CIDADE: O METRÔ DO RIO É UMA LINGUIÇA

Escada de acesso nos subterrâneos do metrô

Jan Theophilo
Imagine que você more na Saens Peña e tenha uma entrevista de emprego no Leblon? Bastariam duas estações para você descer, tranquilo e perfumado, na Antero de Quental. Ou que você morasse em Niterói e precisasse visitar um parente no Inca?  Ao descer das Barcas, em duas estações você chegaria na Praça da Cruz Vermelha, à porta do hospital. Tudo isso sem acrescentar um único carro ou moto ao trânsito infernal da cidade. Embora tais situações hoje pareçam inimagináveis, poderiam ser reais e são apenas alguns exemplos do imenso e eterno jogo de procrastinação entre governos e concessionários relacionados às obras expansão do sistema metroviário do Rio. Investimentos que começaram, pararam, e acabaram se tornando túneis secretos e estações-fantasmas, que hoje mais parecem servir apenas para fazer a alegria de engenheiros e/ou aventureiros góticos que postam vídeos destes segredos da cidade em diversos canais do Youtube, do que tapar os inúmeros buracos da mobilidade urbana carioca.

Há alguns dias, felizmente, após quase dez anos de paralisação, informou-se que as obras de construção da estação Gávea estão prestes a ser retomadas. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) está sendo negociado entre o governo do estado, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e as concessionárias, visando resolver o impasse que envolve o projeto.

Quando ao planejamento geral, muito do que parecia construção hoje é ruína, e talvez a mais famosa “estação fantasma” da cidade seja a Estação São João, em Botafogo, cujo acesso ficaria na Rua Álvaro Ramos, e onde hoje está instalado o 2º Batalhão da PM. Começou ainda no governo Marcello Alencar, que administrou o estado entre 1989 e 1993. A estação foi escavada e pode ser vista pelas janelas da direita ao percorrer o trajeto entre Botafogo e Copacabana. “O Rio Sul tinha claramente grande interesse na estação e chegou a se oferecer para bancar um túnel de 300 metros com esteiras rolantes e lojinhas até o shopping”, conta Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo. Ela lembra que houve grande mobilização pelo término da obra entre moradores, que chegaram a apresentar ao governador um abaixo-assinado com mais de 20 mil adesões. Mas a estação jamais foi concluída. Pelos bares de Botafogo, dizem que houve pressões para que a então Braskan, administradora do Rio Sul, pingasse algum dinheiro “extra”. Mas, como se sabe, fala-se qualquer coisa pelos bares de Botafogo.

“Embora pareça nostalgia, o tema da Estação São João é muito atual. Ela faria parte da linha que iria até a Gávea, com estações no Humaitá, Jardim Botânico e Praça do Jockey, que é exatamente a mesma proposta que o prefeito Eduardo Paes apresentou em fevereiro deste ano, mas com operação via VLT”, diz Regina.  Ela garante que muitos dos moradores do bairro são contra o projeto municipal, devido aos eventuais transtornos causados pelas obras nas ruas Voluntários da Pátria e Jardim Botânico. “Uma coisa dessas vai levar uns cinco anos para ficar pronta e dar um nó na cidade. Se a Prefeitura está pedindo ao BNDES capital para o investimento, e vive boa relação com o governo federal, por que não une esforços e tenta tirar do papel a linha Botafogo-Gávea? Os estudos já existem — diz ela. 

“Para pensar no Metrô que o Rio poderia ter sido é preciso primeiro entender a topografia da cidade. O Rio se desenvolveu nas baixadas de três maciços: Tijuca, Pedra Branca e Gericinó. Então o Metrô surgiu caminhando pelas beiradas da cidade, a partir da zona central”, afirma o arquiteto e urbanista Carlos Murdoch. O erro, segundo ele, foi a insistência na extensão de uma linha só (a nossa grande linguiça). “Hoje a prioridade absoluta seria fechar o anel da Linha 1 concluindo a ligação Gávea-Uruguai”, afirma. Este túnel começou a ser escavado. Mas, segundo a assessoria de imprensa do Metrô, quem cuida de expansões e construções é o governo do estado que, como se sabe, enfrenta percalços financeiros. “O problema do Metrô do Rio é geográfico, ou você está cavando terra, ou está explodindo rocha, o que encarece qualquer obra”, comenta o engenheiro Giordano Bruno Pinto, um dos maiores especialistas em implosão no Brasil, que atuou em muitas obras do Metrô.

Curioso é que esta grande linguiça esteve entre os cinco primeiros projetos de Metrô do mundo. Bem, não um Metrô subterrâneo propriamente dito, mas, em agosto de 1889, exatos 26 anos depois da inauguração do Metrô de Londres e um ano antes do de Paris, a “Empresa de Obras Públicas do Brazil” finalizou os estudos para a implantação de uma ferrovia elevada de 9,5 km entre o Largo da Carioca e Copacabana — onde havia a previsão de construção de uma grande vila operária. Em dezembro do mesmo ano foi criada a Estrada de Ferro Metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro e Distrito Federal, uma ferrovia circular eletrificada, ligando o Centro a bairros distantes como o Leblon e Jacarepaguá. Para dar uma noção de grandeza do empreendimento, nessa época só havia quatro companhias de bondes, de tração animal, operando na cidade: Jardim Botânico, São Cristóvão, Villa Isabel e Santa Thereza.

E por mais incrível que pareça, dois anos depois o Banco da República dos Estados Unidos do Brazil, liberou um empréstimo (sem juros!) para a construção da agora chamada Metropolitana, com novas estações, inclusive até a Ilha do Governador. No dia 24 de setembro, em cerimônia com a presença de sua excelência o presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, teve início a construção do primeiro trecho da Metropolitana, com 3,135 km de extensão, entre o Largo da Carioca e o Largo do França, em Santa Thereza. Mas o que os empreendedores não contavam era com a força político-financeira dos donos das linhas de bonde, que foram radicalmente contra o projeto, na defesa de sua exclusividade na exploração do serviço de transporte de passageiros na cidade. No fim, os burros venceram. As obras foram embargadas, os tapumes e andaimes demolidos, e após três anos de briga judicial, a Metropolitana foi oficialmente extinta.

O fato é que seja por lobby, astúcia, ou mesmo falta de recursos, desde 1889 até a inauguração da primeira estação em 1970, nada menos que meia dúzia de grandes planos para o Metrô foram apresentados ao Rio. Teve projeto ousado, como o de 1894 que pensou uma ferrovia de Botafogo a Angra dos Reis, passando pela Barra. Teve projeto que deu com os burros n’água, como o de 1933, cuja concorrência para operar 13 estações ficou aberta por 18 meses sem que nenhum interessado aparecesse. E até ideias com costas fortes, como a da Light, em 1947, que pretendia escavar uma linha pelo Centro da cidade. “A verdade é que o Metrô é uma questão complexa e política. Porque o sistema demanda muitos recursos e demora para ficar pronto. Então, infelizmente, é mais fácil e dá mais retorno político construir “X” unidades habitacionais, que, sim, são importantes, mas não mudam estruturalmente os rumos da cidade”, diz o vereador Pedro Duarte.

“O Metrô não pode ser uma escolha política, e o maior exemplo disso aconteceu durante o ciclo olímpico”, diz o professor Carlos Murdoch. Para quem não lembra, como a Barra da Tijuca seria a sede de importantes eventos dos Jogos, o então governador Sérgio Cabral decidiu que iria levar o Metrô até o bairro. “Ele fez inúmeros malabarismos para concluir as obras da Barra até as Olimpíadas”, protesta a presidente da Associação de Moradores de Botafogo. O empreendimento foi cercado de controvérsias, acusações de superfaturamento na ordem de R$ 3,8 bilhões, o que elevou o custo total a exorbitantes R$ 14 bilhões. E, como se fosse possível piorar o que já era ruim, a lambança levou em sua corrente um projeto já iniciado que mudaria efetivamente o trânsito da cidade.

“Era um estudo da década de 1960, que começou a ser executado pela Camargo Corrêa em 1988 e em 2015 suas obras de finalização anunciadas com muita publicidade pelo governo do estado: a ligação Estácio-Praça XV”, lembra o pesquisador em transportes coletivos Pedro Lobo. Em seu trajeto haveria uma estação no Catumbi (fazendo ligação com o Sambódromo), outra na Praça da Cruz Vermelha até chegar ao terceiro subsolo da Carioca, para depois seguir até a Praça XV, permitindo a conexão com a estação das Barcas. “Essa extensão permitiria ainda o uso dos trens da Linha 2, que podem ter até dois carros a mais do que os da linha 1, ou seja, um aumento significativo na capacidade de passageiros”, diz Pedro.

O que foi efetivamente construído desta extensão da Linha 2 é hoje um dos grandes mistérios da cidade. Nenhum pesquisador ou autoridade ouvidos pela reportagem consegue montar o quebra-cabeça com precisão. Que o terceiro subsolo da Carioca está prontinho da silva não restam dúvidas. Em 2015, o então estudante de arquitetura Atilio Flegner acompanhou uma comissão de professores da UFRJ para visitar o terceiro subsolo e ficou espantado com o que viu: “a estrutura para a extensão da Linha 2, a plataforma dos passageiros, escadas e acessos estão praticamente prontos. Tem trechos que já receberam acabamento de pastilha nas paredes. A obra está parada desde a década de 1980 por falta de investimentos”, lamenta. Além disso, a partir da estação Estácio, existem 150 metros de túneis com trilhos já instalados na direção do Catumbi, que começou a ser escavada. “Durante algum tempo diziam que esse túnel não existia. Até que um dia um trem não conseguiu frear direito e avançou mais de 50 metros adentro até parar”, lembra Pedro Lobo.

Solução para melhoria dos sistemas de trânsito no mundo inteiro, não há dúvidas de que o Metrô do Rio cresce devagar. De 1970 até hoje ele é composto por 41 estações, divididas nas Linhas 1, 2 e 4, e percorre 54,5 quilômetros. Para efeitos de comparação, o Metrô de Shanghai começou a ser construído em maio de 1993. Hoje compreende 223 estações que, somadas, totalizam 335 quilômetros de extensão.

PELO MENOS A ESTAÇÃO GÁVEA PODE SAIR Paralisadas há quase dez anos, as obras de construção da estação Gávea do metrô devem, enfim, ser retomadas. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) vai selar a paz entre governo do estado, Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e concessionárias. O fim do impasse foi informado a representantes da Associação de Moradores e Amigos da Gávea (Ama-Gávea) pelo chefe de gabinete da Secretaria estadual de Transportes e Mobilidade Urbana, Rogério Sacchi, e confirmado à RIO JÁ, por meio da seguinte nota: “A Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana informa que o secretário Washington Reis se reuniu com o Ministério Público e com o Tribunal de Contas do Estado, na última segunda (18), para tratar sobre a retomada das obras e a consequente conclusão da estação Gávea do metrô. As partes envolvidas finalizam, em conjunto, a elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta, a fim de dar o melhor desfecho para o imbróglio histórico e entregar a tão aguardada estação à população”.  “O importante neste momento é tirar o risco”, afirmou o secretário Washington Reis, se referindo ao buraco da futura estação, de 35 metros da profundidade, coberto por água desde 2017. Segundo o secretário de Transportes, a execução das obras durará entre 25 e 26 meses. Pelos cálculos feitos pelo governo estadual as obras custarão R$ 700 milhões, sendo R$ 100 milhões custeados pelo governo na etapa final do trabalho. Entretanto, a ligação da Estação Gávea com a Estação Uruguai ficou para as calendas.