Luisa Prochnik
De braços abertos para a ousadia, a cidade do Rio de Janeiro tem se mostrado um cenário cada vez mais favorável a empreendedores e a investidores na área de inovação. O ambiente é dominado por startups – empresas novas, voltadas para nichos de mercado ainda não explorados e que respondem a desafios modernos.
Este tema traz à mente adultos recém-saídos da faculdade, antenados e da área de tecnologia, e muitas startups são constituídas exatamente por esse perfil de empreendedor. Mas os habitantes do ecossistema das startups são muito mais variados do que se imagina e esses embriões de empresas focam em diversas áreas – incluindo mais ou menos tecnologia, como sustentabilidade, preservação do meio ambiente, educação, diversidade e saúde.
Este ano, em novembro, a capital fluminense será sede da Cúpula do G20, na qual chefes de Estado e de Governo se encontram para aprovar acordos e apontar caminhos para lidar com os desafios globais. O evento prevê também reuniões entre 13 grupos autônomos focados na produção de documentos que venham a influenciar políticas públicas. Um deles é o Startup 20, que aconteceu na cidade em abril, estrategicamente dentro do Web Summit, um dos principais encontros de tecnologia e de inovação do mundo. Em entrevistas, o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes vem afirmando que a meta é fazer da cidade ‘a capital da inovação da América Latina’.
— Queremos soluções inovadoras para construir uma cidade pronta para o futuro. Acreditamos que a tecnologia e a inovação são peças chave na economia, geração de empregos e redução da desigualdade – afirmou Paes no discurso de abertura do Web Summit.
— O investimento em startups é crucial para fomentar a inovação, gerar novos empregos e impulsionar o crescimento econômico. No Rio de Janeiro, a cidade tem se destacado por suas iniciativas para apoiar o ecossistema de startups, como a criação de distrito e hubs de inovação como o Porto Maravalley, investimentos em capacitação e qualificação de mão de obra, principalmente do segmento da sociedade mais vulnerável e de baixa renda – disse à revista ‘Rio Já’ Alexandre Vermeulen, o CEO da Invest.Rio, empresa de promoção e atração de investimentos da cidade do Rio de Janeiro, que, nessa edição do Web Summit, fechou, segundo o site da Prefeitura, pelo menos 10 acordos de cooperação. Estes devem se reverter em US$ 200 milhões em investimentos na cidade nos próximos quatro anos.
— Quando atraímos empresas não estamos apenas trazendo tecnologia e investimentos para a cidade. Os executivos vêm com suas famílias e encontram uma cidade cosmopolita, linda, com excelentes escolas e universidades para seus filhos e uma vida cultural vibrante. Este softpower é muito importante e um grande diferencial para a cidade – exemplifica Vermeulen.
A tendência de se investir em um ecossistema favorável às startups também está fortemente presente em outras esferas, como a federal. No encontro Startup 20, do Web Summit, Márcio França, ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte apresentou caminhos do atual governo na atração e investimento em startups. Já na esfera estadual, a convite do governo do Estado, o economista belga Gunter Pauli lançou o livro “Envigorando o Rio de Janeiro – como surge uma nova economia competitiva que recupera o ecossistema ao mesmo tempo que aborda necessidades sociais urgentes”, com 12 projetos para impulsionar a economia fluminense de forma sustentável. No evento, o pai da ‘Economia Azul’, conceito que alia lucro e sustentabilidade em novos modelos de negócio para a sociedade, afirmou que o livro é um convite aos cidadãos criativos e ousados do Estado do Rio de Janeiro a criar o caminho revigorante para o futuro que todos esperam.
Um dos projetos visitados por Pauli foi a Torre Verde, localizada na Rocinha, em que se trabalha a questão da educação ambiental, da produção de alimento, da geração de energia, da captação da água de chuva em duas escolas dentro da comunidade. A Torre Verde é um projeto que começou experimental e, agora, está incubado no BECO – Incubadora Criativa do CIEDS (Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável), voltada a apoiar e acelerar negócios de impacto de periferia. Leo José é o gerente de área de empreendedorismo do CIEDS, uma organização da sociedade civil, filantrópica, que busca criar soluções que fortalecem territórios e aproximam empresas, governos, organizações sociais e pessoas.
As diferenças entre startups e negócios de impacto são muitas, a começar pela origem do capital que investe em cada setor. No privado, há a dependência do capital de risco e a busca por lucro. Já os negócios de impacto recebem verbas de filantropia e de editais, como é o caso do BECO, um dos projetos aprovados no programa Favela Inteligente, da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro). Projetos que dão certo e trazem benefícios para a sociedade não precisam terminar quando a verba dos editais chega ao fim, nem depender totalmente de filantropia. Esse é o desafio que a Torre Verde está enfrentando nesse momento.
Investir no ousado e no criativo é ampliar a chance de o Rio se tornar uma cidade com mais empregos, inovadora e produtora de soluções sustentáveis
— Olhar para essa iniciativa como negócio, gerando receita, gerando produto, gerando serviço. E essa receita ser dividida de forma justa, para quem trabalha e para a estrutura – relata Leo José.
Para essa finalidade, projeto está incubado no BECO, sendo visto como um negócio social, autossustentável, podendo ser replicável em outras comunidades.
O educador ambiental Gilliard, nascido e criado na Rocinha, trabalha na Torre Verde, que, atualmente, recebe visita de 17 turmas das duas escolas, alunos que aprendem a descartar resíduos de forma correta, a plantar árvores e comestíveis e a importância do reaproveitamento de materiais, da água, da luz do sol. Os alunos exploram a torre, uma estrutura de andaime com quatro pavimentos. No nível mais alto, foram instaladas oito placas solares para a geração de energia limpa e que hoje geram economia de mais de três mil reais na conta de luz das duas escolas. No terceiro andar, ficam acomodadas quatro caixas d’água de 500 litros, responsáveis por receber e armazenar água da chuva, e é também o local da horta comunitária para a produção de alimentos orgânicos. No segundo nível, com rampa de acesso à torre, há um local para manuseio de mudas e adubo e o andar térreo, reservado para armazenamento de material.
— Um dos modelos de negócio é vender terra. Produzir bastante terra e vender. E ter parcerias com hortifrutis e feiras da comunidade para pegar mais resíduo e vender – explica Giliard, ao apresentar uma máquina que, em 45 minutos, transforma casca de alimento em terra.
— Todos os dias eu vou na cozinha das duas escolas, pego as cascas de alimento que sobram da hora do almoço e produzo nossa própria terra.
Gilliard cita também o plantio de PLANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), que podem proporcionar parceria com restaurantes da comunidade. Além de cursos de capacitação oferecidos aos pais dos alunos que já frequentam a torres e a outros interessados.
Do legado para toda uma cidade ao impacto dentro de uma comunidade, investir nos ousados e criativos é ampliar a chance de o Rio de Janeiro se tornar uma cidade com mais empregos, inovadora e produtora de soluções sustentáveis para desafios contemporâneos.