CULTURA: RIO, CIDADE DO CINEMA

A Riofilme anunciou que vai inaugurar em novembro o Cine Carioca José Wilker

Jan Theophilo

Uma das mais antigas novelas da cidade está chegando ao fim. E o bom é que vem com um baita final feliz. Após duas décadas de controvérsias, licitações canceladas e muita confusão, a Riofilme anunciou que finalmente vai inaugurar agora em novembro o Cine Carioca José Wilker, no belíssimo edifício das Casas Casadas, em Laranjeiras. O nome é justa homenagem ao ator e crítico de cinema, morto em 2014. Wilker, que nasceu em Juazeiro do Norte (CE), em 1946, presidiu a RioFilme por cinco anos, entre 2003 e 2008. A gestão do cinema ficará a cargo da Arte Vital Exibições Cinematográficas LTDA, que já administra o Cine Santa, em Santa Teresa.

As Casas Casadas eram originalmente um belo conjunto de seis unidades residenciais autônomas em arquitetura neoclássica. Foram construídas em 1883 pela família Leal e tombadas em 1994 pela Prefeitura do Rio, por se tratar de um exemplar único de residência multifamiliar do século 19. Em dezembro de 1996 a Prefeitura adquiriu o imóvel e iniciou as obras de restauração, para fazer delas um Centro Cultural. No local funcionaria a sede da Riofilme e do Centro de Referência do Audiovisual da Cidade do Rio de Janeiro, no qual o público teria acesso gratuito ao acervo digitalizado de produções audiovisuais brasileiras. O Centro contaria com sala para exibição de filmes em programações especiais, cabines com equipamento de última geração e salas de exposição. Abrigaria ainda uma livraria, um piano-bar e um restaurante. Mas em setembro de 2004, após muita badalação, o espaço foi reaberto apenas como sede da Riofilme.

“Eu só acredito nessa história do cinema vendo”, brinca o engenheiro André Suppa, morador de um prédio vizinho às Casas Casadas. Segundo ele, ainda em 2004, um amigo teria se interessado em administrar o cinema. “Mas a Riofilme não queria incluir a bomboniere na licitação. E todo mundo sabe que o que paga a conta é a pipoca. Ele então desistiu do investimento”, conta.

Nos últimos meses foram feitos investimentos na troca de toda a parte elétrica e hidráulica, serviços de climatização e acústica, instalação de sistema de prevenção de incêndio, modernização tecnológica, adequações de acessibilidade, instalação de rede wifi, reforma e construção de instalações sanitárias, entre outras melhorias. O Cine Carioca José Wilker terá duas salas de exibição, para 66 espectadores cada. O local tem mais de 897 metros quadrados, que serão divididos entre as salas de cinema e outros espaços de convivência. A construção aproveitou a estrutura de uma antiga sala de cinema, que foi remodelada e ganhou um segundo espaço, além de um cantinho gastronômico e um memorial em homenagem a Wilker, com objetos pessoais do ator cedidos pela família. O investimento ficou na casa dos R$ 2,3 milhões.

De acordo com o secretário Municipal de Cultura, Marcelo Calero, a programação e os filmes exibidos serão de responsabilidade do gestor. “Há algumas diretrizes expressas, como a obrigatoriedade de uma programação que seja diversa e respeite as regras da Lei de Cota de Tela para conteúdo brasileiro”, diz. Calero ressalta que a empresa vencedora deverá cumprir algumas contrapartidas sociais, como compor seu quadro de funcionários com, pelo menos, 30% de mulheres, pessoas pretas ou com deficiência, e disponibilizar à RioFilme 12 sessões anuais, sendo uma por mês. “O objetivo é gerar impacto social junto à população, alcançando, por exemplo, crianças da rede pública municipal de ensino e ou grupos vulneráveis que têm pouco acesso às salas de cinema”, explica.

“A abertura do CineCarioca José Wilker vai ao encontro de uma das metas primordiais da RioFilme, que é investir na ampliação das salas de cinema de rua no Rio de Janeiro. É uma dupla satisfação poder celebrar a memória do grande artista que foi Wilker e entregar ao bairro de Laranjeiras esse espaço dedicado à arte e à cultura”, comemora Eduardo Marques, diretor-Presidente da RioFilme, em exercício. E, de fato, novas salas estão surgindo pelas ruas da cidade.

A construção aproveitou a estrutura de uma antiga sala de cinema, que foi remodelada e ganhou um segundo espaço, além de um cantinho gastronômico e um memorial em homenagem a Wilker, com objetos pessoais do ator cedidos pela família

Queridinho de muitos, o Cine Santa recebeu investimentos de R$ 700 mil em reformas. A sala de exibição recebeu tecnologia de última geração, projeção a laser e novas caixas acústicas, prometendo qualidade de imagem e som até para os espectadores mais exigentes. Além disso, a bomboniere foi expandida em 200%, oferecendo uma variedade maior de doces e salgados preparados por produtores das comunidades da região. O café do cinema também passou por ampliação, com a instalação de equipamentos profissionais e a inclusão de um cardápio de itens especiais preparados por um barista especialmente contratado.

Mas os novos cinemas de rua do Rio não ficarão restritos ao sol, ao sal e ao mar da Zona Sul. No Complexo do Alemão acaba de ser inaugurado o Cine Carioca Nova Brasília. O cinema recebe mensalmente um subsídio da RioFilme, permitindo que a sala pratique preços sociais na bilheteria. O ingresso sai a R$ 5. A Prefeitura já investiu no equipamento, de 2021 até os dias atuais, mais de R$900 mil.

E sob as bençãos da padroeira do subúrbio acabam de ser inaugurados o Cine Carioca Penha, na avenida Braz de Pina e o Ponto Cine de Guadalupe. “Os três equipamentos têm um papel transformador na vida da população da Zona Norte carioca, além das sessões comerciais, eles preveem em suas agendas sessões gratuitas para crianças, além de outros projetos parceiros conduzidos por líderes comunitários locais”, explica o diretor da Riofilme.

Na década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro contava com nada menos que 198 cinemas de rua. Entre eles, 62 salas com capacidade superior a mil espectadores. Muito mais do que meros locais de entretenimento, eles se constituíam em espaços de socialização comunitária e construção de cidadania. Nas décadas seguintes, muitas foram as últimas sessões para um público cada vez menor, e cada vez mais retraído em casa graças aos confortos ofertados pelas novidades tecnológicas. Mas com a crise dos serviços de streaming, onde a quantidade supera a qualidade, os cinemas de rua parecem querer voltar. No Canadá, por exemplo, a organização do Hot Docs, um dos mais importantes festivais de documentários do mundo, comprou um antigo cinema em Toronto que passa o ano exibindo apenas curtas e longas neste estilo.

E vem mais por aí. Segundo Eduardo Marques, “os próximos cinemas a serem entregues à população carioca serão as salas do Grupo Estação e a Cinemateca do MAM, que também passarão por reforma e modernização”. Partiu um cineminha, aí?