Menos aclamadas do que merecem, dez personalidades que marcaram a festa com pioneirismo, criatividade e dedicação
1. Antonio Caetano
Integrantes do triunvirato de jovens que fundou o Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz, primeiro nome da Portela, em 1923. Antônio Caetano era desenhista da Marinha. Seu talento casou à perfeição com a liderança de Paulo da Portela e a disciplina de Antônio Rufino, outros bambas essenciais. Morador de Quintino, Caetano se aproximou de Madureira por influência de Diva, jovem do bairro da Portela, pela qual se apaixonou.
Lá encontrou outro amor: a Portela. Caetano é a mente do símbolo mais famoso do Carnaval. Ele escolheu a águia para guiar a escola, por ser a ave que voa mais alto. Também concebeu a bandeira e o símbolo da maior campeã do Carnaval. Inspirado no sol nascente do Japão Imperial, criou o pavilhão com raios copiado pela maioria das agremiações que vieram depois. As cores foram escolhidas em homenagem ao manto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola.
De criatividade inesgotável, criou a primeira alegoria de que se tem notícia na história da festa. Aos 35 anos, o desenhista desenvolveu um rústico globo terrestre para o enredo de sua autoria: “O samba dominando o mundo” – quase uma profecia do que se tornaria o maior espetáculo do planeta.
2. Nelson de Andrade
Ao criar, para o Salgueiro, o lema “nem melhor, nem pior, apenas uma escola diferente”, Nelson de Andrade garantiu lugar no panteão dos grandes nomes do Carnaval. Mas teve mais: ele foi o único a presidir duas grandes escolas – além da vermelho e branco da Tijuca, dirigiu a Portela. Empresário do ramo de peixes, tijucano, ele mergulhou no samba durante momento financeiro difícil do Salgueiro, logo após a fundação, na década de 1950.
Em 1956, Nelson de Andrade chegou à presidência e mudou a história do Carnaval. Em 1960, liderou a escola no primeiro título, com a estreia de Fernando Pamplona e seu “Quilombo dos Palmares”. Até então, os campeonatos ficavam entre Mangueira, Portela e Império Serrano.
Pouco depois, o empresário ocupou a presidência da Portela. Não se sabe ao certo o que o direcionou à Madureira em 1962, mas há três hipóteses: um convite do bicheiro Natal, um desentendimento no Salgueiro ou a paixão por uma cabrocha da Portela. De qualquer jeito, Nelson levou a fórmula do sucesso para Oswaldo Cruz e Madureira. Nos cinco anos em que foi presidente, a escola conquistou três campeonatos.
3. Dona Eulália da Beija-Flor
Entrou pela tarde do Natal de 1948 a discussão sobre o nome do bloco idealizado por seis homens, reunidos em um quintal na esquina das atuais Avenida Getúlio Vargas e Estrada Mirandela, no centro de Nilópolis. Negão da Cuíca (Milton de Oliveira), Edinho do Ferro Velho (Edson Vieira Rodrigues), Helles Ferreira da Silva, Walter da Silva, Hamilton Floriano e José Fernandes da Silva não se decidiam como se chamaria o substituto aos extintos blocos Irineu Perna-de-Pau e Teixeiras.
Até Flor do Abacate entrou na roda. Lá pelas tantas, a proprietária do lugar, Dona Eulália, mãe de Milton, resolveu dar uma contribuição: falou da lembrança de um rancho de Valença, cidade do sul fluminense, chamado Beija-Flor. Quase ao mesmo tempo, um beija-flor voou pelo quintal, parou numa árvore e seguiu viagem.
Surgia ali a Associação Carnavalesca Beija-Flor de Nilópolis, com dona Eulália incluída entre os fundadores (a única mulher). A agremiação foi tricampeã entre os blocos de Nilópolis e depois como escola de samba. Incomodou seu principal rival, o Bloco do Centenário, que tinha o jovem Anísio Abrahão David como integrante. Depois de lutar em vão contra os rivais, ele acabou aderindo ao Beija-Flor – e o resto é história.
4. Mocinha
Mocinha foi, antes de tudo, uma apaixonada pela Mangueira; em nome desse amor, aceitou ser segunda porta-bandeira por 29 anos. O papel de coadjuvante na verde e rosa nunca foi por falta de interesse de outras agremiações. Mas a artista sequer se permitia ouvir eventuais propostas, tamanha sua devoção.
A lealdade foi fruto de uma paixão mais antiga do que a própria escola quase centenária. Com pouco mais de um ano, Rivailda do Nascimento Souza, nos braços da mãe, saiu no Bloco dos Arengueiros, embrião da Mangueira, que nasceria no ano seguinte, em 1928. O apelido também foi consequência do amor. Para se adequar à postura necessária ao ofício, mantinha a elegância, os bons modos e as roupas bem arrumadas, tal como uma “mocinha”.
Entre as décadas de 1940 e 1970, a primeira porta-bandeira foi a lendária Neide. Mocinha a substituiu quando a titular decidiu não desfilar, em 1966, por divergências com a diretoria. No ano seguinte, a fiel porta-bandeira retornou ao posto de segunda e ali ficou até 1980, quando Neide morreu, vítima de um câncer precoce. “Fazia o melhor não para ser a primeira, mas pela Mangueira. Não importa a posição quando se tem a escola em primeiro lugar”, declarou em entrevista à “Última Hora” em 1981. Quis o destino que tamanha fidelidade fosse premiada com o Supercampeonato, em 1984. Por sua trajetória, Mocinha está no panteão dos gigantes do Carnaval.
5. Didi
Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves foi um dos maiores compositores de samba-enredo de todos os tempos – mas por esse nome, o de batismo, pouca gente conhece. Formado em Direito por pressão da mãe, Didi viveu o conflito se seguir a carreira no samba ou na área jurídica, na qual chegou a ser Procurador da República. Seu amor pelo Carnaval nunca foi um problema na família. O que gerou grandes conflitos, na verdade, foi o alcoolismo.
O compositor nasceu, em 1935, em uma família abastada que morava num casarão na Tijuca. A situação mudou, cerca de dois anos depois, quando precisaram ir morar de favor em um porão na Ilha do Governador após a morte do pai do artista. Boêmio e namorador, estreou na União da Ilha ganhando sua primeira disputa de samba em 1955. Não parou mais.
Até o ano de sua morte, era o maior vencedor na agremiação, com 16 vitórias, entre eles o clássico “É hoje o dia/ Da alegria/ E a tristeza/ Nem pode pensar em chegar”.
Também escreveu para o Salgueiro, sua escola de coração, onde participou de quatro disputas entre 1966 e 1969. Ganhou duas vezes e foi vice-campeão nas outras. “Não consigo fazer samba sem me brutalizar”, confessou, durante uma bebedeira, ao sobrinho Alberto Mussa, escritor e jurado do Estandarte de Ouro.
Por conta do alcoolismo, Didi largou o trabalho de advogado em uma empresa de incorporação de terrenos dos primeiros grandes condomínios da Barra da Tijuca no anos 1970. Passou a viver (ou tentar) de Carnaval. Terminou a vida morando de favor, aos 53 anos, após vender todos os bens adquiridos com a advocacia para pagar as disputas de samba.
6. Oswaldo Jardim
Conhecido como “Rei da Espuma”, o carnavalesco Oswaldo Jardim teve carreira curta, porém marcante. O trabalho estético do artista, entre o final da década de 1980 e o início dos anos 2000, foi marcado pela originalidade, riqueza e criatividade, com carinho especial para formas da natureza, como animais e plantas. Ele se destacou na Sapucaí pela utilização de materiais não-nobres, como a espuma, na criação de alegorias grandiosas e adereços impecáveis.
Apesar de entregar desfiles muito elogiados, Oswaldo Jardim não foi campeão, nos oito carnavais de que participou. Mas é dele o enredo “Gbalá – Viagem ao Templo da Criação”, que a Vila Isabel reapresentará este ano. Em 1993, o desfile foi considerado revolucionário pela abertura com uma “alegoria viva”, precursora das criações de Paulo Barros.
Ele também fez história no Grupo de Acesso em 1999, ao criar, para a Unidos da Tijuca, “O dono da Terra” na escola do Borel, aclamado pela como melhor desfile do ano, acima até do Grupo Especial. Jardim morreu precocemente aos 43 anos, em 2003, por complicações da hepatite C.
7. Machine
O passista José Carlos Caetano se apresentava, em uma das turnês da Beija-Flor na Europa, em 1983, e um empresário francês não parava de apontar para seus pés e dizer: “la machine, la machine du samba”. O jovem não entendeu de primeira, mas, quando Joãosinho Trinta traduziu o comentário do gringo, ele gostou tanto que adotou o apelido: Machine, a máquina do samba.
Os anos passaram e ele se reinventou – hoje é o síndico da Sapucaí. Machine havia sido contratado como faxineiro do Sambódromo, em meados da década de 1980, mas foi demitido pouco depois. Mais tarde, a Liga Independente das Escolas de Samba precisava de alguém para coordenar o trabalho na Avenida e o convidou. Em contrapartida, ele pediu uma sala para dormir. Desde então, “mora” de novembro a maio na Passarela, administrando os bastidores e a estrutura do Carnaval.
O guardião dos portões da avenida começou no samba aos oito anos. O pontapé inicial foi dado em um concurso de passista mirim na Beija-Flor. Antes de completar os atuais 40 anos como síndico, Machine foi tricampeão com a Deusa Nilopolitana, entre 1976 e 1978.
8. Rita Freitas
A raridade de Rita de Freitas não estava apenas na aparência. Uma das primeiras porta-bandeiras brancas, Rita revolucionou o quesito em 1982, quando adicionou movimentos de braço à dança, criando novas possibilidades ao soltar a mão esquerda tradicionalmente colada à cintura. Nunca houvera, desde a origem do casal, mudança tão significativa.
O cenário da transformação realizada pela bailarina e professora de balé e jazz, foi a quadra do Salgueiro durante a escolha de uma nova dupla para escoltar o pavilhão. A apresentação rendeu à desconhecida e a seu mestre-sala Amauri Tubarão (também iniciante) uma inédita nota 11 na disputa. Outra inovação da porta-bandeira foi a rotina de treinos do casal, hábito comum atualmente.
Nascida em Botafogo, Rita passava mais tempo no morro do que no bairro de classe média. A frequência era desaprovada tanto pelo pai, representante de laboratórios, quanto pela mãe, funcionária da Polícia Federal. A desobediência lhe rendeu cinco Estandartes de Ouro – três no Salgueiro amado e dois no Império Serrano.
9. Claudio Russo
Um dos reis da composição de sambas-enredo da atualidade, Claudio Russo completa 35 anos de Carnaval em 2024. Entre assinados e não assinados, ele revela emplacou quase 200 canções em agremiações de todas as divisões cariocas, além de carnavais de outros estados, como Rio Grande do Sul e Brasília, e até de fora do país, como Uruguai e Argentina. Apenas este ano, está entre os autores dos hinos de Mocidade, Unidos da Tijuca, Grande Rio, Paraíso do Tuiuti, Viradouro, Estácio de Sá, Unidos de Padre Miguel, Sereno de Campo Grande e Inocentes de Belford Roxo.
Ele começou a compor aos 17 anos na União de Marangá levado pelo pai, ex-dirigente da escola. Quando chegou à Portela, quase foi rejeitado por ter “cara de roqueiro da esquina”. De lá para cá, suas obras levaram algumas escolas do acesso ao Grupo Especial, garantiram a melhor colocação da história de outras e o título para mais algumas. Até agora, Russo acumula nove Estandartes de Ouro.
Formado em História e pós-graduado em História da África, o compositor se divide entre o Carnaval e a rotina de militar. O segredo para tantas vitórias ele revela sem medo: ler muito e se manter atualizado. Além da colaboração do carnavalesco: “Um bom enredo dificilmente não vai dar bom samba”.
10. Pitty de Menezes
Pitty de Menezes, pseudônimo de Luiz Fellype de Menezes Alves, é o terceiro intérprete da história do Carnaval carioca a estrear no Grupo Especial ganhando o título. Os outros são a lenda Neguinho da Beija-Flor (1976) e Paulinho Mocidade (1990). A conquista não poderia ser mais adequada ao dono do bordão O sonho virou realidade”.
Foi apenas um dos muitos sonhos realizados por Pitty, apelido dado pela irmã, que não sabia dizer o nome dele quando criança. Levado pelo tio, frequentou a Viradouro desde os seis anos, mas não via futuro no samba. “Não pensava em seguir carreira. Achava que era algo muito distante, um sonho”, recorda. Em 2007, se tornou cantor da escola mirim da vermelho e branco de Niterói. Durante a primeira gravação, foi pego de surpresa ao pedirem para começar pelo grito de guerra. Sem ter planejado nada, deixou a emoção fluir e criou seu lema de vida. Está dando certo.