MÚSICA: CANTO QUE SE CANTA JUNTO

Dalton cita que é sensível a melhoria da voz cantada

Luisa Prochnik

‘Alguém cantando é bom de se ouvir. Alguém cantando alguma canção. A voz de alguém nessa imensidão”, sugere Caetano, com voz doce. Canta, também, o coral ‘De Cor e Salteado’, formado por diferentes naipes de vozes, das mais agudas até as mais graves. Um coral concentrado, afinado e feliz. Com exceção do regente e professor, Dalton Coelho, estes coralistas do Rio, em sua maioria mulheres com mais de 65 anos, não são profissionais. Há homens e jovens, mas elas dominam o cenário, que abrange técnica, esforço, bate-papo e um ótimo repertório. 

Para todos, cantar é um benefício, faz bem à saúde, quando atividade bem orientada. Para idosos, o impacto positivo do canto coral é ainda mais expressivo. 

— A partir dos 65 anos, começa a ocorrer o envelhecimento da laringe, que é um processo natural. A laringe é feita de uma série de cartilagens e músculos e começa a ocorrer um enrijecimento — explica Luciane Segrette, fonoaudióloga especialista em voz e oratória, que cita como exemplo a possibilidade de a voz ficar com rouca com a idade, algo que não é comum a todos e nem acontece no mesmo espaço de tempo. Faz parte de um processo fisiológico, mais lento ou rápido, dependendo da pessoa.

— Tem muitas pessoas que procuram o canto coral e eu de cara percebo que a voz está muito cansada ou pela idade ou porque a vida foi muito sofrida nesse aspecto – conta o regente Dalton Coelho, músico responsável pelo ‘De Cor e Salteado’ e mais seis corais e um grupo vocal, que sempre começa suas aulas com um aquecimento completo 

— Trabalhar quadril, joelho, corpo. Um corpo mais solto, mas de prontidão para fazer o que tem que ser feito, para executar uma missão vocal. (…) Trabalhar língua, lábios, pescoço, fora a parte respiratória. 

— Os exercícios vocais trabalham os músculos da voz. Então, assim, traçando um paralelo com a academia, eu brinco com os meus pacientes, falo que é o cross fit da voz, porque você tem que treinar esse músculo. E nos exercícios de aquecimento vocal, você treina, aquece, prepara – completa a fonoaudióloga.

Todos aquecidos, e as vozes cantadas começam a ser ouvidas. O repertório é de músicas populares e conhecidas, mas preparadas para um formato diferente de quando executado por apenas um cantor.

— Escrevo arranjos vocais para esses grupos todos. Eu determino o que cada grupo de cantores vai cantar naquela música. Então, tem essa mistura das melodias que a gente conhece, que o compositor criou. E situações que eu escrevo para que cada grupo faça para acompanhar a melodia e, eventualmente, se juntar a essa melodia, que a gente chama de harmonização em bloco – cita Dalton.

Os grupos vocais no ‘De Cor e Salteado’ são sopranos, contraltos e, juntos, em apenas um, barítonos e tenores, com uma tenorina:

— Não sei se você notou que eu sou a única mulher desse lado – diz, orgulhosa de sua voz grave, Eliane Adler, uma das novatas do grupo, mas já muito bem enturmada.

O regente Dalton cita que é sensível a melhoria da voz cantada já em pouco tempo frequentando o coral.

— O meu olhar é muito para esse lado musical, mas acredito que se a pessoa está executando melhor uma melodia, que exige mais da voz, fatalmente está aprimorando também a voz falada – conclui.

Sendo a melhoria física e fisiológica indiscutível, corroborada por especialistas, outro aspecto impactante do coral é a alegria.

— É uma coisa que eu gosto muito de fazer. Então, fica fácil de levar na alegria. E tem também o lado de pensar que se as pessoas estão mais leves, estão mais alegres cantando, o rendimento é melhor. O corpo está mais disponível para a voz sair bonita – fala Dalton.

Um ambiente agradável, onde pessoas se encontram, sociabilizam, constroem vínculos é importante para todos. No caso das pessoas da terceira idade, mais ainda mais.  

— O que eu sinto quando vou aos ensaios em primeiro lugar é acolhimento. E de fato eu percebo que as relações são muito antigas, tem muita experiência de cantarem juntos e de se conhecerem. E, também, as relações, que ultrapassam aquele momento ali do próprio coral. Tem pessoas que são amigas, pessoas que se ajudam – relata Heloisa Machado, coach de carreira, que está há um ano e meio no coral ‘Seresta’, outro regido por Dalton

Durante a aula, Dalton movimenta a configuração da turma, reorganiza as cadeiras, promove olhares e trocas trabalhando o todo e o indivíduo. Alegria, com um treino sério, com pessoas que se dedicam ao canto e se apresentam com frequência em teatros e espaços culturais. Rosângela, Linda, Eliane, Heloisa, Vera, Tania e Leda, entre tantas e tantos outros.

— O coral é um somatório de vozes. Tem a parte individual, que é importante. E tem a parte do todo, em que você é importantíssima. Mas o todo é muito maior que o indivíduo. Essa ideia é essência da minha crença nas relações humanas – arremata Heloisa.