Caroline Rocha
‘Muito obrigada! Era isso que eu queria. Te amo!” Essas foram as últimas palavras de Sheila Schutz, ditas enquanto abraçava o marido após se casar em um quarto no Hospital do Câncer IV (HC IV). Internada há 25 dias para cuidados paliativos, a merendeira veio de Maricá, Região Metropolitana do Rio, para tratar os sintomas de um tumor no intestino no Instituto Nacional do Câncer (INCA) de Vila Isabel, Zona Norte da capital.
A viagem de mais de 60 km tinha uma razão inquestionável: o hospital é referência em casos sem possibilidade de cura e possui equipes especializadas no controle dos sintomas físicos, psicossociais e espirituais de pessoas com câncer terminal. O objetivo da unidade é promover qualidade de vida e de morte aos pacientes, além do suporte à família.
“A vantagem […] é ter uma equipe altamente capacitada tecnicamente e exclusivamente dedicada ao atendimento e poder ofertar e garantir assistência integral em todas as modalidades de atendimento necessárias, incluindo no foco da abordagem a atenção ao núcleo paciente-família, com extensão à fase do luto”, explicou a Dra. Renata de Freitas.
Lidar com a certeza da morte foi um grande desafio para o marido de Sheila, mesmo assim, ele descreve o passado como uma admirável história de amor. Com as datas marcantes na ponta da língua e dezenas de adjetivos positivos direcionados à companheira, Everaldo Benfeitas, de 57 anos, relata que a qualidade do atendimento foi essencial para que os últimos dias fossem um pouco mais leves e as lembranças, positivas.
“Eu não tenho nada para reclamar. O hospital é maravilhoso. A assistente social, as enfermeiras e os médicos deram todo o suporte do mundo para a gente. Isso aqui não dependia mais deles e nem de mim. A vida é assim. Todo mundo tem sua hora, mas no que eles puderam ajudar, eles ajudaram”, disse ele.
O HC IV é pioneiro no país na promoção de cuidados paliativos oncológicos. Construído em 1998, a estrutura física foi planejada para valorizar conceitos inovadores à época, com espaços para acolher não só os pacientes, mas também os familiares. A unidade busca prover além do tratamento médico essencial, uma concepção inspirada em iniciativas realizadas no Canadá, onde os cuidados paliativos já eram estabelecidos no fim do século XX.
Sheila e Everaldo oficializaram o relacionamento em 2 de março deste ano. Para isso, uma semana antes, houve o batismo da paciente. Os dois eventos foram organizados pela equipe do hospital, que convidou apenas os amigos e familiares selecionados por ela. De acordo com o marido, havia um esforço entre os profissionais da saúde para tornar os momentos no hospital um pouco mais agradáveis. O casório contou com buquê de rosas, tiara para noiva, alianças e o principal: amor.
“Foram 22 anos de muito carinho, muito amor e muito respeito. A gente nem parecia ser marido e mulher. Éramos bons amigos. Tudo nós compartilhávamos um com o outro. Nunca deixei faltar carinho, amor e respeito por ela e ela também nunca deixou faltar para mim”, relembrou Everaldo emocionado.
Sheila foi diagnosticada com câncer no útero no início de 2020, pouco após o casal, que trabalhava na mesma escola, ficar desempregado devido à pandemia. O tratamento começou no Hospital do Câncer II, mas a doença progrediu, atingiu o intestino e foi necessária a transferência.
Os pacientes encaminhados para o Hospital do Câncer IV recebem atendimento personalizado para que o tratamento seja de fato eficaz. A equipe define os procedimentos com base nos recursos disponíveis e no estado de saúde de cada pessoa, a fim de minimizar os riscos de subtratamento ou de tratamentos excessivos e fúteis.
“O HC IV é a unidade responsável pelo acompanhamento de pacientes encaminhados de todas as demais unidades assistenciais, seja ao término das possibilidades de linhas de tratamento e não obtenção da cura ou progressão da doença em vigência do tratamento, não permitindo mais a continuidade de intervenções terapêuticas específicas”, explicou a médica do INCA.
Prestes a completar 25 anos de existência, o hospital atendeu mais de 1.350 pacientes em 2022, um total de 12.191 consultas ambulatoriais, mais de oito mil consultas em domicílio e 1.600 internações.
Vila Isabel ainda conta com mais uma unidade do INCA. Especializado no tratamento de tumores na mama, o Hospital do Câncer III (HC III) faz parte da rede de alta complexidade do SUS. Ao todo, são cinco unidades no Rio de Janeiro, sendo quatro hospitais e um Centro de Transplante de Medula Óssea.