CATEDRAL ETÍLICA DE ESQUERDA

POR AYDANO ANDRÉ MOTTA

É transparência que você quer? Não seja por isso – no Bar do Omar, qualquer dúvida desaparece logo na entrada, no painel gigante, colorido, de alto a baixo na parede, a barba e o cabelo de Luiz Inácio Lula da Silva substituídos por flores e um beija-flor. A linda obra, da artista plástica Rafamon, serve de assinatura da casa e de aviso aos noviços. Ali, funciona o bar mais assumidamente petista do Rio – possivelmente, do Brasil. E olha que está pequeno. No plano original, a obra seria maior e ficaria na fachada, numa subida do Morro do Pinto, região portuária do Rio. De qualquer jeito, serve de chamariz à clientela e retrato da atitude que deu fama ao criador do formato, Omar Machado dos Santos Monteiro, 32 anos. Ele virou a cara do lugar (especialmente nas redes sociais) gerido por sua família – o nome do bar, aliás, é do pai, o Omar original.

Mas chamar de estratégia seria fake news. A opção pela esquerda e a devoção ao líder petista estão no sangue e no coração da família toda, que tem no primogênito sua face pública. “Nossa vida sempre foi difícil, mas não abrimos mão do que acreditamos. Quem não gosta…”, define Omar (o filho), completando com um palavrão clássico. Em seguida, oferece reflexão sobre a importância do que defende: “Levar um pouco da discussão política para o lazer pode ser muito transformador”.

Mas nesses tempos de rancores e rompimentos, estresse e mágoa, gritaria e soco na mesa, o Bar do Omar não endossa o clima bélico – muito ao contrário. “Nossa posição é de defesa, não de ataque a qualquer ponto de vista”, garante o dono, jurando que há muitos bolsonaristas entre os frequentadores.

Mesmo na maluquice em que o Brasil mergulhou, faz sentido – Omar carrega o sorriso e a simpatia tatuados no rosto, como um carioca de almanaque. Gosta de contar que tem um bolsonarista entre seus melhores amigos, e a relação sobrevive sem arranhões. Orgulha-se também de ter conseguido mudar a posição de muitos confrades do Morro do Pinto, eleitores do capitão que viraram progressistas. “Chamar todo mundo de fascista, racista, pobre de direita não resolve”, receita. “Essas escolhas não são simples. Há muitos Brasis diferentes do nosso. A política muitas vezes se desconecta da vida real”.

A opção progressista tem como alicerce a autenticidade (explicação também para o sucesso de público) e surgiu em momento difícil. Era o início de abril de 2018 e o patriarca tivera um infarto, obrigando o filho a deixar o emprego na área de gestão e planejamento – conseguido após a conclusão da faculdade de Administração, cursada graças ao Prouni – para cuidar do bar.

Numa noite de movimento fraco, enquanto fechava, Omar filho, triste, postou uma foto do ídolo petista no Instagram e escreveu a legenda: “Estamos com Lula e vamos com ele até o fim”. Continuou no texto: “Não existe ambiente mais democrático do que um bar, e nosso bar, doa a quem doer, se manterá firme, de braços dados com todos aqueles que se mantiveram no lado certo da história. A história irá te absolver, querido”, protesto contra a prisão decorrente da Lava-Jato, que inviabilizou a candidatura presidencial naquele momento.

O post viralizou, até virar notícia: “Bar desafia ministro da Justiça”, escreveu o colunista Ancelmo Gois, d’O Globo. Uma multidão procurou o bar, que nunca mais ficou vazio. “Uma onda absurda”, atesta Omar. “E ó, foi zero estratégia. Só estava reclamando daquele momento”, ratifica ele, que antes protestara pelo golpe contra Dilma Rousseff e pintara um “Fora Temer” na parede do bar, sem sucesso entre a clientela.

Tudo sempre com o aval dos pais e da irmã que cuidam do empreendimento desde que era uma pequena mercearia, comprada por Omar pai com o dinheiro da indenização do trabalho como segurança de banco, em 2000. “É o que a gente acredita”, explica o filho, que nasceu no Morro do Pinto, onde sua família está desde 1914. Contra eventuais adversários e retaliações, eles usam a ética. “Dá trabalho, mas mantemos tudo certinho, todos os impostos e taxas em dia. Procuramos não vacilar”, atesta.

Está valendo a pena. O Bar do Omar é uma delícia, com samba, ótima comida, atendimento fraterno, sob a paisagem da Baía de Guanabara, com seu entardecer cinematográfico. Janja, a mulher do líder petista, esteve lá algumas vezes e aprovou o superpopular bolinho de lula com chuchu que, como nada é perfeito, saiu do cardápio.

O marido dela ainda não foi, mas Omar esteve com ele um punhado de vezes. “Nas primeiras, só chorei. Agora, estou acostumado, chamo de papai. Ele sempre pergunta como vai o bar”, comenta o empresário, que foi ao casamento dos dois, em maio passado. “Quando ele vier aqui, terei que fechar. Imagina o tumulto!”

Se Lula decidir aparecer de surpresa, vai aqui um serviço: o Bar do Omar funciona quintas e sextas, de 17h13 à 0h13; sábado, de 15h13 à 0h13; e domingo, de 15h13 às 23h13. Mais claro – e petista –, impossível.