POR DENTRO DA CASA DO MAGO

Ubirajara Pinheiro, maranhense de 71 anos, conta sua história

Jan Theophilo

A o cruzar os portões de ferro do casarão branco no número 380 da Rua Humaitá, no caminho do Túnel Rebouças, uma reluzente Mercedes Benz ML350 (um brinquedinho na faixa dos R$ 150 mil) contrasta com imagens do capiroto, pombas-giras, pretos-velhos e uma fonte em formato de Iemanjá que verte água das mãos. Isso sem falar na imensa estátua de São Jorge que chama atenção dos passantes e faz com que a Casa do Mago seja um dos endereços pelos quais os cariocas certamente mais sentem curiosidade, e imaginam o que pode estar por trás daquele estatuário que parece trem-fantasma de parque de diversões.

Lá dentro, entre leituras em bolas de cristal até jogo de búzios, muitos procuram as previsões atribuídas ao Guru das Celebridades, o “Mago” Ubirajara Pinheiro, um maranhense de 71 anos. É para lá que o empresário Eike Batista costuma correr quando se vê às voltas com a Justiça ou em dúvida quanto aos seus investimentos. A atriz italiana Monica Bellucci, a cantora Mart’nália e o ex-jogador holandês Seedorf também já foram vistos no local, em busca das previsões, trabalhos e conselhos do dono da famosa Casa do Mago.

A consulta custa R$ 150, e ao chegar o visitante aguarda em um salão que é uma verdadeira hipérbole esotérica ou uma fuzarca de crenças. Mal dá pra contar o número de estátuas. Há desde representações de Nossa Senhora Aparecida, Santa Rita de Cássia, Xangô até o Buda. Todas estão cercadas de oferendas, como garrafas de espumante Chandon ou gin Beefeater e Bombay Saphire. O destaque vai para o conjunto de quatro mulheres em trajes que lembram vestes ciganas. “Em alguns lugares eles as chamam de pombagiras, mas para nós são rainhas”, explica Marcelo Pinheiro, filho do Mago e administrador da casa. “É uma coisa que o pai traz do Maranhão, de cultuar com o que tem de melhor, com o que tem de mais belo ou de melhor qualidade que ele pode ofertar porque o raciocínio é esse: ofereça a melhor semente para obter a melhor colheita”. São elas: Dona Maria Mulambo, Dona Rainha de Sete Encruzilhadas, Dona Maria Padilha do Cabaré e Maria Padilha das Almas. Tem também um imenso Zé Pelintra. 

Todo esse sincretismo, associado ao sucesso do centro de umbanda em um ponto da cidade onde durante anos nenhum empreendimento dava certo, deu ao mago a fama de ter um pacto com o capeta. “Meu pai é um homem de Nossa Senhora, que exerce sua mediunidade através de São Tiago de Nazaré, que muitas pessoas identificam como Tranca Rua das Almas”, diz Marcelo.

“Você perguntou com qual religião eu me identifico. Bem, eu sou mago, eu sou Baltazar: o pretinho dos Três Reis Magos”, garante sorrindo o mago Ubirajara – ou Baltazar, a decisão fica a gosto do leitor – vestido em batas longas de época até os pés, em uma sala separada onde se destaca uma mesa coberta de símbolos, estátuas, bolas de cristal e na qual só se entra sem sapatos, em sinal de respeito. “Não sou médium, nem pai de santo, sou vidente. Sou um homem da magia, faço a alquimia do amor”, diz ele. Filho de mãe católica e pai ateu, Ubirajara é o quarto de 12 irmãos. Teve uma infância difícil e precisou trabalhar para ajudar nas contas da casa. Sua vida começou a mudar quando trocou o Maranhão pela Guanabara.

No Rio, Ubirajara foi garçom, dançarino e até cantor em boates então famosas na Zona Sul, como Bataklan, Carinhoso e Assirius – onde ele garante ter se apresentado ao lado de Maysa. Também foi calouro do Chacrinha e um dos leopardos da Rogéria. Casou nove vezes e diz ter tido namoradas famosas como as atrizes Sandra Bréa e Elke Maravilha. “Não sei te dizer como despertou minha mediunidade. Quando vi, já estava aqui”, diz ele. Suas primeiras “clientes” foram as professoras do primário que teriam ficado impressionadas com sua capacidade de vidência, que ele praticou a vida inteira.

Ganhou o casarão por gratidão, depois de aliviar os sintomas de síndrome de Down da filha do antigo dono. “De vez em quando eu também me comunico com pessoas que foram embora. Principalmente com pessoas que não estão aceitando que partiram. Eu faço muita corrente aqui, muita oração, mostro caminhos”, explica ele. Sobre a fé no Tinhoso, o mago afirma que Lúcifer teria encarnado em São Tiago Menor, o irmão de Jesus. “Inventaram essa história de capeta para jogar na conta dele tudo que não presta. Ele não faz o mal. O mal está no homem, que é mesquinho. Uma vez fiz um comentário numa entrevista para uma revista que virou manchete: Demo é Amor”, recorda, rindo.

“Ele é maravilhoso. Uma vez salvou o bebê de uma amiga que estava no Copa D”Or desenganado. Ele mandou trazer o bebê e viu que o esposo dela, um general já falecido, estava obsediando a criança porque depois que morreu descobriu que o filho não era dele, era na verdade do amante dele”, afirma a publicitária Carla Carvalho enquanto aguardava sua consulta: “Ele arranca coisas de você que você chora. E quando ele recebe o Tranca Rua é algo maravilhoso. Mas ele é rígido, se desobedecer, e seguir outro caminho, o problema é seu. Eu tenho seguido os conselhos dele há 20 anos e está tudo dando certinho”.

Naturalmente nem tudo são flores nem na Casa do Mago. O imóvel já sofreu meia dúzia de atentados. Um deles por quatro dias seguidos. São pedras, coquetéis molotov e até tiros, disparados geralmente à noite quando a casa parece uma árvore de Natal devido ao uso excessivo de luzes led em todas as cores. “Com o crescimento do movimento neopentecostal, aumentou muito a agressividade contra os terreiros de umbanda. Isso aqui só está aberto porque está neste endereço. Se estivéssemos na Zona Norte, com essas imagens expostas, certamente já teríamos sido incendiados”, garante ele.

A antiga fama de caveira de burro do local foi revertida pelo mago graças a uma intervenção mediúnica. “Aqui foi restaurante, clínica de aborto, nada dava certo. Até que eu soube que o problema era causado por uma mulher que certa vez se encheu de droga e depois se jogou lá do terceiro andar da casa, morrendo em seguida. As pessoas a ouviam gritando à noite: saiam daqui, a casa é minha”, lembra ele. Uma noite, o Mago (diz) foi ao último andar com um copo d’água e uma vela nas mãos e, após um papo cabeça com o espírito da falecida, entrou em acordo para que ambos compartilhassem o pedaço. Para quem gosta e acredita numa boa história sem pé nem cabeça, esse é o lugar certo.