Luisa Prochnik
A onça pintada é um animal em situação de vulnerabilidade no Brasil. Com a redução de áreas florestais e de alimento, o predador de topo de cadeia torna-se cada vez mais raro, concentrando-se, principalmente, no Pantanal e na Floresta Amazônica, mas ainda presente, embora escassamente, em outros biomas, como a a nossa Mata Atlântica. Unidos pelo mesmo propósito, a arte e o ecoturismo apresentam soluções complementares para preservar o maior felino das Américas.
No Pantanal, moram a Esperança e a filha Natureza, o Fantasma, o Houdini, a Juju, entre outras. No Rio de Janeiro, estão a ‘A Brasileira’, ´O Nascer do Sol na Mata’, ‘Guardião das Águas’… Os dois grupos são formados por onças pintadas, sendo o primeiro composto pelos predadores selvagens repletos de rosetas, manchas pretas características das onças pintadas, que tornam cada uma única. Já o segundo grupo refere-se a esculturas de onças, também pintadas, mas, nesse caso, por artistas, com muitas cores e criatividade. A relação entre as onças pintadas de verdade e as obras de arte pode ser resumida por apenas uma palavra: propósito.
– A onça pintada é um animal que está em uma situação de vulnerabilidade em uma escala oficial. E quando você fala de uma espécie de topo de cadeia, tem uma pirâmide abaixo dela, que é dependente da sua proteção para sobreviver. Então, a gente criou a Jaguar Parade – conta Carolina Barreto, co-fundadora e sócia da Artery, empresa que já nasceu com o propósito de unir arte a causas ambientais, idealizadora e coordenadora do projeto.
Predador topo de cadeia alimentar não serve de alimento para nenhum animal, mas contribui com o equilíbrio ecológico da região que habita, por caçar animais como queixadas, capivaras e jacarés, o que mantém regular o tamanho das populações de suas presas. A onça pintada é um animal de superlativos: pode chegar a 135 quilos, é o maior felino das Américas e o terceiro maior felino do mundo, atrás do leão e do tigre. E demanda espaço, muito espaço, para viver e se reproduzir. A presença de onças pintadas, com garras grandes e afiadas, é, portanto, a certeza de que aquele meio ambiente está saudável, preservado. Situação que, infelizmente, não é realidade em boa parte do território brasileiro. A Floresta Amazônica e o Pantanal são os biomas onde as onças pintadas se encontram em maior número. Já a Mata Atlântica, que domina o estado do Rio e a região sudeste como um todo, ainda apresenta indivíduos dessa espécie, mas são cada vez mais raros, principalmente, devido à expansão imobiliária.
A Jaguar Parade é realizada desde 2019 e espalha por uma cidade escolhida sede estátuas de onças pintadas, inicialmente brancas a serem, de fato, pintadas, por artistas.
Propósito foi também o que levou Lili Rampin, bióloga, até o Pantanal, trabalhar com o grupo de onças pintadas e batizadas, algumas citadas no início da reportagem. Antes de chegar à região centro-oeste, Lili trabalhou em zoológico e em um centro de resgate de animais, indo, posteriormente, para a Serra da Bocaina, na Mata Atlântica, quando, por três anos, tentou captar imagens do animal no local, distribuindo câmeras pela floresta, sem sucesso.
– Eu falava para as pessoas que eu trabalhava com onça e as pessoas falavam, nossa você não tem medo? Não, não tenho medo de onça, tenho medo de gente – diz Lili, que foi ameaçada uma primeira vez por caçadores e uma segunda por palmiteiros armados – Eu nem voltei lá para buscar as câmeras, porque elas eram interpretadas como espiãs. Então, eles achavam que eu estava lá para monitorar a atividade deles.
A escolha de Carolina, da Artery, em trabalhar com propósito encontrou a mesma intenção de Lili Rampin, de preservar as onças pintadas. E, entre as duas, está a Jaguar Parade que, através da arte, doa dinheiro para o Onçafari, além de outras instituições brasileiras, que preservam a onça pintada pelo Brasil. A Jaguar Parade é realizada desde 2019 e espalha por uma cidade escolhida sede estátuas de onças pintadas, inicialmente brancas a serem, de fato, pintadas, por artistas. Cada obra de arte é exposta em pontos turísticos com o objetivo de impactar a população para a importância de se preservar o animal. As estátuas são “uma tela branca” para os artistas atraírem a atenção para as suas próprias causas. Uma das onças, a onça sensorial, pintada e exposta no Parque Lage, no bairro do Jardim Botânico, foi produzida por alunos do Instituto Benjamin Constant.
– A gente chamou de “A Cor da Liberdade”. Da liberdade desse animal que está em processo de extinção e a gente fala também de uma certa liberdade para esse estudante, que adquiriu essa deficiência visual e que tem todas essas barreiras no cotidiano. E ali com a arte no ateliê, no Instituto, ele vislumbra essa liberdade, ele poder extrapolar.
A onça ao lado da sensorial, pintada pelo artista aluno da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, o indígena Tirry Pataxó, traduz, através da arte hiper realista, a matança de onças pintadas.
– Eu sempre tenho uma conexão com as minhas artes. Em cada uma, eu deixo um pouquinho de mim mesmo – explica o jovem artista.
– O Tirry é um pintor muito concentrado e tem trazido questões sensíveis dessa agenda hoje, que é uma agenda histórica dos indígenas, dos povos originários do Brasil – destaca Alberto Saraiva, diretor executivo da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
O carinho com o qual a bióloga Lili Rampin e sua equipe chamam as onças-pintadas, infelizmente, não é regra no Brasil, um país que queima boa parte de suas florestas, mata sua fauna. Recentemente, Gaia, a onça-pintada filha da Esperança, citada no início da matéria, foi uma das vítimas de sucessivas queimadas que vêm acontecendo no Pantanal, de fogo intencional ao fogo causado pelas mudanças climáticas, ambos causados por humanos.
Cada obra de arte é exposta em pontos turísticos com o objetivo de impactar a população para a importância de se preservar o animal. As estátuas são “uma tela branca” para os artistas atraírem a atenção para as suas próprias causas
Em trecho retirado do site do Onçafari é possível dimensionar em parte a tragédia que acontece na região: “O fogo destrói vidas! Entre elas, animais que monitoramos. Nossas reservas no Pantanal estão sendo consumidas pelas chamas. De janeiro a julho o Pantanal já queimou aproximadamente 1,3 milhão de hectares, incluindo muitas áreas de reservas do Onçafari. A intensidade dos incêndios é tão grande que nem as ágeis onças-pintadas conseguem escapar. Algumas onças estão feridas, outras foram encontradas carbonizadas.
O trabalho de recuperação é longo e os custos são altos. Precisamos da sua ajuda para reconstruir recintos, comprar e repor equipamentos, e principalmente dar apoio aos animais sobreviventes”. Aos interessados em doar, só acessar ao site da Onçafari: https://oncafari.org/