NOVÍSSIMA GERAÇÂO BOTAFOGO

POR RICARDO COTA

Grupo Estação reassume força entre púbico jovem com programação criativa e exibições lotadas que apontam para um futuro promissor em meio à crise das salas de cinema.

Os números assustam.  Por todo o mundo, jornais apontam a difícil recuperação das salas de cinema no pós-pandemia.  As plataformas de streaming se consolidaram e acomodaram boa parte do público no ambiente doméstico.  Por aqui, no primeiro trimestre deste ano, apenas dois em cada dez frequentadores assíduos antes do isolamento trocaram o sofá pela poltrona dos cinemas.   Ou seja:  é grave a crise. 

A não ser numa estreita faixa da Rua Voluntários da Pátria, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.  Ali se concentram as salas de parte do complexo do Grupo Estação.  Contrariando os índices mundiais, o Estação Botafogo e o Estação NET Rio vivem lotados. Um verdadeiro oásis para os cinéfilos cariocas, que prestigiam uma agenda criativa pautada não somente por filmes e mostras, mas também por exibições teatrais, festas, lançamentos de livros, premiações e maratonas que varam a madrugada dos fins de semana.

Boa parte da realização desse empolgante renascer cultural deve-se à aproximação da dupla Cavi Borges e Adriana Rattes, sócia do Grupo desde o seu surgimento, em 1985.  A parceria intensificou-se depois do fim do isolamento, em outubro de 2021.  Para Adriana, houve uma feliz conjunção de entusiasmo dos organizadores com a necessidade de convívio social de jovens que ficaram muito tempo isolados.  “Os tempos são difíceis, mas existem rachaduras no pessimismo que nos enchem de esperança.  O que está acontecendo hoje é uma dessas rachaduras”, analisa.

Carlos Vinicius Borges, o Cavi, figura há bom tempo na cena cultural carioca.  Reconhecê-lo é tarefa fácil.  Seu guarda-roupa compõe-se de bermuda e regata.  Durante anos, sua locadora, a Cavídeo, fundada em 1997 numa pequena sala da Cobal de Botafogo, foi uma espécie de filial do Estação, para onde os cinéfilos corriam para alugar filmes cults, clássicos ou lançamentos.

A partir de 2000, trocou a bancada da loja pelos sets de filmagem, assumindo os postos variados de diretor, contrarregra, assistente e até de braço forte do boom que sustenta os microfones direcionais.  O que para ele, por sinal, não representa grande esforço.  Dono de currículo atlético, Cavi é judoca profissional e quase disputou as olimpíadas em Atlanta e Sidney, o que não ocorreu devido a lesões de última hora.  Perdeu a lona, ganhou a telona.  Hoje do seu currículo já constam cerca de 350 curtas, médias e longas.  Tudo B.O.  Isto é:  Baixo Orçamento.  Para o cineasta Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, Cavi, que atualmente produz um dos seus filmes, é uma “verdadeira locomotiva do cinema brasileiro”. 

Durante a pandemia, a Covid testou sua resistência, levando preocupação ao incontável número de amigos.  Foram meses de apreensão.  Cavi sobreviveu graças aos aparelhos respiratórios.  Durante todo o período contou com o apoio da companheira de décadas Patrícia Niedermeier, atriz, roteirista e colaboradora incansável da agitada agenda cultural. 

“A Covid me deu um baita susto, mas também um tremendo alento para levar à frente minha paixão pelo cinema”, conta.  “Comecei a realizar eventos diariamente e percebi que o público estava crescendo.  Identifiquei o que eu chamo de uma Novíssima Geração Botafogo.”

A chave para o sucesso vem da programação diversificada, que prestigia sobretudo a experiência do cinema ao vivo.  O Estação retomou as projeções em 35 mm, através de uma parceria com o Arquivo Nacional e o CTAV, que viabilizaram o acesso a clássicos como Bye Bye Brasil, Leila Diniz, O Segredo da Múmia e Rainha Diaba, exibidos de uma forma praticamente inédita para quem começou a frequentar os cinemas depois da era digital.  Além disso passou a promover mostras temáticas, como a Mostra Terrível, que durante dez dias lotou as salas com filmes de terror.

O êxito das sessões, muitas delas seguidas de acalorados debates, estimularam os organizadores a apostar em outros eventos, como a retomada das maratonas cinematográficas, com filmes exibidos de dez da noite de sábado às seis da manhã de domingo, com direito a café da manhã ao final.  Alguns espaços, como o hall do Estação NET Rio, passaram a ser usados para a montagem de peças e até entregas de prêmios, como a Medalha do Mérito Cinematográfico, criada pelo combativo diretor Noilton Nunes. 

Para a professora de Cinema da PUC, Denise Lopes, a função do Estação na formação de público é visível há muitas décadas. “É no Estação que meus alunos conseguem assistir aos lançamentos nacionais, aos filmes de arte e aos clássicos”, observa. “O preço do ingresso generoso, a localização ao lado do metrô e várias salas oferecendo uma programação plural e diferenciada do resto do circuito é um ganho para a cidade”.

A garantia de todo esse sucesso de público e bilheteria, no entanto, ainda depende de um final feliz.  O Estação NET Rio enfrenta na justiça uma ação de despejo movida pelo Grupo Severiano Ribeiro.  “Essa história é uma espada na nossa cabeça”, define Adriana Rattes.  Segundo ela, o Grupo tem condições, e quer, negociar as dívidas.  Para evitar o despejo, foi criado o movimento “Ocupa Estação”, com grande mobilização social.  “A Justiça retirou o julgamento de pauta, o que nos deu tempo e confiança de que a negociação poderá ser aceita”.  Enquanto isso, a Novíssima Geração Botafogo segue levando vitalidade e esperança às salas de cinema.

AS CARAS DA NOVÍSSIMA GERAÇÃO

FLORI PALOMINO

 18 anos, estudante do ensino médio, quer ser produtora cultural.

“O Estação para mim é uma casa, representa o lugar onde eu posso encontrar os amigos, conhecer pessoas novas e ver filmes diferentes, que não encontro na internet.  Recentemente, teve uma sessão muito especial quando um curta do qual participei foi exibido e pude vê-lo na telona com os amigos e o público.  Isso não tem em outro cinema”.

JOANN JABUR

22 anos, assistente de programação do Estação Botafogo

“O cinema é um espaço do sonho, da imaginação.  Aqui a gente pode ver as nossas histórias, valorizar o cinema brasileiro e independente.  Também do convívio no Estação nascem não apenas novos cinéfilos, mas também novos cineastas.  Gente que se conhece e se reúne aqui para pensar e fazer os seus próprios filmes”.

MATHEUS FORTUNA

19 anos, estudante de  Cinema e Museologia

“O Estação reúne duas das minhas maiores paixões:  o cinema e a memória.  Fico feliz porque o Cavi me acolheu e levou adiante a ideia de realizar exposições que contam a história do cinema mundial, como a dedicada aos Cahiers du Cinema, e a que expôs uma série de equipamentos antigos, valorizando o cinema de hoje e o de sempre”.

ALEXANDRE MATERA

12 anos estudante do ensino  fundamental

GRAÇA MATERA

avó e companheira cinéfila

“Eu descobri o Estação na sessão de vinte anos do Cidade de Deus.  Conheci a programação e percebi que era bem diferente da dos outros cinemas.  Vi que tinha debate, exposições e até peças de teatro.  Minha avó gosta também e vem sempre comigo.  Ficamos juntos na maratona até as seis da manhã de sábado.  Ela adorou o bolo servido no café da manhã”.