Jan Theophilo
Que Getúlio Vargas piscou os olhinhos para o Eixo na Segunda Guerra Mundial, ninguém discute. O que poucos sabem é que esse namorico deixou marcas significativas na antiga capital da República. Algumas bem explícitas, como na calçada em frente à entrada e nos postes que circundam o Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados, onde há vários emblemas do fascio, o símbolo de poder dos magistrados da Roma Antiga (um feixe de varas, que representava a união do povo em torno da justiça do Estado), que foi incorporado pelo regime fascista de Benito Mussolini. Mas em 1999 uma descoberta surpreendeu os historiadores: em um porão trancado por décadas e em salas de apoio do teatro do hoje Instituto Superior de Educação do Rio (ISERJ), na Tijuca, o piso estava coberto por azulejos pintados com a suástica nazista.
“Um dia eu havia dado uma aula sobre o nazismo e alguns alunos me procuraram dizendo que funcionários mais antigos contavam a história da existência dessas salas. A principal delas era essa no porão, que, imagino, deveria ser um antigo palco de reuniões”, conta o ex-diretor do ISERJ, William Campos, hoje coordenador de cursos de pré-vestibular em Maricá, onde foi secretário de educação e um dos um dos fundadores do Pré ENEM Popular Iara Iavelberg, na mesma cidade.
Para entender a presença desses símbolos em uma prestigiada instituição pública de ensino, é preciso fazer uma viagem no tempo. Em 1927, o então prefeito Antônio Prado Júnior fez a aquisição de um terreno na Tijuca para a criação do Instituto de Educação, que até então era apenas a Escola Normal (para formação de professores). Ele realizou na época um concurso para eleger o projeto de arquitetura que se tornaria o prédio da instituição. Os vencedores foram os arquitetos Ângelo Bruhns e José Cortes. A construção ficou pronta em 1930, tornando-se um dos melhores e mais imponentes símbolos do estilo neocolonial muito badalado nas décadas de 1920 a 1940 no Brasil. Em seu interior, reuniu-se o que havia de melhor em técnicas e práticas educacionais na época. Os laboratórios da instituição, por exemplo, foram equipados com aparelhos e acessórios importados da Inglaterra, Alemanha e Bélgica.
“Quando o prédio foi inaugurado, a Tijuca possuía uma forte penetração do ideário nazifascista. Então acredito que as suásticas tenham sido colocadas ali por algum grupo de professores ou funcionários”, conta William, que imediatamente mandou cimentar o porão – antes da obra, porém, vários alunos e professores invadiram o local e levaram vários azulejos. “Eu era muito jovem, havia sido indicado diretor com a missão de desbaratar um esquema de corrupção envolvendo merendas. Quando a descoberta se tornou pública, achei melhor tirar aquilo logo. Tive receio de que, no meio daquele imbróglio, eu fosse acusado de prevaricação, porque elas estarem ali, pura e simplesmente, não chega a tipificar um crime. Mas, hoje em dia, queira ou não, recordam diretamente as atrocidades nazistas”, diz ele.
William, porém, não descarta que até hoje ainda existam outras salas com decoração semelhante. “Porque o colégio é centenário e cheio de segredos. Há portas que foram cimentadas e ninguém sabe o que existe lá dentro. Assim como túneis secretos que não se sabe onde vão dar e salas que estão trancadas há décadas. Certamente ainda existem azulejos assim em alguns lugares”, conta ele. De acordo com historiadores, durante a Ditadura Militar iniciada em 1964, muitas dessas salas foram utilizadas como centros de tortura ou postos avançados dos órgãos de repressão política.
O professor Milton Teixeira, historiador especializado em estudos sobre o Rio de Janeiro, concorda que é razoável supor que ainda existam outras salas ocultas decoradas com suásticas ou outros símbolos nazistas. Segundo ele, a conotação ideológica não pode ser descartada. “Temos que pensar na conjuntura da época. Havia uma polarização entre os intelectuais de direita e de esquerda que lutavam para conquistar a mente dos educadores. Não acho que isso tenha sido colocado logo na inauguração, pois Hitler ainda não havia chegado ao poder na Alemanha.
Certamente ainda existem azulejos assim em alguns lugares”, conta ele. De acordo com historiadores, durante a Ditadura Militar iniciada em 1964, muitas dessas salas foram utilizadas como centros de tortura ou postos avançados dos órgãos de repressão política.
É capaz de que tenham sido postos após a Intentona Comunista, em 1935. A partir daí, nas instituições de ensino da época houve uma penetração muito forte da extrema-direita”, ponderou.
Milton lamenta que o porão não tenha sido preservado, ainda que o nazismo evoque as piores lembranças. “Impressionou-me bastante esse achado e ainda mais que não tenha sido retirado à época da Segunda Guerra. No entanto, independentemente das lembranças ruins do nazismo, o piso deveria ter sido preservado pela memória das duas ideologias, a da esquerda e da direita, que disputavam as mentes dos educadores do Brasil”, afirmou em entrevista.
Segundo o governo do estado, desde 1965 o prédio do Instituto de Educação está inscrito no livro de tombo das Belas Artes da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico e que qualquer proposta de reestruturação precisa ser deliberada a partir de um plano diretor aprovado pelos órgãos de tombamento. O que naturalmente não foi o caso na decisão de cimentar o porão. “Ninguém nunca me criticou, mas reconheço que foi um erro. Hoje, mais experiente, teria dado mais valor histórico e determinado uma pesquisa mais aprofundada”, diz o professor William Campos. A relação de proximidade de brasileiros com o ideário fascista é sabidamente tão cheia de mistérios quanto as salas secretas do centenário Instituto de Educação. É preciso desvendá-los.