SOLIDARIEDADE: FAVELIVRO, PONTE QUE UNE EXTREMOS DA CIDADE

A criadora do projeto destaca o envolvimento dos patronos, como Zeca Pagodinho

Aydano André Motta

De Zeca Pagodinho Isabel do vôlei (1960-2022); de Flávia Oliveira a Regina Casé; de Thalita Rebouças a Milton Cunha; de Malu Mader a Elisa Lucinda, uma corrente une celebridades a comunidades populares do Rio, na inestimável (e urgente) causa da cultura. Há quase uma década, a professora Verônica Marcilio e o livreiro Demézio Batista criaram o Favelivro, projeto que abre bibliotecas nas áreas mais pobres da região metropolitana. Agora em abril, serão inauguradas a 37ª e a 38ª.

A mágica da iniciativa é que cada uma ganha o nome de um patrono – e a pessoa participa da construção, doando livros e móveis. Os homenageados são escolhidos pelas próprias comunidades, em experiências que potencializam a autoestima e o orgulho por territórios historicamente sufocados por miséria e violência.

O início se deu quando Verônica, contadora de histórias pelas favelas do Rio, conheceu Demézio, que distribuía livros na Barreira do Vasco. Eles decidiram formar uma dupla e criar rodas de bate-papo, que ela batizou de Favelivro. Um dia, no Vai Quem Quer, em Caxias, uma senhora perguntou se eles tinham caixotes para guardar os livros. Demézio teve a ideia da primeira biblioteca, batizada José Mauro de Vasconcelos (1920-1984), autor do clássico “Meu pé de laranja lima”. A segunda, na pequena Ipiiba, em São Gonçalo, sequer ganhou nome.

A cruzada ganha o formato definitivo na terceira, no Complexo do Caju. “Uma moça que estava nos ajudando contou que era apaixonada pelo Hélio de la Peña. Nós o convidamos para dar o nome e ele topou na hora. Virou o primeiro patrono”, recorda Verônica, referindo-se ao comediante, que adotou o espaço e está sempre participando de ações na comunidade.

Funciona sempre do mesmo jeito. Ela convida o homenageado, que se engaja na construção. A comunidade cede o espaço, que recebe, no mínimo, três estantes, mil livros e uma placa com o nome do patrono. Numa tarde calorenta de novembro passado, ocorreu a inauguração mais popular, da Biblioteca Zeca Pagodinho. Juntou uma multidão para ver o sambista.

Deu um trabalho imenso, mas de muito prazer, para os hoje cinco integrantes do Favelivro – além de Verônica e Demézio, a professora Mireile Soares, a escritora Mari Moreira, o fotógrafo Vitor Marcilio e a atendente Ana Gabriela. O transporte dos livros doados é feito por universitários que também se engajam em cada inauguração.

A criadora do projeto destaca o envolvimento dos patronos, que viabiliza uma troca de experiências incomum, na cidade historicamente excludente. “Os famosos, com seus contatos, ampliam as doações e melhoram as bibliotecas, que ganham variedade das obras. Para as comunidades, significa empoderamento”, festeja a professora, que mora em Bangu. “O Rio tem muitas favelas desconhecidas e abandonadas, que necessitam de geração de cultura”, aponta ela.

E o casamento com os famosos vai muito além da mera inauguração. Ana Paula Araújo, no Morro da Babilônia, e Flávia Oliveira na comunidade da Congonha, em Madureira, realizam festas de Natal todo ano. Jornalistas, aliás, fazem sucesso no Favelivro: Luciana Savaget batiza duas bibliotecas — em Niterói e em Coelho Neto, na Zona Norte.

Mais um craque do setor batizará sua biblioteca, em abril: Ancelmo Gois, na Cidade Alta. Além dele, Regina Casé será outra parceira homenageada, com unidade no morro do Cantagalo. Até o fim do ano, virão outras.

Verônica, agora, toureia as doces consequências do sucesso. Está faltando estante para tanto livro! “Não deixa de citar isso, por favor. Precisamos muito!”, pede ela, no “corre” para aumentar a potência do contra-ataque à exclusão cultural, pelo caminho da valorização dos livros e da leitura. Vida longa ao Favelivro!