PARQUE LAGE: TAJ MAHAL À CARIOCA 

Governo do estado libera R$ 25 milhões para restauração do palacete do Parque Lage

Jan Theophilo 

Levou quase intermináveis 100 anos, é verdade. Mas por várias razões, é motivo,  sim, de grande comemoração o anúncio feito pelo governo do Rio da liberação de R$ 25 milhões para a recuperação do palacete do Parque Lage, no Jardim Botânico. Trata-se, simplesmente, de um dos locais mais agradáveis, bonitos, instagramáveis e cheio de histórias sensacionais, poucas delas conhecidas, na Cidade Maravilhosa. Endereço da importantíssima Escola de Artes Visuais, ele ganhará melhorias em aspectos como a acessibilidade, iluminação e medidas de prevenção a incêndios. As obras estão programadas para durar 450 dias, e serão realizadas pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Obras Públicas.  

Tombado em 1957, antes que os herdeiros conseguissem fazer dele um loteamento, o Parque Lage tem 1.800 metros quadrados e foi visitado por mais de 1,1 milhão de pessoas em 2024. Possui, entre outras atrações, um aquário em argamassa, que imita pedras e troncos de árvores; pontes, bancos, quiosques e grutas que estão entre os lugares mais legais para levar crianças nessa cidade. Tem até uma trilha que vai até o Corcovado. “Eu quero é ver aulas de natação na piscina quando isso tudo acabar”, provoca bem-humorado, o advogado e frequentador Antônio de Freitas, fazendo referência à breve liberação do mergulho – que bombou nas mídias tradicionais e redes sociais – no primeiro dia do início do ano letivo de 2023 da Escola de Artes Visuais (EAV), que desde 1966 ocupa o palacete e conta hoje com mais de 700 alunos nas mais diferentes disciplinas artísticas. 

“Esse investimento foi obtido graças ao alinhamento de instituições como o governo do estado e o ICM-Bio, devotadas ao patrimônio cultural que é o Parque Lage. Mas é uma devoção que transcende esse patrimônio físico, que já é altamente relevante, mas também chega de forma afetiva à nossa Escola de Artes Visuais, que é sem dúvida a escola de artes mais importante do nosso país”, diz a secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa, Danielle Barros. Mas o que torna o Parque Lage tão especial não é apenas ser um colírio aos olhos, ou um alívio aos pulmões cansados. Sua história é um arranjo de encantadoras tramas românticas que espelham a crônica da própria cidade.  

Nos tempos do Brasil Colônia, o Parque Lage era um grande engenho de cana-de açúcar tocado por escravizados. Sua história começou a mudar de maneira um tanto quanto pitoresca em 1802, quando desembarcou na Guanabara um jovem e sedutor oficial de cavalaria português, de apenas 18 anos, chamado Rodrigo de Freitas Melo e Castro. “Ele logo conseguiu casar com uma rica e tradicional solteirona: Petronilha Fagundes, que tinha 35 anos, quando, na lógica daqueles tempos, uma mulher de respeito se bobear casava aos 12, ou até com menos idade. Em compensação, ele levou como dote um latifúndio que englobava os atuais bairros de Copacabana, Ipanema, Leblon, Humaitá, Jardim Botânico e Gávea”, conta o pesquisador Gilson Nunes. Rodrigo decidiu transformar em sede de sua propriedade o grandioso engenho que ficava em frente à lagoa que hoje leva seu nome. 

Em 1840, o paisagista inglês John Tyndale foi contratado para projetar os jardins, em estilo romântico europeu. Mas a sagacidade que Rodrigo tinha como galanteador, não se refletiu nos negócios. Quando Petronilha morreu, falido e viúvo, passou o que ainda tinha nos cobres e voltou para Portugal. A fazenda foi comprada por meros oito mil réis pelo comendador Antônio Martins Lage, “então um dos homens mais ricos do Rio, que havia herdado além das atividades portuárias do pai, as de armação e navegação do sogro. A partir de então a propriedade passou a ser conhecida como a Chácara dos Lage”, conta o historiador Thiago Mantuano.  

Mas foi o neto do comendador, Henrique Lage, um dos maiores industriais da história do Brasil, e um amante das artes, quem finalmente construiu o palacete que hoje conhecemos. E em uma história que é um verdadeiro Taj Mahal carioca! Homem fino, bonitão e dono de considerável fortuna, Henrique era logicamente assediado por praticamente todas as moças casadoiras da alta sociedade. Porém se apaixonou perdidamente pela cantora lírica italiana Gabriella Besanzoni. Em 1920, ele contratou o arquiteto italiano Mario Vodret (o mesmo do icônico Edifício Seabra, na praia do Flamengo, conhecido como “Dakota carioca”), para construir um palacete que pretendia batizar como “Villa Gabriella”, nome que, como se sabe, nunca pegou. Por outro lado, a paquera funcionou. Em 1925 Henrique e Gabriella se casaram. 

“Na verdade, todo o palácio é uma cópia perfeita de um palacete romano que o pai do Henrique teve na Itália. Os jardins foram concebidos geometricamente e o entorno compreende 52 hectares de floresta exuberante, repleta de exemplares de Mata Atlântica”, conta o historiador Sérgio Pereira. Foram utilizados na construção muitos materiais importados da Itália. “Para agradar a antenada Gabriella, o palacete seguiu a tendência do ecletismo, um estilo arquitetônico que mistura elementos de diferentes períodos e estilos artísticos, e era o que bombava naqueles tempos”, diz Sérgio. Árvores frutíferas de todas as espécies formavam um bosque onde brincavam soltas crianças de amigos e parentes como o pioneiro do surfe brasileiro e galã do Cinema Novo Arduino Colasanti, e sua irmã, a escritora Marina, que registrou o estilo de vida meio “Downtown Abbey” em suas obras. 

“A chácara cochilava quieta nas primeiras horas da tarde. Começava a se espreguiçar lá pelas quarto e, dali em diante, era pura animação. Os homens da família chegavam do trabalho por volta das cinco da tarde, com seus ternos brancos de panamá, as gravatas de cor pastel afrouxadas nos colarinhos, e um ar de cansaço acalorado que logo desaparecia. Os amigos também iam chegando. E as visitas. Os porteirinhos corriam a cada toque de campainha, o garçom começava a circular com a bandeja cheia de xicarazinhas ou de copos”, descreve Marina: “a música estava sempre presente e Gabriella, rainha absoluta de seu castelo, cantava. Muitas vezes, canções de Caymmi que ela adorava. Havia sempre um jantar.”  

E isso era um dia comum. Gabriella gostava de oferecer jantares e saraus magníficos, frequentados pela elite da elite da época, onde se apresentava coberta de impressionantes joias. Os dois viveram uma vida de sonhos e muito glamour, mas não tiveram filhos. Henrique morreu em 1941 e o governo brasileiro ainda pregou uma peça em Gabriella, confiscando parte de sua herança alegando que ele não poderia ficar com uma parcela razoável dos bens do marido por ser estrangeira. Ela acabou voltando para a Itália, onde se dedicou a dar aulas de canto até morrer em 1962. Mas essa história de amor ao menos deixou de herança para toda uma cidade, um de seus lugares mais apaixonantes. 

O ORIGINAL FOI TRABALHO DE 20 MIL HOMENS  

Foi uma linda história de amor. Que até hoje eu já ouvi contar. Do amor do príncipe Shah Jahan pela princesa Ilyiu-Mahal….sim, todo mundo conhece o clássico de Jorge Benjor descaradamente plagiado por Rod Stewart. Mas você conhece a verdadeira história do Taj Mahal? 

Em meados do século XVII, o imperador mongol Shan Jahan ordenou sua construção para honrar a memória de sua terceira esposa: Aryumand Banu Begam, uma princesa persa, sua favorita a quem ele chamava de Mumtaz Mahal”, que significa “a joia do palácio”. Eles se casaram em 1612 e ficaram juntos por 19 anos. Ela morreu ao dar à luz ao 14º filho do casal. 

A morte da princesa abalou tanto o imperador que ele decidiu homenageá-la construindo um enorme túmulo para ela na cidade indiana de Agra, que era então a capital do Império Mongol. Assim, esse luxuoso mausoléu é visto por muitos como uma das maiores provas de amor do mundo. 

O Taj Mahal levou cerca de 20 anos para ser erguido. A construção iniciou em 1631 e foi concluída em 1648. O monumento, feito em mármore branco e pedras preciosas (jade, ametista, turquesa, lápis-lazúli, cristal, ouro), contou com a força de trabalho de mais de 20 mil homens.  

Shah Jahan morreu em 1666. Ele foi sepultado dentro do mausoléu, ao lado de sua esposa. Mas sua ideia era construir outro majestoso jazigo de mármore, só que preto, na frente do Taj Mahal, para que ele e sua esposa pudessem “se olhar” por toda a eternidade. Fofo. 

COMO VAI VOCÊ, GERAÇÃO 80?  

Quatro décadas atrás, exposição no Parque Lage reuniu 123 artistas e se tornou um marco na história das artes plásticas brasileiras 

Entre os dias 14 de julho e 13 de agosto de 1984, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage promoveu uma exposição que se tornou histórica, sob a curadoria de Marcos Lontra, que atraiu milhares de pessoas e gerou muito mais inquietações do que respostas, não só balizando a arte brasileira pelos 40 anos seguintes, mas garantindo seu lugar entre as principais exposições nacionais do século XX. 

Foram 123 artistas participantes. A maioria deles do Rio e de São Paulo (boa parte alunos da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP).  Entre os participantes estavam nomes que iriam se consolidar no mercado nos anos seguintes.  Entre os artistas que participaram da exposição estão Daniel Senise, Beatriz Milhazes, Luiz Pizarro, Karin Lambrecht, Alex Vallauri, Leonilson, Luiz Zerbini, Leda Catunda, Sérgio Romagnolo e Suzana Queiroga. 

“Havia um otimismo no ar, com o fim da ditadura militar, e o Rio respondia a isso. Tinha o Asdrúbal (Trouxe o Trombone), o Circo Voador, e, apesar de ter artistas de São Paulo e outros estados, a “Como vai você” foi também uma resposta carioca ao momento”, contextualiza o curador Marcus Lontra: “Foi um meio de apresentar aquela produção, feita de forma muito romântica. Chamamos os artistas para ocupar a escola, não havia uma organização mega, ninguém pensou em contratar fotógrafo. Inauguramos no sábado, e no domingo o Paulo (Roberto Leal) me ligou de manhã dizendo que tinha uma multidão na porta e precisávamos abrir. Ninguém esperava isso”. Após o sucesso original, Lontra voltou à produção do período 20 anos depois, com “Onde está você, Geração 80?” (2004), no CCBB do Rio.