao prato.

Novos cortes vão sendo inseridos, acompanhando o mercado atual de carnes, como o bife ancho e o prime rib. A tradição pede cortes grandes e altos de mignon, como chateaubriand e tornedor, menos comuns hoje em dia. Tem sido mais fácil encontrar com escalopes um pouco mais altos, pela padronização do preparo, de modo a garantir o ponto correto, que deve ser tostadinho por fora com aquele suculento interior rosado, que inclusive acaba por entregar seus saborosos sucos, o que potencializa o prazer de apreciar este prato que é ícone da cozinha carnívora.

Passei por uns 20 restaurantes para fazer essa reportagem, e cada um interpreta o steak au poivre a seu modo. Não vi nenhum prato igual a outro, seja em termos de corte, guarnição, apresentação, tempero etc. E os molhos variam imensamente, podem ter ou não caldo de carne, ou creme de leite. A espinha dorsal do poivre é o tripé carne-molho-fritas: como isso é preparado e servido muda demais, de casa para casa. Muitos clássicos históricos são assim. Inclusive, entram e saem de moda.

Casa Urich: reportagem inspirou retorno ao menu do histórico restaurante alemão

Aproveitando uma rápida passagem na Casa Urich, um clássico do Centro do Rio, fundado em 1913, lugar onde sempre gosto de estar, nem que seja só para apreciar o ambiente histórico, perguntei ao Orlando Oreiro, amigo e sócio do lugar.

– Vocês servem steak au poivre?

– Já servimos, mas tiramos. Até podemos preparar, o cozinheiro sabe fazer, mas por que?

– Acho que está na moda, estou fazendo uma reportagem. Adoro – respondi.

– Então, eu acho que vou botar, vou falar com a equipe.

 No dia seguinte chega a mensagem, no aplicativo:

– Bruno, vamos botar o poivre, como sugestão de sexta-feira. Quero que você venha provar.

– Com todo o prazer!

E, assim, continua a saborosa missão de catalogar os melhores steaks au poivre do Rio.

(ATUALIZAÇÃO: desde o dia 29 o prato está em cartaz na Casa Urich, como sugestão das sextas).

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A receita do chef Troisgros é com pimenta-do-reino preta e branca

RECEITA: APRENDA A FAZER EM CASA COM O MESTRE CLAUDE TROISGROS

INGREDIENTES:

• 1 colher de manteiga

• 1 cebola roxa picada

• 1 colher de pimenta branca

• 1 colher de pimenta preta

• 1 colher de conhaque

• 1 colher de vinagre balsâmico

• 150 ml de vinho branco seco

• 1 colher de extrato de tomate

• 350 ml de creme de leite fresco

• 1 colher de sopa de manteiga, sal,

   pimenta-do-reino moída na hora

MODO DE PREPARO:

Na mesma frigideira em que o filé mignon foi grelhado, com muita manteiga e “empanado” nas pimentas, comece a fazer o molho. Quebre as pimentas amassando-as muito bem. Primeiro, deixe a cebola suar na manteiga, até caramelizar.

Coloque o conhaque para flambar, e em seguida o vinagre balsâmico e o vinho branco, fazendo o processo de deglaçar. Coloque o extrato de tomate, e deixe reduzir quase que por completo. Acrescente o creme de leite e deixe ferver até engrossar (cerca de  3 minutos).

Peneire o molho em ‘chinois’ e adicione o restante da manteiga, e finalize o tempero com sal e pimenta-do-reino moída na hora.