Jan Theophilo
Celebrar um artista famoso e popular está longe de ser garantia de êxito no desfile; há casos inesquecíveis de sucessos e fracassos. Aqui, uma lista dos dois lados
CINCO ENREDOS QUE DERAM CERTO
“Yes, nós temos Braguinha” – Mangueira, 1984
Impossível começar essa relação sem lembrar o desfile da Mangueira de 1984 em homenagem a Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, um dos maiores compositores da história da música brasileira, e em particular das marchinhas. Foi um desfile atípico por vários motivos. Primeiro porque, revoltado com o boicote sistemático das Organizações Globo à construção da Passarela do Samba, o então governador Leonel Brizola cedeu os direitos de transmissão para a novata TV Manchete, com apenas um ano de funcionamento. Pela primeira vez, as principais escolas de samba foram divididas em dois desfiles. Coube à Mangueira encerrar a segunda noite. Ao chegar à Praça da Apoteose, onde deveria acontecer a dispersão, a escola deu meia-volta e retornou à concentração, levando carros, integrantes, parte do público, somando impressionantes três horas de apresentação. Foi a primeira e única vez que o regulamento previu uma escola campeã para cada dia. A Mangueira ficou em primeiro lugar no desfile de segunda-feira e a Portela no de domingo. No Sábado das Campeãs, houve o desempate, também chamado supercampeonato. A verde e rosa de Braguinha levou. “Yes, nós temos Braguinha” – Mangueira, 1984
“Bravíssimo Dercy, o retrato de um povo”– Viradouro, 1991
Na estreia no Grupo Especial, a hoje gigante Viradouro homenageou Dercy Gonçalves, no enredo da dupla de carnavalescos Max Lopes e Mauro Quintaes. O desfile narrou a trajetória da artista conhecida pela irreverência explosiva, desde o encontro, ainda criança, com um grupo de teatro na sua cidade, momento da descoberta de sua vocação. O destaque foi a própria Dercy que, libertária aos 83 anos, desfilou no abre-alas com os seios de fora, num libelo contra a ditadura dos corpos esculpidos artificialmente. A Viradouro ficou em sétimo lugar, mas produziu a imagem daquele Carnaval.
“A simplicidade de um rei” – Beija-Flor, 2011
A gigante nilopolitana escolheu a leveza e a alegria de um desfile em tons claros, fora de seu estilo habitual, para contar a história do rei Roberto Carlos. O ídolo da música chegou ao Sambódromo numa Mercedes blindada, que o levou a seu motorhome azul, de vidros escuros (que costuma utilizar nos shows), onde aguardou o desfile. Para subir na alegoria, o cantor foi cercado por nada menos do que 70 seguranças da Liesa. Última escola a se apresentar, a Beija-Flor bateu a Unidos da Tijuca, campeã do ano anterior, e conquistou seu 12º título.
“O dia em que toda a realeza desembarcou na Avenida para
coroar o Rei Luiz do Sertão” – Unidos da Tijuca, 2012
No ano do seu centenário de nascimento, Luiz Gonzaga entrou para o clube de homenageados campeões na Sapucaí, com a Unidos da Tijuca. Mas o resultado do Carnaval de 2012 teve muitos questionamentos do público e da crítica especializada. Ninguém entendeu por que o carnavalesco Paulo Barros levou Xuxa, Pelé, Michael Jackson, D. João VI e a Rainha da Sucata – personagens que se repetiram em três carros – num enredo sobre o rei do baião. Era “toda a realeza” convidada para a coroação do “Rei Luiz do Sertão”, o Lua, que apareceu na comissão de frente e projetado no alto de um carro. A bateria do mestre Casagrande misturou forró ao samba e “Asa branca”, um dos maiores sucessos de Luiz Gonzaga, foi lembrada no último carro, com três bolos gigantes representando as rádios e o sucesso do artista.
“Maria Bethânia: A menina dos olhos de Oyá” – Mangueira, 2016
A Mangueira amargava 13 anos sem títulos quando apostou no carnavalesco estreante Leandro Vieira para “modernizar” o visual da agremiação. Ele ousou com as dançarinas da comissão de frente de seios nus e, sobretudo, a porta-bandeira Squel careca. A homenageada fez três pedidos: restringir o uso da cor preta; não desfilar no alto e, por causa de sua religião, que não houvesse máscaras nem caretas. Vieira optou por celebrar a religiosidade da artista e sua ligação com a cultura popular brasileira. Segundo Bethânia, após receber o convite de Mangueira, ela precisou consultar o Terreiro do Gantois “para ver se Iansã autorizava, já que era um enredo da filha dela. E ela autorizou”. Com a apresentação, a escola conquistou o seu 19º título de campeã.
CINCO ENREDOS QUE DERAM ERRADO
“O Brasil é penta, R é 9 – O Fenômeno iluminado” – Tradição, 2003
Apesar da importância na vida brasileira, carnaval e futebol normalmente não combinam – e um desfile de 2003 serve de (mais uma) prova. Principal nome na conquista do pentacampeonato mundial, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno foi o grande homenageado da Tradição, que mostrou a história de superação do atacante, eleito três vezes o melhor jogador do mundo (1996, 1997 e 2002). Mas se a escola mirou no craque de 2002, acertou o famoso fiasco de 1998. Ronaldo sequer participou do desfile – meteu um atestado e acabou representado por sua mãe, Sônia Nazário. O desfile caótico virou emblema de derrota e a Tradição acabou em 13º lugar.
“O astro iluminado da comunicação brasileira” – Beija-Flor, 2014
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, é sem dúvida um dos nomes mais relevantes da televisão brasileira, o que explicava a enorme expectativa para o desfile da Beija-Flor em 2014. A escola garantia uma chuva de celebridades na avenida no enredo-homenagem ao craque da TV. Mais de 50 artistas desfilaram, entre eles Pedro Bial, Renato Aragão, Faustão, Tony Ramos, Angélica e Luciano Huck. Boni levou a sério a festa e organizou um dos mais luxuosos camarotes da história da Sapucaí. Deu ruim: a deusa nilopolitana terminou em sétimo lugar, seu pior resultado em 22 anos. Boni nunca engoliu o resultado, dando inúmeras entrevistas acusando os jurados de “manobras” contra a Beija-Flor.
“Arthur X — O reino do Galinho de Ouro na corte da Imperatriz”
– Imperatriz Leopoldinense, 2014
Horas depois de comemorar 61 anos de idade, Zico, o maior ídolo da maior torcida do Brasil, adentrou a Sapucaí como enredo da Imperatriz Leopoldinense. A equipe campeã da América e do Mundo em 1981 compareceu em peso. Junior, Adílio, Andrade, Leandro, Raul, Marinho e Cantarele foram alguns dos nomes que, trajando ternos dourados com o número 81 do lado esquerdo e seus respectivos números às costas, compuseram o carro dedicado às conquistas. Edmundo, Roberto Dinamite e Deco representaram os outros clubes cariocas. Antes d o desfile a escola tocou o hino do Flamengo, incendiando as arquibancadas. Mas o resultado foi apenas uma modesta quinta colocação. Para o aniversariante, valeu o fim do desfile, quando a bateria parou e o público entoou seu nome em coro.
“Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar
uma Sabiá” – Portela, 2019
A Portela demorou para produzir um enredo dos sonhos de sua torcida, sobre Clara Nunes, e quando o fez, em 2019, levou à avenida um mix de Minas Gerais, Madureira e África. A carnavalesca Rosa Magalhães ainda incluiu Tarsila do Amaral na história, realizando desfile confuso, apesar de participações marcantes como a impressionante caracterização da cantora baiana Emanuelle Araújo como Clara. O encanto da carnavalesca com a obra de arte “Carnaval em Madureira”, pintura reproduzida numa das alegorias, não agradou. Para completar, Rosa cometeu crime hediondo na constituição portelense: fez uma águia, símbolo maior da escola, pequena para os padrões exigidos pelos fãs. A chiadeira foi geral e a Portela terminou em quarto lugar.
Ô Zeca, o pagode onde é que é? Andei descalço, carroça e trem,
procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber
e batucar” – Grande Rio, 2023 Quem poderia imaginar que um enredo sobre um dos mais queridos e populares sambistas da atualidade daria com os burros n’água? Aconteceu em 2023 com a Grande Rio, potência emergente nos desfiles e Zeca Pagodinho. Sob grande expectativa, a tricolor retratou a religiosidade, as brincadeiras, músicas e descontração do subúrbio carioca. Mas, no fim das contas, quem acabou roubando a cena foi a atriz Paolla Oliveira, rainha de bateria, que brilhou com o corpo escultural em uma fantasia que fazia referência aos metais de Ogum. A Grande Rio, então campeã, encenou desfile frio e terminou na modesta sexta colocação.