SOB O SOL DE AREAL: ENOTURISMO SOBE A SERRA FLUMINENSE

Os vinhedos do Borgo del Vino, primeiro condomínio vinícola da região

Jan Theophilo

A Toscana é aqui. Ou melhor, a menos de uma hora e meia do Rio de Janeiro, na pequena cidade de Areal, antigo distrito de Três Rios, que em apenas dois anos saltou de Cidade da Uva para a Capital da Uva no estado e virou cidade-irmã de Montalcino, onde se produz o famosíssimo Brunello de Montalcino, um dos maiores ícones dos vinhos italianos ao lado do Barolo.

“Areal é o novo terroir que está sendo criado no Brasil. Estou achando encantador”, atesta um certo viticultor e locutor esportivo chamado Galvão Bueno, dono da Bueno Wines. “Aqui em Areal talvez seja o único terroir do mundo no hemisfério Sul onde se trabalha com o calendário do Hemisfério Norte. Eu estou muito interessado nisso. O Roberto Medina já conversou comigo e inclusive já pediu a indicação de um arquiteto para fazer uma vinícola aqui”, contou Galvão.

Areal possui hoje mais de trinta hectares de área plantada, com pelo menos oito variedades, o que gera a expectativa de uma produção média de 60 mil garrafas de vinho por ano e está despertando novos investimentos e empreendimentos que irão consolidar a viticultura na região.

Atualmente são 12 vinícolas em formação, com mais de 100 mil pés de uva plantados, entre Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Shiraz, Sauvignon Blanc, Viognier, Niágara Rosa, Malbec, Tempranillo, Sangiovese e Montepulciano.

E se todo filho bonito tem pai, no caso de Areal o maior incentivador da explosão na produção do vinho foi o prefeito José Augusto Bernardes Lima. “Quando assumi, já éramos o maior produtor de uvas do estado. Mas só havia duas vinícolas em construção: a Borgo del Vino e a Vinnus Vale”, diz  Gutinho, como é conhecido o jovem alcaide.

Quando a cidade virou Capital da Uva, ganhou grande mídia espontânea entre jornais, sites especializados e programas em canais rurais. “Começamos então a procurar novos nomes do mercado de turismo nacional e internacional para se somar a esse novo roteiro turístico que a gente está criando. Daí vieram nomes como o de Rubem Medina; do secretário de Turismo Sávio Neves; de Francisco Soares Brandão, dono da FSB, a maior agência de comunicação da América Latina; e José Auriemo Neto, presidente do Conselho de Administração da JHSF, entre outros.

Das vinícolas iniciais, a que está com o desenvolvimento mais avançado é o Borgo del Vino, encarapitada no alto de uma montanha quase 800 metros acima do nível do mar. O Borgo Del Vino nasceu de uma inspiração na região da Toscana, onde as vilas medievais italianas (“Borgos”) ocupam o topo das colinas. O empreendimento, com vista panorâmica 360 graus, conta com uma vila temática com hotel e spa, restaurante, empório, praça com capela e uma torre de estilo toscano, rodeada de três hectares de vinhedos, com oito variedades de uvas para produção de brancos e tintos.

“Somos de uma família de empreiteiros na área de construção imobiliária”, explica José Carlos Eloy, um dos sócios do Borgo. “Tudo começou quando um corretor nos trouxe aqui para ver alguns terrenos, e essa visita nos remeteu a uma viagem em família que fizemos na Toscana. Assim surgiu a ideia de reproduzir a experiência que tivemos naquelas férias, ou seja, um hotel numa colina, rodeado por vinhedos, e aproveitar isso para colocar nosso trabalho: a venda dos lotes para a criação do condomínio”, diz Eloy. Foi um sucesso. No dia do lançamento todos os 160 lotes foram vendidos em apenas duas horas e meia.

Já o projeto do Vinnus Vale foi idealizado para ser um marco de relevância significativa no turismo do vinho, centrado na preocupação principal de preservar o ambiente bucólico e as atividades rurais. Hoje maior vinícola do estado, já conta com 35 mil pés de uvas viníferas – Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Shiraz, Sauvignon Blanc, Viognier e Niágara Rosa. Em 2021 foram plantados mais 11 mil pés dentre Malbec, Tempranillo, Sangiovese e Montepulciano. Em agosto de 2022 iniciou o processo de vinificação, ainda em caráter experimental, das espécies Shiraz, Merlot e Sauvignon Blanca. No segundo semestre do ano passado começou também a construção do primeiro complexo turístico com cerca de 100 suítes.

“Queremos construir um ambiente lúdico, para despertar nos visitantes a importância de preservarmos os valores presentes na interação entre o modo de vida rural e o modo de vida urbano. É um empreendimento desenvolvido em parceria com a prefeitura e grandes arquitetos e urbanistas. Acredito que em dois anos já atrairemos um movimento significativo para o município de Areal”, diz o empresário Maurício Arouca, proprietário de diversas pousadas e restaurantes badalados em Búzios. “O Vinnus Vale, em resumo, está sendo todo desenvolvido para fornecer às pessoas um espaço para que ela possa conviver com seus sentidos.” O projeto do complexo ficou a cargo do renomado escritório de arquitetura Duda Porto.

 Hoje, no Borgo del Vino, já funciona uma pizzaria com vista de tirar o fôlego, e presença constante de celebridades. Uma delas foi o cônsul da Itália, Paolo Miraglia Del Giudice, que ao enxergar semelhanças entre Areal e Montalcino ajudou a organizar a ida de uma delegação da cidade fluminense até a Itália, o que resultou no acordo das “cidades-irmãs”, trazendo novos personagens para a Região Serrana. Entre eles a gaúcha Ana Eugênia Monteiro, casada com o italiano Paolo Bartolommei e donos da Vinícola Caprili, em Montalcino. “No início eu te digo que não foi muito fácil, porque eu não entendia do processo do vinho por aqui, com a poda invertida, a não ser pelos livros. “E isso tudo me fez ver um mundo completamente diferente do que eu pensava que era”, conta ela.

A chamada poda invertida é o pulo do gato do primeiro terroir fluminense. Nada mais é do que você fazer a colheita nas condições ideais para o nosso clima, que é o inverno, quando chove pouco, e a uva chega ao estado de maturação ideal para colher e ser transformada em um produto de qualidade. Nada disso seria tão promissor sem o trabalho do agrônomo brasileiro Murillo Regina, mestre em viticultura pela Université de Bordeaux II, que introduziu com muito sucesso a tecnologia da “dupla poda” ou “poda invertida” em regiões antes condenadas a não terem êxito na viticultura, pelo fato, em particular, da alta pluviometria no verão, que coloca em risco o estado sanitário e a maturação das variedades de uva.

Neste caso, aborta-se o desenvolvimento dos frutos no verão, realizando-se uma poda por volta de fevereiro, além da poda usual pós-colheita, para que a videira recomece sua frutificação e realize a maturação no inverno. Como o nosso inverno é moderado e seco, a estação dá ótimos frutos. Convencionou-se chamar poda invertida porque, em vez de colher no verão, colhe-se no inverno.

“Agora o próximo passo é deixar de ser a Capital da Uva para ser a Cidade das Nações”, brinca o prefeito. Tal qual um caixeiro-viajante, ele foi em busca de outros parceiros ligados ao mundo do vinho. E tendo embaixadores como Roberto Medina, as coisas fluem mais fácil. Uma delegação da escola de gastronomia Le Cordon Bleu esteve na cidade com o chef Roland Villard. Da visita, surgiu a ideia de uma filial na escola em Areal e da construção de uma vila francesa, nos moldes do Borgo del Vino, que deverá ser instalada na Fazenda Goiabal.

Em outra frente, após uma visita à feira de produtores do Douro, em Portugal, surgiu o interesse de outro grupo empreendedor de construir na cidade mais um condomínio-vinícola, inspirado na reprodução de uma vila portuguesa. A família Eloy tem interesse em participar do projeto.

“Muitas grandes construtoras do Rio estão hoje fazendo vinícolas ou condomínios de grande padrão aqui em Areal. Dois deles estão vendendo casas na faixa do R$ 1,5 milhão, e temos mais 10 condomínios de alto luxo em licenciamento”, comemora o prefeito Gutinho: “Um lote que valia R$ 80 mil, dois anos atrás, hoje vale R$ 250 mil”.

Para fortalecer os investimentos, os vinicultores de Areal fundaram uma associação, cuja logomarca foi desenhada por outro simpatizante da cidade, chamado Hans Donner. “Agora estamos pensando juntos em um grande projeto turístico integrado. Acredito que em mais uns cinco anos, Areal estará entre os mais badalados destinos do Brasil”, empolga-se o prefeito. Uma opinião que é corroborada pelo secretário estadual de Turismo, Sávio Neves, que resume, cirúrgico: “Areal é hoje a joia da coroa do turismo do Rio de Janeiro”. Santé!

Se alguém contasse a um gaiato de plantão que em uma cidade do interior do Rio estão construindo reproduções de vilas europeias, logo surgiria a gozação de que a Serra Fluminense está ganhando uma versão tupiniquim do Epcot Center, em Orlando. Nada mais distante disso. O impulso econômico que os vinhedos de Areal, e suas intercorrências, está proporcionando ao município tem permitido o desenvolvimento de projetos que reúnem potencial para fazer da cidade um importante polo turístico.

Um dos principais é o Parque Julioca. O projeto foi feito a custo zero por arquitetos da Universidade Católica de Petrópolis. Onde antes era uma área abandonada, da qual foram retiradas 3 toneladas de lixo, o visitante, após atravessar um túnel de jabuticabeiras, chegará a um parque natural. Vigas de aço foram transformadas em anfiteatros e as antigas pedras da estrada estão sendo usadas para formar um grande lago. A partir de dezembro deste ano serão construídos no local, além da sede, um museu de arte (que já conta com doações para o acervo dos muitos ricaços que vivem na região), um pórtico, torre de observação de aves, iluminação, deck flutuante, bares e restaurantes.

Em junho, começa também a construção de um moderno Mercado do Produtor, inspirado nos maiores entrepostos do mundo, onde será instalado também um polo gastronômico e cursos desta área. Finalmente, a antiga estação de trem da cidade foi adaptada como um cinema, que alterna blockbusters com filmes de arte e contará em breve com cursos técnicos na área audiovisual organizados pela Faetec.

Outro marco de especial relevância é a reforma da Fazenda Bemposta, fundada em 1805. Por muito tempo ela foi propriedade da tradicional família Guinle e viveu seus áureos tempos sendo frequentada no passado por famosos do mundo da política, como Presidentes da República, Senadores, Governadores, artistas nacionais e internacionais; como Charlton Heston, Marilyn Monroe, entre outros. O nome Bemposta é uma homenagem à região Campo de Bemposta, em Portugal.

O projeto contempla um hotel cinco estrelas, com 35 suítes, além da construção de bangalôs, heliponto, piscinas, centro gastronômico com dez restaurantes, laticínio com a fabricação de queijos gourmet e derivados, vinícolas e cervejaria artesanal. Fora mais de 14 mil pés de uva de três variedades, consolidando a Fazenda Bemposta no roteiro da uva e do vinho.

O município de Areal, tornou-se oficialmente a “Cidade da Uva” de acordo com a Lei 9388/2021 sancionada e publicada em dois de setembro de 2021 no Diário Oficial do estado. O governador Cláudio Castro (PL) reconheceu a importância do título, atendendo ao deputado Marcus Vinícius (PTB) e outros 30 parlamentares que assinaram o projeto de lei oriundo da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Nem só de vinhos vive Areal. Um segredo até então conhecido por poucos é que, diante da ocupação desenfreada de points como Itaipava, a cidade vem aos poucos se tornando um refúgio de ricaços no friozinho da Serra. “É um privilégio estar aqui em Areal. Eu brinco com a minha mulher que é uma esquina do paraíso. É muito lindo, você tem a natureza em volta. É difícil achar uma coisa dessas pelo mundo”, diz o empresário Roberto Medina, dono da Dream Farm, fazenda onde passa boa parte do tempo quando está no Brasil – e que em breve começará também a produzir vinhos.

Já o designer Hans Donner, além de doar a logomarca da Associação dos Produtores de Vinho, está trabalhando no projeto de uma torre de 10 metros, com um arrojado relógio no topo, que marcará a entrada da cidade. A lista de frequentadores e/ou donos de casas inclui o ator Bruno Gagliasso (foto), o já citado José Auriemo Neto, presidente do Conselho de Administração da JHSF, o presidente da Anvisa, Barras Torres, e a empresária Bianca Teixeira, braço-direito de Alexandre Accioly, que também já andou dando pinta por lá.

Finalmente, amante da natureza e dos animais, especialmente dos cavalos, o empresário Francisco Soares Brandão adquiriu um terreno no condomínio equestre Paddock para criar ali o Sítio Santo Antônio, e há mais de 25 anos vem trabalhando no reflorestamento da região. Era um terreno árido, com uma terra pobre e devastada pelas queimadas. Aos poucos, Francisco foi trazendo matéria orgânica para adubar a terra, aproveitando a serragem dos cavalos, tanto do centro equestre quanto de outros haras da região. E começou a plantar.

Nos últimos 25 anos, o projeto de recuperação da natureza tem sido um sucesso. Com um trabalho diário e incansável, foram criadas estradas e trilhas, todas atualmente com calçamento e guarda-mão, e o terreno foi tomado por uma mata cheia de árvores frutíferas, com jabuticaba, mamão, ameixa, goiaba, manga, banana, café… – hoje floresce ali uma infinidade de espécies da flora nativa ou exótica, incluindo cerejeiras, ipês e eucaliptos, e com isso o sítio passou a atrair também muitas aves e animais silvestres, que sempre encontram alimento na região.

“É uma brincadeira de gente grande”, brinca, bem-humorado o empresário. Além da sede, um primor de arquitetura, há casas para hóspedes, todas elas abarrotadas de obras de arte de primeiro calibre para onde sua vista aponte. “Meu sonho é convencer o Francisco a abrir o Sítio para visitação”, admite o prefeito. Te cuida Inhotim!