Bruno Agostini
Em 2022 a chef Aninha Carbonell lançou, em parceria com a empresária Mariana Rezende, do Bar da Frente, um bolinho delicioso, com nome irreverente: beijo grego, que mistura língua e rabada na mesma bocada. Um sucesso, até hoje. Além de tudo, representa muito bem uma tendência gastronômica que, no momento, é universal: o aproveitamento integral dos alimentos, e a valorização por inteiro dos animais.
A consagração do conceito “do rabo ao focinho”, o que inclui ainda as extremidades, como pés e orelhas, e toda a sorte de miúdos, e cortes até pouco tempo considerados menos nobres. Carne de segunda é algo que não existe. O que existe é quem não saiba prepará-los, já que exigem mais conhecimento técnico e paciência.
No mesmo ano de 2022, o chef Nello Garaventa, multipremiado com o seu restaurante italiano Grado, no Jardim Botânico, abriu no Humaitá a Padella Trattoria. É um lugar que abraçou por inteiro essa filosofia, apresentando aos cariocas um menu repleto de rabada, língua, timo, ossobuco, dobradinha, bochecha… do jeito que o italiano gosta. E o brasileiro também, ainda que não todos.
Esses ingredientes estão entre os pratos de mais destaque no cardápio, que traz bolinhos de rabada; trippa alla parmegiana, uma notável dobradinha em molho de tomate e Parmigiano Reggiano; bottoni (uma massa em formato de botão) de língua; papardelle de ossobuco, marubini panna (massa fresca recheada com bochecha de vitelo, com o caldo do cozimento e molho Parmigiano Reggiano) e o grande representante disso tudo: a incrível panelinha de timo de vitelo grelhado com riso al salto. É uma oportunidade única de se provar uma iguaria deliciosa que não se encontra em qualquer outro lugar no Rio: a crista de galo, que enriquece o molho, feito também com endívias e cogumelos, entregando muito sabor e textura à receita, com seu alto grau de colágeno. Um prato fenomenal.
Surfando nessa onda, fizemos uma seleção de lugares que servem outros exemplares incríveis usando miúdos e extremidades, com casas das mais distintas escolas gastronômicas, espalhadas por toda a cidade.
•Bar da Frente: Rua Barão de Iguatemi 388, Praça da Bandeira. Tel.: 2502-0176.
•Padella Trattoria: Rua Conde de Irajá 115, Botafogo. Tel.: 3936-3351.
BUCHADA
Essa aqui você só vai encontrar na Feira de São Cristóvão, e no Recanto Nordestino, em Rio das Pedras. O estômago de bode recheado é uma especialidade sertaneja, que exige preparo cuidadoso, um prato que tem fãs ardorosos. O recheio leva tripas, fígado, pulmão, coração, passarinha e língua, tudo bem picadinho. O molho em que é cozido o bucho, que é costurado com linha, fazendo uma espécie de travesseiro, é rico em temperos, como cominho, colorau, cebola, alho, ervas, pimentão e tomate. Mas, e aí: que tal um sarapatel também?
•Recanto Nordestino: Av. Gov. Leonel Brizola, Estrada do Areal, Rio das Pedras, Jacarepaguá. Tel.: 21-99052-3588.
DOBRADINHA
A dobradinha já foi um prato muito popular nos restaurantes do Rio, aparecendo como indicação do dia em muitos lugares tradicionais, geralmente servida com feijão branco, e embutidos, como paio. Mas, infelizmente, é uma dessas receitas que vão ficando cada vez mais difíceis de se encontrar. Há luz no fim do túnel. Com pouco mais de um ano de vida, a Taberna Rainha, de cozinha espanhola, do chef Pedro de Artagão, serve um prato monumental, chamado callos à Andaluzia, uma dobradinha espanhola com embutidos e grão-de-bico, dentro de um caldo sensacional, tudo servido em tigela de barro borbulhante, fumegante e perfumada. Uma obra-prima.
•Taberna Rainha: Rua Dias Ferreira 233, Leblon. Tel.: 3128-6551.
FÍGADO
Bife de fígado bovino é um PF clássico do Rio, e lamento não ser fácil achar aqui um petisco tradicional de Minas, com ele feito na chapa, com jiló. No alemão Herr Pfeffer, no Leblon, encontramos uma aula exemplar de como tratar o fígado em forma de patê. Entre os aperitivos imperdíveis da casa está a porção que vem com cinco deles, sendo três usando fígados distintos: de boi, galinha e porco – sim, de porco. Para comer com pão preto, mostarda e picles. São produzidos pela Fazenda do Alemão, em Mendes. Escolha o seu preferido: o meu é o suíno.
•Herr Pfeffer: Rua Conde de Bernadotte 26 loja D, Leblon. Tel.: 2239-9673.
LÍNGUA
Essa deliciosa iguaria também faz parte do prato do dia em muitos lugares, e também está no menu convencional de muitos endereços, quase sempre servida em molho escuro, tipo Madeira, com purê de batata ou mesmo arroz à piemontesa. No badalado Surubar, tem até rissole de língua, bárbaro de bom. E, quem quiser encontrar uma proposta diferente e deliciosa pode ir ao Mitsubá, que serve o gyutan, como os japoneses chamam esse músculo bucal. Cortado em finas fatias que são grelhadas na chapa, é um dos petiscos mais imperdíveis deste restaurante que, aos 20 anos, já faz parte da História da Gastronomia Carioca, agora no Leblon.
•Mitsubá: Rio Design Leblon, Av. Ataulfo de Paiva 270, Leblon. Tel.: 2264-1232.
MOCOTÓ
Muitos cozinheiros usam o mocotó escondido, vamos assim dizer, sem anunciar, para dar sabor e estrutura de colágeno a seus caldos, assim como pé de galinha. Para comer um bom e velho prato de mocotó, a sugestão é recorrer ao Escol, em Copacabana, que aliás merece destaque nesta reportagem, porque também serve notáveis dobradinhas, rabadas e outros desses miúdos e extremidades, praticamente gabaritando a nossa seleção de ingredientes do mês. Nesta modesta birosca da Avenida Princesa Isabel, que é até pouco conhecida pelo que entrega, todo o dia é dia de mocotó.
•Lanches Escol: Av. Princesa Isabel 305, Copacabana.
MOELA
Hoje em dia não é difícil encontrar bons petiscos de moela nos bares da cidade, geralmente servidos em caldo espesso de saboroso, com pão para aproveitá-lo ao máximo, montando um bocado com uma fatia dele, um pedaço dela e um pouco deste líquido robusto. Na Casa Porto tem uma inédita moela à milanesa. Ô, sorte. Mas, tem uma versão insuperável. Chama-se “Entre o Torresmo e a Moela”, servida no Bar do Momo, e vem a ser uma tigela transbordante, com o miúdo servido em molho de vinho tinto, com purê de batata-doce bem cremoso, finalizado com a pele de porco crocante, tomate, cebola roxa e coentro, para dar um frescor. É espetacular.
•Bar do Momo: Rua General Espírito Santo Cardoso, 50, loja A, Tijuca. Tel.: 2148-2874.
OSSOBUCO
Os bons restaurantes italianos da cidade sempre vão ter uma boa versão do “ossobuco di vitello ala milanese”, como o Da Brambini, o Casa Tua, o D’Amici e o Gero. Mas, no final do ano passado, o Rio ganhou uma novidade altamente recomendável, e até então inédita na cidade. Trata-se da Alcatra de Carne da Quinta da Henriqueta, que serve uma fumegante e quentíssima panelada, uma receita típica dos Açores: “cozida em baixa temperatura por seis horas em panela de barro com toucinho fumado, vinho tinto, cebola e os temperos do chef”, como informa o menu. As carnes são ossobuco e paleta de boi, e o nome alcatra, no arquipélago atlântico português, está relacionado ao tipo de cozimento, e não ao corte de carne que conhecemos por aqui. É servida com batata cozida ou arroz branco, para prestigiar o molho rico.
•Quinta da Henriqueta: Rua Lopes Quintas 165, Jardim Botânico. Tel.: 2137-7493.
PÉ
Para ganhar o nome de feijoada seria correto dizer que o prato deveria ter, além de carne-seca, paio, costelinha e lombo, carnes salgadas das extremidades: rabo, pé e orelha, que entregam muito sabor e textura – com seus colágenos. O resto, deveria ganhar o nome de feijão gordo (alguns até fazem isso). É uma raridade hoje no Rio achar quem faça feijoada clássica assim, quase nunca esse trio de ouro está presente nas receitas. Há um lugar, porém, onde é garantido a gente ter ao menos um dos três itens, geralmente o pé, na receita: é a Churrasqueira, em Ipanema, que faz feijoada só às sextas, trazendo o seu DNA mineiro, usando feijão vermelho, e nacos maiores de torresmo. Na minha opinião, é a melhor do Rio.
•Churrasqueira Rio: Rua Vinícius de Moraes 130, Ipanema. Tel.: 3689-1009.
RABADA
Assim como a língua e o fígado, a rabada ainda compõe o menu tradicional dos restaurantes do Rio, com até mais destaque e constância nos cardápios, seja o regular, seja o do dia. Além disso, recheia pastel, sanduíche, coxinha, rissoles… Mas… existe o Adonis, e às quartas e sábados o rabo bovino é festejado de quatro maneiras: com a rabada clássica, com agrião, ou em forma de caldinho, para o aperitivo, assim como a chamada panelinha, versão diminuta do prato do dia, além do arroz malandrinho, muito úmido e delicioso. Lembrando ainda que no sábado ele concorre com o angu à baiana, receita consagrada no Rio, hoje rara de se ver, um grande cozido com miúdos bovinos servido com o creme de farinha de milho – o que causa dúvida em muita gente: vamos de rabada ou de angu? Que tal os dois?
•Adonis: Rua São Luiz Gonzaga 2156, Benfica. Tel.: 2026-4186.
TIMO
Os franceses ficam malucos quando descobrem que a Churrascaria Palace serve “ris de veau” em seu rodízio, porque amam a iguaria. O mesmo vale para americanos, ao serem informados que tem “sweetbread” na casa. Já os argentinos não se deslumbram tanto, nem uruguaios, porque a “molleja” é muito popular em seus países. Mas, não aqui. Conhecida com esses três nomes nessas línguas (em italiano é “animelle”), o timo vem ganhando certo espaço nos menus do Brasil, mas ainda com muito pouco destaque. Além da Padella e da Churrascaria Palace, é possível encontrar essa glândula que fica no pescoço dos animais (também tem de cordeiro, por exemplo, mas desconhecemos quem sirva por aqui) no restaurante Pobre Juan. Quem nunca provou, não sabe o que está perdendo.
•Churrascaria Palace: Rua Rodolfo Dantas 16, Copacabana. Tel.: 2541-5898.
•Pobre Juan: Village Mall, Av. das Américas 3900, loja 301, Barra da Tijuca. Tel.: 3252-2637.
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