ROBERTO FONSECA: O APÓSTOLO DO RIO LIMPO

Nas franjas do Parque Nacional da Tijuca, o Horto é um microcosmo exemplar da desigualdade brasileira

Aydano André Motta

Pioneiro na cruzada ambiental, o aforismo “Pensar globalmente e agir localmente” escala-se àqueles que ultrapassam fronteiras e gerações, sendo, graças à barafunda digital, atribuídos a diversos autores. Pouco importa – num cantinho do Rio, o ambientalista Roberto Fonseca materializa o conceito, na preservação de um pequeno curso d’água, e ostenta resultados significativos no seu trabalho diário, o Horto Natureza.

Nascido na bicentenária comunidade do Horto, ele cresceu em meio à Mata Atlântica e às margens do Rio dos Macacos, que tem origem no alto do Maciço da Tijuca e deságua na Lagoa Rodrigo de Freitas. Desde 2001, percorre toda a extensão dele com um cesto para coletar lixo. Além disso, trabalha na revitalização da água e na educação ambiental na vizinhança.

Os resultados são visíveis. “Tem peixe grande e outros animais que se banham, prova da limpeza”, ensina ele, que teve o trabalho reconhecido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Na gestão de Lucas Padilha (atual presidente do Comitê Rio G20), Fonseca recebeu o prêmio Preservador da Fauna e Flora, como responsável por um dos rios mais limpos da cidade.

“Desde criança tomava banho, aprendi a nadar aqui”, comenta, agradecendo ao tio-avô, Orlando Pereira da Silva, o Folha Seca, pelo aprendizado de cidadania ecológica. “Explico aos moradores que o rio é muito valioso, porque nos ajuda quando acaba a água encanada”, pondera. “Se estivesse tomado pelo esgoto, não serviria para nada”, acrescenta ele, que recebe contribuições comunitárias para comprar o material usado no dia a dia.

Na limpeza, encontra preciosidades, como uma banheira de 1827 enterrada no leito do Rio, que a chuva revelou em 2001. Topou ainda com um jarro e cerâmicas do tempo imperial, além de uma placa datada de 1864. Os objetos foram reunidos numa exposição no Museu do Amanhã.

Fonseca tornou-se conhecido na vizinhança e, sobretudo, nas redes sociais, por retirar animais da floresta, principalmente cobras, encontrados nas casas do bairro. Também trabalha no Instituto Vida Livre, ajudando a recuperar animais vítimas de acidentes ou maus tratos, para devolvê-los à natureza. Mais recentemente, inaugurou hortas orgânicas nos colégios do bairro. “Sou cria da floresta”, orgulha-se.

Nas franjas do Parque Nacional da Tijuca, o Horto é um microcosmo exemplar da desigualdade brasileira. Uma pequena comunidade popular, sempre ameaçada pelo despejo, divide o bairro com mansões de endinheirados. Serve de passagem a quem sobe para a Vista Chinesa, mas se parece com uma pequena cidade do interior, daquelas onde a vida anda mais devagar.

Neste cenário raro na metrópole, Roberto Fonseca entrega-se à preservação com fervor de apóstolo. Fundou o projeto Horto Natureza em 2020, para formalizar sua causa. “A responsabilidade é nossa como ser humano. Tomamos banho no rio e nos pocinhos, principalmente no verão. Os órgãos públicos vêm para ajudar na coleta, educação ambiental e saneamento básico, mas o compromisso com a preservação é nosso”, ensina, removendo o estigma social de que os favelados seriam responsáveis por uma eventual poluição. “A intenção era sempre acusar a comunidade pela destruição da vegetação e sujeira no rio. Hoje estamos aqui para mostrar que é um rio limpo, com o oxigênio que deixa a Lagoa com a água brilhando”, exalta.