Jan Theophilo
Maior nome brasileiro hoje na música pop internacional, Anitta curtia merecido descanso quando a avisaram que o cineasta Estevão Ciavatta, marido de Regina Casé, estava ao telefone e precisava falar com urgência. “Tinha acabado de fazer uma música com o Feyjão sobre Logun-Edé, quando me deu um estalo e perguntei pra ele: ‘Sabe quem é filha de Logun-Edé? Anitta. Vamos ligar pra ela!’ Ele no inicio ficou ressabiado, mas a coisa avançou”, conta Estevão.
Começava assim a ser construída a parceria em torno da composição do samba-enredo com da Unidos da Tijuca, que abrirá o desfile do Grupo Especial na segunda-feira, 3 de março. “Quando ele me convidou, primeiro fiquei pensando… Será que sei fazer isso? Nunca tinha feito samba-enredo na vida. Mas o Estevão insistiu, dizendo que a turma de compositores era gente muito boa”, narra a cantora.
E bota gente boa nisso. Estevão e Feyjão escalaram time que contou com a participação de Luiz Antônio Simas, Miguel PG, Gusttavo Clarão, Fred Camacho e Diego Nicolau para comporem juntos o hino. A final do concurso na escola aconteceu em setembro do ano passado, com três outras composições disputando a preferência para o enredo “Logun-Edé – santo menino que velho respeita”, do carnavalesco Edson Pereira.
“Beleza, bravura e ousadia. Está no fundo dos rios das matas. Entre o ontem e o amanhã, é o olhar encantado que a Tijuca levará para a Sapucaí em 2025. Loci, Logun, Loci”, explica Pereira. Segundo ele, o enredo sobre o menino respeitado pelos mais velhos, conforme a sabedoria oral dos candomblés, era desejo antigo dos torcedores.
“Logum-Edé é filho de Oxum com Oxóssi. Consegue ao mesmo tempo ser o guerreiro e o bailarino, o caçador e o pescador. Essa questão da dualidade e da complexidade que no fim das contas faz parte de muita gente. Esse enredo, esse samba, é também um grito de combate contra o racismo religioso”, analisa o compositor e escritor Luiz Antônio Simas, que pela primeira vez deixou a banca de jurados do Estandarte de Ouro para participar da composição de um samba e já emplacou uma vitória. “Acho que foi bonito primeiro por causa do tema, a gente está vivendo período muito grave de intolerância religiosa. A Anita chegou junto, colaborou, está junto ativamente e eu torço muito para ela estar com a gente na Sapucaí. O refrão do meio é muito bonito: quando Logun Edé sai da África e vem ao Brasil, a gente ao invés de usar o navio negreiro, usamos o cavalo marinho, rompemos com o navio negreiro, é o cavalo marinho que traz esse encantado”.
É quase certo que, devido a sua agenda, Anitta não participe do desfile. Por outro lado, a presença dela na composição do samba está sacudindo a garotada da escola. “Acho que a Anitta não tem a dimensão do que está trazendo. Você não faz ideia do numero de adolescentes querendo desfilar esse ano. Vai ser recorde”, festeja Mestre Casagrande, que comanda a bateria da azul e amarelo. “É muito legal ver a Anitta nesse mundo da composição. Ela acrescenta mais interesse a esse período de Carnaval que é justamente o que as pessoas menos conhecem”, sublinha Gabriel David, presidente da Liesa.
Naturalmente, nem tudo são flores quando se tem um parceiro de composição que, além de ser uma das maiores estrelas internacionais do momento, está sempre viajando pelo mundo. “Ela passou horas online com a gente, participando de tudo. Mas acho que esse foi um dos momentos mais gratificantes da minha carreira. Um sonho realizado!”, celebra o compositor Diego Nicolau, ressaltando a dedicação de Anitta. “Foi muito bacana vê-la lá nos Estados Unidos com a camisa da Tijuca, participando da composição e cantando um samba que fala de um orixá desse tamanho, dessa magnitude. Maravilhoso!”, exulta o interprete Ito Melodia.
Mesmo ausente da final devido aos compromissos profissionais, Anitta expressou anteriormente sua empolgação com o projeto e o desejo de conquistar o título na competição. Ela postou um vídeo com a música pronta e escreveu “Ganhamos”. A cantora não esconde que se divertiu. “Eles faziam uma rodinha na mesa e eu ficava online ouvindo tudo que estavam fazendo e dando palpite”.
Até o momento decisivo, quando ela avisou que não estava gostando de nada. “Disse a eles: como filha desse orixá, acho que o comportamento dele é sair fazendo o que está a fim, do jeito dele, e os outros que lidem com isso. Eu dizia que achava que a música inteira tinha que parecer um refrão eterno. Sempre refrão”, relata a cantora. “Aí, falei daquele momento, quando Oxalá botou essa sentença nele: de cada vez que ele estivesse prestes a concluir um ciclo, ia ter que começar tudo de novo, tinha que ir para parte final. É o gancho para começar de novo.“
E como nessa terra tudo vira Fla-Flu, teve crítico reclamando da escalação da Poderosa alegando que não passava de uma jogada de marketing. Baita besteira. A cantora, que é candomblecista, já havia usado a sinopse do enredo da escola do Borel como legenda das publicações em que divulgava o clipe de “Aceita”, que tem sua vivência na religião como foco narrativo. Após o anúncio do tema do vídeo, Anitta perdeu mais de 200 mil seguidores em sua conta oficial do Instagram.
A grande dúvida agora é saber se ela conseguirá atravessar a Sapucaí com a escola. As chances são pequenas, em função da tal agenda internacional. Indagada sobre o problema ela responde no melhor estilo Anitta. “Quero muito estar lá. Porque fiz parte e quero muito ver isso pessoalmente. Não mandei me convidar, mas já que cheguei: eu sou Tijuca!”, arremata, repetindo o grito de guerra da gravação oficial do samba.
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