PARATY ETERNA: UM DOS DESTINOS MAIS PROCURADOS DO BRASIL

A cidade histórica tem rico calendário de eventos

Jan Theophilo

Viajantes descolados sabem que existem raras cidades especiais no mundo. São aquelas que, mesmo fora do chamado circuito Elizabeth Arden (Roma, Paris, Londres ou Washington), transmitem ao turista uma energia diferente, como em Assis, na Itália, ou Cuzco, no Peru. Uma mística natural que todo mundo entende, mas poucos conseguem explicar. A três horas e meia de estrada das águas da Guanabara, o Brasil pode se orgulhar de ter uma delas: sim, essa mesmo — Paraty. Uma cidade sem praias, com ruas que enchem de água toda tarde quando a maré sobe, mas com uma cena cultural vibrante, pousadas aconchegantes, bares para boêmio nenhum botar defeito e restaurantes sensacionais. O mais bacana é que este antigo reduto isolado de ripongas, fundado em 1579 — mas só “redescoberto” pelo mundo do turismo após o asfaltamento da Rodovia Rio-Santos em 1971— vem se transformando e melhorando a cada dia, sabendo manter as características que o tornam tão verdadeiramente especial.

Para começo de conversa, Paraty só é Paraty por ter ficado muito tempo praticamente isolada do mundo. Até o tal asfaltamento da BR-101, o acesso era dificílimo, com estradas barrentas e repletas de curvas perigosas. “Vim por recomendação de uma arquiteta, mãe de uma amiga. Ela me convenceu dizendo que, ao contrário do que a gente vê em algumas cidades históricas do Caribe, aqui o colorido das casas está mais preservado”, contou a estudante de sociologia costa-riquenha Sofia Ruiz: “Nos países caribenhos você encontra várias cidades relativamente preservadas como aqui, mas em cada bar ou lojinha, as paredes estão cobertas de anúncios em neon de refrigerantes, cigarros ou marcas de cerveja”, contou.

Ivanildo Queiroz: “Quando vem americano é bom, porque compram”

“Foi a pintura que me trouxe para cá”, conta o artista goiano Ivanildo Queiroz, que se dedica a pintar quadros hiper-realistas da cidade. “Paraty é tão linda que em 25 anos morando aqui não descobri ainda qual o lugar mais bonito para pintar”, diz. Outro cidadão de fora, o violinista e pintor pernambucano Joabe Moura, chegou na cidade em 2015 e não saiu mais. Ele passa os dias tocando seu instrumento na porta de sua lojinha de artes plásticas e artigos caiçaras buscando seduzir turistas. “Quando vem americano é bom, porque compram. Eles dizem que veem muito, no meu trabalho, referências do Pollock, do Basquiat, essa coisa da arte abstrata. Eles e os alemães compram sempre os quadros mais caros. Sempre de arte abstrata. Já vendi uma tela por R$ 5 mil”, gaba-se Joabe. 

Paraty, como se vê, é acolhedora e atrai gente de todo canto. Em março passado, a ucraniana Ulianna Kradzilia vendeu tudo o que tinha e mudou-se para a cidade com o marido Ivan e a filha recém-nascida Anna. “Quando a guerra começou, eu já estava grávida. Foi o período mais difícil da minha vida. Estava muito assustada. Decidimos então vir para o Brasil porque é distante e achamos que Putin jamais irá alcançá-lo”, conta ela. Durante semanas ela e Ivan pesquisaram na internet por cidades idílicas brasileiras. Até acharem Paraty e bater amor à primeira vista. “Aqui é o lugar perfeito para uma criança crescer”, diz Ulianna. O casal está se virando hoje com um pequeno box de produtos naturais. Potes com chips de pera, tomate ou banana variam entre R$ 10 e R$ 15. Uma lata de chocolate com 80% de cacau custa R$ 25. Por enquanto tudo corre relativamente bem para o casal exilado. E a pequena Anna (Ulianna faz questão de mostrar em fotos) é uma linda bebê loirinha, bronzeada e de olhinhos espertos de seis meses.

Por estas e outras, Paraty está bombando. Segundo recente estudo da Stays.net, companhia de aluguéis de espaços por temporada que faz parte do grupo Decolar, houve crescimento na procura de aluguel de residências por temporada no primeiro trimestre de 2024. O levantamento destaca que Paraty (RJ), Caldas Novas (GO) e São Paulo (SP) são os destinos nacionais mais procurados pelos clientes. “Registramos um crescimento de 43% na procura por aluguel de residências por temporada em nossos canais no primeiro trimestre de 2024, em relação ao mesmo período do ano anterior”, diz Ivan Marenco, vice-presidente de Produtos em Destino do grupo Decolar. 

O estudo considerou reservas de casas, chalés, apartamentos, campings e casas-barco entre outros perfis de imóveis. Estadias mais longas, home office e busca por conexão com a natureza são alguns dos motivos que tornam o aluguel de residências cada vez mais buscado pelos viajantes. Na plataforma, há uma infinidade de opções, como a casa que pertenceu ao ator Paulo Autran, cujas diárias saem em torno dos R$ 600, ou a Pousada Tropicália, a mais cara do pedaço, a partir dos R$ 1.500 por dia. Mas como você não vai a Paraty ficar no quarto assistindo séries no streaming, estadias mais em conta ficam por volta dos R$ 200 por dia. O café da manhã não é faustoso como num Four Seasons, mas dá para quebrar o galho. 

Porque se tem mais uma coisa na qual Paraty é imbatível (e em breve apresentaremos outra) é a gastronomia. Para quem conhece a cidade, o Banana da Terra continua sendo considerado o melhor restaurante. Embora hoje muita gente ache a cozinha meia boca e onde um prato individual não sai por menos de três dígitos. Mas esse reinado pode estar balançando. Você hoje pode ir ao Pupu’s Franc Bar, experimentar uma gastronomia fusion meio-japonesa, meio havaiana, feita com peixes locais pescados no dia; ficar no tradicional com as moquecas do La Luna ou do Arpoador; cair no exótico com o Zen Mongolian’s Hall, também de fusion food; ou, se encher o saco de comer tanto peixe com dendê (ou precisar de uma boa e velha confort food para dar uma acalmada na sua idiossincrasia), conhecer o “Lamas” local: Punto del Vino, pizzaria que oferece também pratos italianos de primeira. Sem falar na Charcuteria Casa das Meninas, que é tão legal que vai merecer um box só pra gente contar a história delas nesta reportagem.

Paraty foi a mais importante região produtora de cachaça

O outro quesito insuperável, claro, são as cachaças locais. Acredita-se que, a partir de 1.600, a bebida tenha começado a ser alambicada em terras locais. E, mesmo sem ter sido pioneira na produção da aguardente de cana, Paraty foi a mais importante região produtora daquela que matou o guarda no Brasil Colônia. Houve um tempo em que todos pediam uma dose de paraty quando desejavam uma simples aguardente. A pinga produzida em Paraty ganhou tanta fama pela sua qualidade que custava mais caro que todas as demais comercializadas no país; e sua importância socioeconômica foi tão grande a partir dos anos 1700 que acabou tendo seu próprio nome (Paraty) como sinônimo de aguardente até meados do século XX. E uma viagem à cidade não estará completa se você não visitar ao menos um dos seis alambiques que sobreviveram dos mais de 100 listados em meados de 1700. Todos oferecem degustações de suas inúmeras variedades. E como você vai ler nesta reportagem, difícil é sair de um deles sem uma ou mais garrafas. Astúcia é isso aí.

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