Luísa Prochnik
Os alimentos expostos nas prateleiras são todos agroecológicos, muitos deles orgânicos. Grãos diversos, geleias, conservas, cachaças, sucos, laticínios, frutas, legumes e muito mais. Cada produto, no entanto, apresenta algo além de um convite a experiências gastronômicas, como explica Gabriela Santos, estudante de ciências sociais, que trabalha no Armazém do Campo.
– Os alimentos aqui, além de serem bons, de terem seu valor comercial, têm valor histórico e político muito grande. Este aqui, por exemplo, é o café Guaií, que é de Minas Gerais. O assentamento deles sofre bastante repressão há muito tempo. Então, é um café de muita resistência e muito gostoso.
Gabriela nasceu e foi criada em um assentamento do MST. Ela trabalha há um ano e meio no Armazém do Campo, responsável por atender os clientes, trabalhar no site que faz entregas, na organização interna, nos eventos e no planejamento das atividades. O Armazém localiza-se em um sobrado de dois andares, no número 135, na Avenida Mem de Sá, onde ficam os charmosos Arcos da Lapa, região central da cidade, há quase cinco anos.
– O Armazém do Campo é um projeto do MST para expandir as cooperativas, ampliar nossa produção, como forma de valorizar o trabalho das famílias e de projetar o MST na sociedade também, já que a gente é muito criminalizado pelas ocupações. O Armazém é uma forma de iluminar os bons frutos dessa luta.
Enquanto circulamos pela loja, Gabriela me apresenta todos os produtos, suas origens, e contextualiza onde e como são produzidos. Nas prateleiras, só entram insumos que vêm de assentamentos do MST ou de coletivos de pequenas famílias de agricultores. E em vários pontos há placas que contam sobre a origem do alimento. Até que chegamos ao famoso arroz do MST. Segundo o Irga – Instituto Rio Grandense do Arroz –, até 2022 o Movimento era o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
O mais difícil é encontrar muitos pacotes de arroz do MST na prateleira. Como o espaço físico do Armazém para estoque não é muito grande e o produto é um grande sucesso, há sempre que pedir novas entregas e tudo que chega é vendido rapidamente.
Além disso, o arroz do MST é o protagonista dos almoços de sábado, realizados no Armazém semanalmente. O evento se chama ‘Culinária da Terra’ e é uma parceria entre o espaço e alunos de gastronomia da UFRJ, que realizam no local o projeto de extensão chamado Convivium.
– Nossa meta é criar cardápios semanais aproveitando ao máximo os insumos da reforma agrária. Todo começo de semana a gente recebe a lista de insumos que estão disponíveis, que vêm dos assentamentos, e cria um cardápio em cima disso.
– Hoje, tinha várias conservas aqui que não tiveram muita saída, vários legumes como beringela, abobrinha, cebola. Tinha abóbora para caramba e a gente fez um cardápio usando isso: um creme de abóbora com carne seca desfiada. E uma caponata de beringela de entrada – conta o professor do curso de Gastronomia da UFRJ, Ivan Bursztyn.
O cliente chega e é atendido por alguém da própria universidade. No cardápio, duas opções de prato: vegano e não vegano, mais bebida e duas opções de sobremesa.
– Nossa atuação aqui enquanto universidade também é um projeto de pesquisa, onde a gente está criando o índice de proximidade dos cardápios, em que a ideia é valorizar alimentos regionais dentro de um contexto de um sistema alimentar mais sustentável – completa Ivan.
Os alunos são incentivados a criar as próprias receitas a partir dos insumos existentes, proporcionando uma autonomia que dificilmente vão encontrar nos primeiros anos de vida da profissão.
Gabriela completa que os almoços rendem bons frutos para as vendas do Armazém, já que pessoas chegam para experimentar uma comida bem temperada e vendida a um preço justo, e acabam conhecendo e comprando comidas e bebidas da prateleira e apreendendo mais sobre a luta do MST e das famílias que formam os coletivos agrícolas.
O mesmo acontece quando há eventos culturais no local, no segundo andar do sobrado, chamado de ‘Espaço Cultural Marielle Franco’. Festas divertidas, mas que como tudo dentro do Armazém do Campo trazem temas políticos para o debate. Na sexta-feira, dia 14 de abril, teve a festa ‘Terra Colorida LGBTQI+’.
– Uma militante MST aqui do Rio, que trabalha no Armazém com a gente, e que é uma pessoa trans, foi agredida em março. E a gente está fazendo essa festa em resposta à violência, mas também em comemoração à vida dela, por ela estar aqui conosco – conta Gabriela.
A estudante de Ciências Sociais também nos conta que vários grupos de diferentes ritmos procuram o Armazém para parcerias e shows, como Carimbó, Maracatu e Reggae. Ainda há samba e forró.
Há também lançamentos de livros, alguns editados pela ‘Expressão Popular`. Se o visitante quiser, pode se sentar ao lado das prateleiras, escolher um título sobre lutas e política e tomar um café orgânico com gosto de resistência.
Afinal, o Armazém do Campo é tudo isso, um espaço que vende alimentos, produz almoços, festas, lançamento de livros. Entretenimento e sabores diversos, tudo envolvido em um contexto político e histórico que ajuda a entender melhor o movimento rural do país a partir da perspectiva de assentados e pequenos produtores.