Bruno Agositini
Se um estrangeiro desavisado chegar ao Rio hoje e circular pelos restaurantes cariocas há grandes chances de ele acreditar que o ceviche é um prato clássico do Brasil. Espalhada por cozinhas das mais diferentes vertentes, a receita de origem peruana se disseminou de tal maneira pelos cardápios da cidade que já até parece típico.

Faz sentido. Leve, fresco, rápido e fácil de se preparar, caiu no gosto popular nos últimos 15 anos, e pode ser encontrado em casas tão diversas como o Guimas, o Didier, a Mercearia da Praça e o Arp Bar, e mesmo na mais gastronômica das feiras livres do Rio, que acontece aos sábados na Glória, onde existem pelo menos três barracas dedicadas ao prato, cuja espinha dorsal combina cubos de peixe fresco, suco de limão, cebola roxa, pimenta e coentro.
Além disso, já não é mais possível contar nos dedos das mãos a quantidade de restaurantes peruanos no Rio. Copacabana, Botafogo e Lapa (considerando parte da Glória) concentram pelo menos dez endereços dedicados à rica cozinha do país sul-americano, que vai muito além do ceviche.

Um dos responsáveis por isso é o chef Marco Espinoza, que também tratou de apresentar aos cariocas diferentes vertentes dessa gastronomia cheia de possibilidades. Enquanto no Lima, em Botafogo, uma típica cevicheria, onde ele explora um pouco de cada variação do prato, no Cantón a decoração remete à China. Isso porque se trata do primeiro restaurante brasileiro dedicado à cozinha chifa, basicamente um cardápio chinês que vez ou outra usa pimentas, batatas, milhos e outros ingredientes típicos peruanos. Há ceviche, claro. Do mesmo modo, existe a cozinha nikkei, especialidade do Kinjo, basicamente um cardápio japonês que vez ou outra usa pimentas, batatas, milhos e outros ingredientes típicos peruanos. Há ceviche, claro. Ambos estão em Copacabana, separados por uma quadra, nas ruas Rodolfo Dantas e Duvivier (o Cantón tem filial no Rio Sul).

O primeiro restaurante peruano que se tem notícia no Rio, por sua vez, é o Intihuasi, no Flamengo. A casa foi inaugurada em 2004 por Margarita Sayan, que veio morar no Brasil nos anos 1980, e retornou ao seu país para cursar gastronomia na escola Le Cordon Bleu, que inaugurou a sua unidade em Lima no ano 2000, quando a gastronomia local começava a ganhar o mundo. Ali, ela serve pratos de diferentes origens, explorando receitas dos Andes e da Amazônia, bem como das regiões costeiras. É possível provar, por exemplo, o legítimo anticucho, o tradicional espetinho de coração bovino, com tempero bem característico, e que faz toda a diferença, além de diferentes versões da causa – um dos pratos mais amados pelos peruanos, uma entrada fria, formada por uma massa de batata temperada com limão e pimentas que leve coberturas diversas – de ceviche a salada de frango desfiado, ou nacos de peixe frito, que eles chamam de chicharrón.

Copacabana parece mesmo ser o epicentro dessa turma, e apenas esse ano ganhou dois novos endereços peruanos. O La Capital, na rua Bolivar, é uma típica cevicheria, como as que existem aos montes em Lima. Além de ceviches e causas, um dos petiscos mais imperdíveis ali é a papa rellena, uma massa de batata recheada de carne moída, e frita, servida com maionese de rocoto (outra pimenta peruana): a versão do chef Diego Hernandez Maurtua é a melhor que já provei, realmente uma delícia. Ele também faz um passeio pela cozinha urbana típica da capital do país, servindo ají de gallina (um prato delicioso, feito com frango desfiado, molho de pimenta amarela, creme de queijo, batata cozida, arroz e ovo) e o chamado arroz tapado, que poderíamos explicar como sendo uma espécie de escondidinho, recheado de carne e coroado com ovo frito, tendo os grãos do arroz cozidos em caldo saboroso como destaque.

A outra novidade no bairro é o Sabor Peruano, que abriu as portas em 2019, na Lapa, e recentemente inaugurou sua primeira filial, na rua Aires Saldanha. Uma boa pedida ali é “degustação de causitas”, com quatro variações da causa: acevichada, de polvo com maionese de azeitonas pretas, de frango, e de camarão empanado na panko. É provavelmente o restaurante com o mais vasto menu, onde encontramos tacu tacu (o feijão com arroz deles, bem marcado pelas pimentas), a chaufa (arroz de origem chinesa feito na wok) e duas sopas, algo que os peruanos amam, seja no verão, seja no inverno.

Outra marca que vem ganhando espaço é a Panka, que tem duas unidades, uma na Glória e outra em Niterói. Para provar um pouco de tudo, a ronda mista traz à mesa ceviches, causa, bastões de peixe frito e arroz de frutos do mar – uma bela pedida para compartilhar por dois ou três.

Uma prova de que o fenômeno não é restrito ao Rio, a rede Accor de hotéis lançou, há alguns anos, a marca Q Ceviche – hoje com unidades em Copacabana (no térreo do Mercure Rio Boutique, na Avenida Atlântica), São Paulo (duas) e Curitiba. O endereço é porto seguro para ir muito além do prato de peixe marinado que o batiza (em 2023 o ceviche foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade). Ali são servidas oito versões de ceviche, incluindo uma vegana, feita com chuchu, manga, melancia, cenoura e leite de tigre de coco (esse preparo é a base do prato, geralmente feito com aparas de peixes). Além disso, o restaurante serve o tartare acevichado sobre patacones – que são discos de banana-da-terra fritos, que servem de base para os cubinhos de salmão muito bem temperados. A cozinha comandada pelo chef Javier Beltran traz um clássico da cozinha de rua de Lima, o pan com chicharrón (a palavra serve para frituras crocantes, mas também para carne de porco), um sanduíche de pernil assado com maionese de coentro de batata-doce frita.
Com loja no shopping Uptown, na Barra, o Ceviche da Fabi é uma da mais requisitadas para as feiras gastronômicas da cidade, como o Quintal dos Botecos, que acontece regularmente em locais diferentes. É sempre uma das barracas mais procuradas, porque o ceviche, definitivamente, caiu no gosto dos cariocas.

Falando nisso… Com três unidades na cidade, no Jardim Botânico, em Ipanema e no Leblon, em um quiosque na praia, a rede La Carioca foi a primeira cevicheria do Rio, inaugurada em 2011 – quando o prato começou a se popularizar de verdade por aqui. Nas casas do empresário Flávio Datz podemos destacar os quinotos – que são grãos de quinoa preparados como se fossem um risoto italiano.

Aliás, a quinoa, um grão saudável, fonte de proteínas, com grande valor nutritivo e rico em fibras, é um ingrediente típico dos Andes peruanos que ganhou o coração dos brasileiros, hoje facilmente encontrado em restaurantes dos mais diversos perfis, desde uma parrilla argentina, como o Pobre Juan (é o ingrediente base da salada andina), o Zazá Bistrô (na salada de verão, lançada no início do ano) e o Gula Gula (na salada com frango ao curry).
O Zazá Bistrô lançou ainda, recentemente, um ceviche de caju, batizado de cajumar, com coentro, cebola roxa, pimenta dedo-de-moça e castanha de caju, servido com chips de batata-doce roxa, criação do chef Arthur Cardoso.
Mas, nada se compara mesmo ao fenômeno ceviche, que foi totalmente absorvido pelo carioca, a ponto de ser encontrado em diferentes versões nos mais diversos endereços. Claude Troisgros é fã, e é um dos responsáveis por essa proliferação. Já fez em seus programas de TV ceviche de manga e de banana, e um mil folhas de palmito intercalado com ceviche. Seu filho Thomas Troisgros, herdou o gosto pela coisa, e serve suas receitas de ceviche em pelo menos duas das casas que comanda: no Le Blonde, um vegetariano, de legumes grelhados, castanha-de-caju e leite de coco, e outro de peixe do dia, com palmite, vinagrete de laite de coco e endro; e no Toto, de peixe, com feijão verde crocante e cubos de batata-doce roxa.

Seu colega, Bruno Katz, é outro fã do preparo. Tanto que, das quatro casas que ele comanda, o Nosso Ipanema, o Chanchada Bar, o Katz-su, e o Xerelete, este último em Búzios, inaugurado no verão passado, apenas em uma não existe um ceviche com a sua assinatura. No Nosso, o peixe do dia leva leite de tigre de ají amarelo, cancha (um milho frito, uma espécie de pipoca que não rompeu sua casca grossa), gengibre e sorbet picante de manga. No Katz-su a receita tem uma pegada asiática, com leite de tigre de kimchi, furikake e nori, enquanto na novidade buziana da Orla Bardot o peixe do dia tem pimenta dedo-de-moça, coentro e leite de onça (uma brincadeira com o drinque, que leva cachaça),

Nos restaurantes especializados em peixes e frutos do mar, um ceviche, ou mais, é praticamente obrigatório. No Escama, no Jardim Botânico, também podemos, além dele, pedir um tiradito, uma espécie de carpaccio de peixe, mais condimentado, algo próximo do usuzukuri japonês, de onde veio a inspiração (é típico da cozinha nikkei). No Zuza Bar, que foi inaugurado no meio do ano passado, no Flamengo, há duas versões, abrindo o menu de entradas: o clássico (com do dia no limão, cebola roxa, pimenta dedo-de-moça e coentro, servido com chips de batata-doce; e o nikkei de atum – cortado em cubos com leite de tigre nikkei (leva shoyu, por exemplo), cebola roxa, pimenta dedo-de-moça, coentro, chips de batata-doce e gergelim torrado. E, no Mocellin Mar, na Barra, que no segundo semestre de 2024 se tornou rodízio, um dos pratos mais pedidos é o ceviche.
Tão popular é o ceviche hoje em restaurantes do Rio que ele aparece no menu executivo de muitos restaurantes, bem como em cozinhas de vários países, do português Mercearia da Praça ao francês Didier (fez até post no Instagram celebrando o Dia do Ceviche – 28 de junho), passando pelo japonês contemporâneo Hachiko, e também por bares de vinho, como o Virtuoso, hotéis (tem no brunch do Emile, no Emiliano), e por quiosques da orla (como o Coisa de Carioca).
No Cam’On Thai Food, a receita da chef Ana Carolina Garcia se apropriou muito bem de ingredientes típicos da Tailândia. Seu ceviche thai leva leite de coco e manga verde, e é guarnecido de mandiopã.
Parodiando o comercial dos anos 1980: existem mil maneiras de preparar ceviche. Escolha a sua.