“PLANETOTECA” CARIOCA

A Biblioteca Nacional é o epicentro do projeto

Luisa Prochnik

Eliminar barreiras, compartilhar conhecimento, incentivar a diversificação de autores e leitores e promover acesso à informação de qualidade. Estas são funções e missões resumidas no título da matéria ‘PLANETOTECA`, termo usado em entrevista a um podcast pelo presidente da Fundação Biblioteca Nacional. O mundo vive o desafio de se tornar um lugar melhor e a Biblioteca Nacional, em parceria com bibliotecas do planeta todo, tem como meta contribuir efetivamente para que esse cenário seja alcançado.

A palavra de ordem é democratizar, dialogar com o mundo, universalizar conhecimento, traduzindo o livro brasileiro para ser lido em outros países

Dona de uma fachada impactante, de arquitetura eclética, um assombro de beleza em frente à Avenida Rio Branco, centro da capital, Rio de Janeiro. Com mais de 200 anos de história, é a mais antiga instituição cultural brasileira, casa de tesouros e raridades. Mas não se engane. Se o passado, muito bem preservado, está presente em cada detalhe dentro e fora da construção, o presente e o futuro circulam pelas mesmas escadarias de mármore, sob amplas claraboias em vitral colorido, entre quadros e esculturas, ambos trazendo consigo o sentido de urgência e outros desafios da contemporaneidade. Com a missão de captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do país, as regras parecem claras, mas os tempos são outros, e exigem reflexão, muito diálogo e ações contundentes, principalmente para a conjugação mais profunda possível do verbo ‘democratizar’. 

Democratizar para transformar o mundo em um lugar melhor. O papel das bibliotecas no plano global da ONU, a Agenda 2030, do qual o Brasil é um dos países signatários, tem como meta principal erradicar a pobreza e promover uma vida digna para todos a partir do cumprimento de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos.  Enquanto fontes de informação, cultura e conhecimento, as bibliotecas são peça-chave para apoiar a realização de cada um dos ODS, especialmente quando falamos em educação de qualidade, igualdade de gênero e redução de desigualdades.

Democratizar também é incentivar que a Biblioteca Nacional funcione como uma biblioteca pública, com 5 mil visitantes mesmo nas férias escolares e 100 milhões de acessos por ano ao sitE

– Em junho de 2024, houve um seminário “Um Rio Chamado Atlântico – O Brasil na África, a África no Brasil”. E, aí, a coordenação de preservação preparou um curso online, de videoaulas – explica a atual coordenadora de Preservação da Biblioteca Nacional, Rebeca Rodrigues, responsável pelo projeto, iniciado por Jayme Spinelli, que coordenou o setor antes dela. Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) enviaram dúvidas e demandas para a Biblioteca Nacional, responsáveis por guiar construção do material. 

– A gente fez o vídeo de todas essas aulas separadas em tópicos e lançou nesse seminário, apenas para os PALOP. Agora, no curso, a gente disponibilizou esse link para toda a comunidade. Então, são aulas técnicas, apresentando os nossos laboratórios, e está aberto para todo mundo. (…). A Biblioteca Nacional, neste contexto, está dentro dos ODS, capacitando e se preocupando. Porque, culturalmente, a gente dando acesso a esse acervo, se a gente pensar até pela erradicação da pobreza, que é a primeira das metas, a gente está atuando. Porque a gente está promovendo a educação, dando acesso a um acervo riquíssimo – completa Rebeca, em entrevista à Rio Já, dentro do laboratório de Conservação.

O acervo da Biblioteca Nacional, estimado em 10 milhões de itens, cresce todos os dias. Calcula-se que, por mês, 2 mil novas obras, entre livros e periódicos, são adicionadas às prateleiras, cumprindo a lei do Depósito Legal, que exige duas edições de cada publicação destinadas à Biblioteca Nacional. Jornais diariamente embalados à vácuo e digitalizados também se somam às prateleiras todos os dias. 

Democratizar é dialogar com o mundo, universalizar conhecimento. Ao traduzir o livro brasileiro para ser lido em outros países – este ano, foi lançado edital do Programa de Apoio à Tradução, disponibilizando R$ 1 milhão – até nos acordos firmados com outras instituições, como no caso dos PALOPS, e com outros países, como Cuba, e com o Vaticano. 

 Democratizar é, também, ser um espelho. Espelho em que todos os brasileiros possam se olhar e se reconhecer.

– Uma Biblioteca que olha para a comunidade, que dialoga. (…). Nós precisamos fazer com que essa Biblioteca Nacional se torne, é a tarefa da nossa geração, outras gerações tiveram outras tarefas e a próxima terá distintas, mas a nossa, hoje, é de dar esse rosto brasileiro e universal à nossa Biblioteca – pontua o presidente da Fundação da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, durante sua participação no ‘Podcast do MinC’ (Ministério da Cultura), em julho deste ano.

Desde 1994, o Prêmio Literário da Biblioteca Nacional é concedido anualmente a obras escritas em português e por editoras nacionais. Em 2023, já sob gestão de Lucchesi, foi criada uma categoria: o ‘Prêmio Akuli’, que objetiva a fixação de cantos ancestrais e narrativas da oralidade, recolhidas no Brasil, entre povos originários, ribeirinhos e de matrizes culturais.

 O que eu percebi visitando várias terras quilombolas e várias cosmologias, assim, digamos, nossos povos originários de norte a sul do país, que as novas gerações estavam buscando a língua perdida ou as canções que já não sabiam entoar – completa o presidente.

Democratizar é incentivar conteúdos de diversos autores, raças, credos, raízes. Democratizar também é incentivar que a Biblioteca Nacional funcione como uma biblioteca pública, apesar de não ter sido desenhada para isso em sua origem. Visitas orientadas, com restrições e enorme adesão, têm sido muito atrativas. No verão, período de férias escolares, chegam a ter de 3 a 5 mil visitantes por dia.

Digitalmente, as visitas apresentam números impressionantes também. O site da BNDigital, capitaneado pela Hemeroteca, tem, em média, 100 milhões de acessos por ano, e quer alcançar 150 milhões.

O mundo todo 

em detalhes

A Biblioteca Nacional é um espaço de superlativos, números grandiosos. Mas a é também um espaço de diminutivos, conjunto de pequenas ações, mas que fazem toda a diferença. Nas bancadas da coordenadoria de Preservação, seja na seção de Conservação e na de Restauração, a coordenadora Rebeca Rodrigues destaca os pequenos detalhes que movem mãos ágeis diante de livros, mapas, discos, jornais e outras publicações que precisam de algum tipo de cuidado. Cuidado preventivo com encadernações finalizadas elegantemente, ganhando tipos dourados, unidos um a um, em uma mistura de artesanal com tecnologia. Cuidado Restaurativo com pinças eficientes, que montam quebra-cabeça de palavras desenhadas em um português antigo, juntando pedacinho com pedacinho de papel. No fim, como o próprio presidente da Fundação da BN disse: “A memória é a única possibilidade de construir futuro”. Seja no aumentativo como, também, no diminutivo.