Bruno Agostini
O Rio está pegando fogo, literalmente ardendo em brasas. Não é hipérbole típica de carioca se queixando do verão, como este que vem por aí e promete ser dos mais quentes da história, e sim uma referência à cena gastronômica da cidade. O mercado de churrascarias, braseiros e galetos está aquecido, e muitos dos grandes chefs da cidade também apostam na cozinha ancestral – o carvão e a lenha. Parrilla, a grelha e o estilo de assar dos uruguaios e argentinos, é outro termo em alta.
Por anos, novos restaurantes encontravam imensa dificuldade – pra não dizer impossibilidade – para aprovar junto aos órgãos competentes a instalação de churrasqueiras a brasa em suas cozinhas. O que era uma tradição carioca quase chegou à extinção, e casas do tipo viraram raridade. Aos poucos, foram escasseando. Restaram, assim, algumas poucas churrascarias lendárias, além de ‘braseiros’ e ‘galetos’ tradicionais, para resistir e contar história, como a Majórica, o Braseiro da Gávea, o Galeto do Leblon e o Sat’s, por exemplo, para ficar só nos clássicos mais venerados e conhecidos desta categoria tão carioca.
Neste time de endereços tradicionais, o Royal Grill, no CasaShopping, tem um jeito único de finalizar as suas carnes: no salão, há várias churrasqueiras, onde os garçons passam as carnes, depois de fatiadas à mesa, na frente do cliente, que escolhe o ponto desejado. Então, a carne volta rapidamente para a grelha. O índice de acerto é altíssimo. De carona, o arroz maluco também é finalizado no salão, pelo garçom. Podemos dizer que é um show muito original, e não se sabe de nada parecido em restaurantes da cidade.
Esses lugares tão festejados por cariocas e turistas conservam suas veteranas churrasqueiras a pleno vapor, e calor, junto a um enxuto time de outras poucas casas com décadas de tradição, que mantiveram o hábito de cozinhar na brasa, como o luso-brasileiro Canto Alegre, na Barrinha, a Codorna do Feio, ícone da gastronomia do Méier, e o Churrasqueto Lareira – onde comemos o melhor steak de filé mignon no Rio, perfeitamente chamuscado nas labaredas que sobem daquele infernal braseiro tijucano – com guarnições à altura.
Felizmente, de uns anos para cá esse quadro mudou. Muito, podemos dizer. Hoje, encontramos brasa viva, lenha e carvão em cozinhas as mais diferentes possíveis, de botecos simples aos restaurantes mais finos do Brasil, assando carnes, pescados e vegetais.
Além de apresentarem os mais distintos estilos, esses estabelecimentos estão por todas as regiões da cidade. Muitos desses lugares nasceram durante, ou logo depois da pandemia. Não é exagero dizer que estão em alta restaurantes novos movidos a brasa no Rio.
E as casas que apostam em braseiros na cozinha continuam nascendo com frequência: como o Koral, que abre na Rua Barão da Torre em novembro, do chef Pedro Coronha (ex-Maska), que convocou o Hermano chileno Matias Cifuentes, que acaba de deixar a chefia do L’Etoile, no Sheraton, para se juntar à empreitada. Vai ter braseiro na cozinha.
Uma rede chamada Pura Brasa, aliás, é das que mais crescem na cidade hoje, um fenômeno de público, hoje em Ipanema, Leblon, Copacabana e Barra (o Brasa Mohamed). Temos o Braseiro Labuta, de Lúcio Vieira, sucesso na Rua do Senado desde a abertura, no início do ano. E o Galeto Rainha, que inaugurou a marca monárquica, do chef Pedro de Artagão, que tem na churrasqueira o coração do boteco. Isso, só para citar três grifes de sucesso, nascidas de 2020 para cá, nomes importantes neste processo de propagação das brasas.
Chefs e restaurantes estrelados fazem o mesmo. No Oteque, em Botafogo, do chef Alberto Landgraf, a pequena churrasqueira japonesa assa espetos com lagostins, brócolis, e douram a pele de peixes para pururucar, como garoupa e olho-de-cão. No Trégua, em Laranjeiras, do casal Ana Souza e Victor Lima (ex-Lasai), um dos segredos do sucesso é a Kamado BBQ preta, churrasqueira compacta e redonda, com tampa, que defuma e tosta ingredientes, incluindo folhas, na bancada da cozinha. E o nome da casa já indica as especialidades do Pescados na Brasa, no Riachuelo – assinalando que são exemplares amazônicos, como o lombo de pirarucu e a costelinha de tambaqui.
Tem brasa para todos os gostos, e sotaques. Um excelente lugar para viver uma versátil experiência de cozinha na churrasqueira é o Cazota, na Lapa, que tem um animado terraço, na cobertura de um sobrado, comandado pelo argentino Uriel Arias, cuja parrilla hoje tem à frente a dupla João Marcelino e Laís da Rosa. Ali, o menu passa praticamente todo em parrillas e defumadores no estilo Texas BBQ: há desde chuchu, quiabo e outros vegetais, além de cogumelos, até peças como repolho recheado, ossobuco e um choripán redondinho, já famoso – um lugar imperdível, para carnívoros e veganos, veja só, verdadeiro achado, raridade mesmo, a unir duas tribos distintas.
O estilo platense de assar, a parrilla, também vem pipocando pela cidade. Além de lugares já bem conhecidos do público carioca, como o Pobre Juan, no Village Mall, e a parrilla Corrientes 348, na Marina da Glória, acaba de abrir as portas, no Leblon, a Rufino, importada da Argentina, diretamente de Buenos Aires, onde está a matriz deste restaurante – que pertence aos mesmos donos do japonês San.
Braço marinho da Mocellin Steak, dos fundadores do Porcão, a Mocellin Mar, aponta a bússola na mesma direção. Junto ao Quebra-Mar da Barra, usa o conhecimento da família no domínio da brasa para assar peixes e frutos do mar, na imensa churrasqueira que podemos observar através do vidro: da grelha para a chapa, as diversas porções de pescados chegam perfumadas e fumegantes. O Mergulho Carioca é a combinação entre o peixe do dia com lagosta, mexilhão, lula, polvo e camarão, servido com arroz de abacaxi.
Perto dali, na Ilha da Gigoia, o Ocyá também celebra o mar. A casa abriu as portas no início do ano passado, trabalhando com peixes maturados, quase sempre finalizados na churrasqueira, que é o ponto principal da cozinha do chef Gerônimo Athuel, que também é pescador, e faz um trabalho de aproveitamento integral dos peixes. Muito recentemente, ele chegou ao Leblon, onde também instalou um braseiro, por onde passam peixes maturados, que ganham a pele crocante, servidos com maionese de ponzu, por exemplo, ou o polvo com texturas de couve-flor e vinagrete de Jerez com noisette.
Assar peixes e frutos do mar na brasa também é a especialidade do Escama, no Jardim Botânico, e que acaba de ganhar um filhote, no Leblon: o Escaminha. Nas duas casas, os itens marinhos do menu que saem diretamente da brasa estão entre os mais pedidos e recomendáveis. Na novidade que veio dar na praia, tem brochete de frutos do mar, um espetinho com diversos itens, além de peixe inteiro espalmado na brasa, camarão VG, cavaquinha, lulas… O Escaminha já abriu as portas congestionando a calçada da Rua Dias Ferreira, com muito movimento.
Nesta tendência de cozinhar com fogo de verdade, à moda antiga, são muitas as possibilidades, mas existe um objeto de desejo comum a todos: o Josper, moderno, mas com visual retrô – bonito e eficaz. Trata-se de um forno a brasa que é sonho de consumo de todo cozinheiro – desejo que só alguns poucos conseguem consumar: uma máquina dessas custa de R$ 120 mil para mais (muito mais). É uma espécie de Ferrari dos equipamentos do gênero, encontrada apenas em endereços de luxo, como o Pérgula, no Copacabana Palace, e o Oro, de Felipe Bronze – muitos disputam os lugares no balcão, para ver os preparos, que passam pelo Josper. Entra nos menus como se fosse iguaria:
– Sugiro o polvo assado no Josper – é a recomendação que mais se vê no Marine, restaurante do Fairmont, com vista para a Orla de Copacabana, que tem um setor do menu dedicado ao aparelho: é o Josper para Compartilhar, onde encontramos receitas bem servidas, entre elas um arroz de pato no tucupi, cuja carne passa pelo forno. E, que tal uma “abobrinha grelhada no Josper com fondutta de queijo da Serra da Canastra e ervas frescas”?
O Josper, e outros equipamentos de cozinha na brasa, também encontramos em um outro fenômeno recente, de crítica e público: o Clan BBQ, no Leblon, inaugurado no ano passado. O restaurante virou uma das principais referências em carnes, e tem um menu praticamente todo preparado nesse forno e numa churrasqueira – e o burger é tido por muitos como o melhor da cidade. Ali, tem couve-flor, edamame, cavaquinha, milho, carpaccio, cenoura…. tudo na brasa, além de cortes bem especiais, como o Denver steak e o french rack de cordeiro. Certamente, o Clan BBQ é o restaurante que melhor representa essa corrente gastronômica braseira atual. Na parede, está escrito em neon vermelho: “Não apague o meu fogo”. Deixa comigo.