Jan Theóphilo
Quando o Cristo Redentor foi escolhido como uma das sete maravilhas do mundo moderno, em um ranking criado em 2007 pela organização suíça New Open World Corporation, ecologistas criticaram a decisão. Diziam que a estátua de 30 metros de Paul Landowski não merecia tal honraria, mas sim o Parque Nacional da Tijuca, onde está instalado. Reforçavam que, se o monumento estivesse em um local menos paradisíaco, como uma comunidade pobre da cidade, talvez sequer fosse lembrado por alguém. Hoje, de novo, os ambientalistas se articulam para tentar brecar a instalação de uma das atrações mais curiosas que os cariocas verão desde a chegada da roda-gigante do Porto Maravilha ou do AquaRio: uma tirolesa com quatro linhas paralelas entre o Pão de Açúcar e o morro da Urca.
Quando inaugurada (a previsão é para outubro deste ano), os aventureiros descerão a quase 100 km/h durante cerca de um minuto os 755 metros de cabos de aço do itinerário – com direito a um visual inigualável. O brinquedo é uma espécie de ponta de partida para um projeto mais amplo, que prevê várias ações visando à modernização do famoso ponto turístico pelos próximos 10 anos.
A reação ao projeto mobilizou pesos-pesados entre os ambientalistas do Rio, como o ex-deputado Fernando Gabeira, o deputado estadual Carlos Minc ou o presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, Sérgio Besserman Vianna. Embora reconheça a qualidade do projeto, para o economista e ex-presidente do IBGE, a tirolesa está na contramão da história. “Todas as cidades protagonistas da revolução sustentável têm ações de renaturalização. Berlim chega ao ponto de toda a cidade estar recuperando a fauna local. Sendo assim, o Rio trocaria uma paisagem natural iconográfica por uma construção, ou seja, na contramão”, diz Sérgio.
As críticas mais pesadas, entretanto, vieram do sempre alerta deputado Carlos Minc. O parlamentar afirma que. ao longo dos dois anos e meio que o projeto levou para ser aprovado nas esferas municipal e federal, os empreendedores foram fazendo mudanças e pedindo licenças complementares. “No início, informaram que não iam cortar nada da pedra. Mas depois que foram flagrados cinco caminhões de pedra saindo de lá, mudaram o pedido, dizendo que realmente tinha corte de rocha. O que é completamente proibido nesse monumento natural, que é uma Área de Proteção Permanente e Patrimônio Mundial da Unesco. Quer dizer, o que pediram no início era uma falsidade. Depois de flagrados é que acrescentaram que tinha mesmo corte de rocha. Também nos pedidos iniciais do ano passado, diziam que não teria nenhuma ampliação. Nos seguintes, em dezembro e agora em janeiro, começaram a dizer que tem que ter a ampliação das construções, porque vai aumentar o movimento turístico. Mas esse tipo de ampliação também é vedado”, afirma o deputado Carlos Minc, que apresentou projeto à Assembleia do Rio que, se aprovado, proibirá quaisquer novas construções no Pão de Açúcar.
O zumzumzum envolvendo o projeto (assinado pelo renomado escritório de arquitetura Índio da Costa), foi tamanho que chegou a circular a “informação” de que os gritos de pavor dos usuários iriam interferir no ecossistema e no sossego dos moradores da Urca. Isto levou os organizadores a promover, no último dia 12 de abril, uma live para esclarecer as dúvidas e estranhamentos da turma do bairro e adjacências. “É importante salientar que o processo de licenciamento do projeto da tirolesa tomou quase dois anos e meio de discussões com os órgãos licenciadores. E todas as licenças foram obtidas”, diz Sandro Fernandes, CEO do Parque Bondinho Pão de Açúcar: “a concepção da tirolesa nasceu sobre dois aspectos. O primeiro quando estávamos analisando a nossa visão, que é a de se tornar a melhor plataforma integrada de experiências sustentáveis: criar um momento único da pessoa com a natureza. E analisando um aspecto importante: o Pão de Açúcar é altamente correlacionado ao esporte”, diz. Estima-se que quase 300 mil pessoas todos os anos sobem a trilha da pista Cláudio Coutinho até o Morro da Urca. Fora outros 10 mil montanhistas que anualmente escalam as quase 200 vias de acesso do Morro da Urca e do Pão de Açúcar.
O ponto de partida da tirolesa ficará no mesmíssimo local de onde partiam os primeiros bondinhos no século passado. Não há previsão de aumento significativo de público, já que serão entre 100 e 120 “decolagens” diárias. Os bilhetes deverão ser comprados antecipadamente para que se possa diluir os aventureiros ao longo do dia. E os trolleys (as cadeirinhas que amarram o passageiro no cabo) permitirão que cadeirantes vivenciem a mesma experiência que qualquer outro usuário. Durante as obras, foram retiradas 14 árvores de nove espécies diferentes que não fazem parte do ecossistema do Pão de Açúcar (algumas até de fora do Brasil). Em compensação, foram plantadas 83 árvores de espécies nativas. “O projeto é delicado e integrado na paisagem. Esses locais foram extremamente estudados para que não desfigurem o morro, escolhendo assim lugares onde o homem já havia interferido”, diz o arquiteto Índio da Costa.
Apenas para efeito de comparação, a tirolesa da Urca é quase um suspiro. A maior do Brasil, conhecida como K2000, tem pouco mais de dois quilômetros e é tão comprida que está localizada entre dois municípios do Vale do Itajaí/SC: Rodeio e Benedito Novo. Já a maior do mundo é a de Jebel Jais, inaugurada nos Emirados Árabes Unidos em 2008. Partindo da montanha mais alta do país, o início da descida está a 1.680 metros acima do nível do mar e o trajeto se estende por 2,8 km, o equivalente a 28 campos de futebol.
No intuito de derrubar de vez o argumento de que a gritaria dos apavorados afetaria a tranquilidade da vizinhança, uma empresa especializada em acústica foi contratada e instalou caixas de som embaixo dos teleféricos. Foram reproduzidos os sons reais de quatro pessoas berrando em conjunto a plenos pulmões – um cenário impossível de se replicar na realidade. “As conclusões demonstraram que tanto na Urca, quanto na unidade de conservação e na pista Cláudio Coutinho, as captações apontaram volumes inferiores ao definido pela legislação”, diz Marcelo Gomes, diretor de Novos Projetos do Parque: “E em alguns pontos, o som ambiente era até mesmo superior ao emitido pela tirolesa”. Quanto à crítica de que se estariam cavando o rochedo, o diretor técnico do Parque Diego Scofano admite que houve, sim, intervenções na rocha, mas elas foram mínimas, autorizadas pela Geo-Rio e sempre visando à acessibilidade ou segurança. “E essas intervenções foram realizadas em áreas já construídas, algumas delas antigas áreas técnicas que estavam foram de circulação”, afirmou.
Finalmente, pelo jeito nem os montanhistas cariocas estão torcendo o nariz para o projeto. Para Fábio Nascimento, presidente da Associação Carioca de Turismo de Aventuras (ACTA), a tirolesa é mais um produto, uma oportunidade, a ser oferecida aos visitantes da cidade. “São na verdade várias oportunidades: minha associação é formada por pequenas empresas e o impacto para elas será muito positivo, com novos empregos sendo gerados”, diz ele: “com a tirolesa a gente vê o Rio atingindo um novo patamar, se tornando referência também em turismo de aventura. Quando a imagem da tirolesa se espalhar pelo mundo trará mais notoriedade à cidade mais linda do mundo”.
O Ecoturismo e Turismo de aventura é um mercado mundial que movimenta quase US$ 1 trilhão, no qual o Brasil ocupa a 6ª colocação como destino mais procurado, sendo o principal motivo das viagens de 18,6% dos visitantes externos e de 25% dos visitantes internos no país. Já o Pão de Açúcar é um dos símbolos do Rio e do Brasil, reconhecido em todo o planeta e visitado por 1,6 milhões de pessoas no ano de 2022.
Há registros de que pelo menos desde o século XIX a vista espetacular da Baía de Guanabara levou curiosos e alpinistas a escalar o Pão de Açúcar. Até que em 1908 o engenheiro Augusto Ferreira Ramos idealizou um sistema teleférico que facilitasse o acesso ao alto do rochedo. Quando o bondinho foi construído, só existiam dois no mundo: o teleférico de Monte Ulia, na Espanha, com uma extensão de 280 metros e que foi construído em 1907; e o teleférico de Wetterhorn, na Suíça, com uma extensão de 560 metros, construído em 1908. Para realizar seu empreendimento, Ramos teve de passar o chapéu entre figuras conhecidas da alta sociedade carioca, como Eduardo Guinle e Raymundo Ottoni de Castro Maya. O projeto inicial previa uma outra ligação do Morro da Urca até o Morro da Babilônia, no Leme, mas foi descartada por passar por uma área considerada de segurança nacional.
Para esticar o cabo foram mobilizados mais de 400 operários-escaladores. Um guincho auxiliou na subida dos cabos de aço e até hoje é possível ver os pinos que foram colocados por estes escaladores na rocha na subida pelo Costão do Pão de Açúcar. Os carrinhos, com capacidade para 22 pessoas, foram importados da Alemanha e rebatizados aqui como “bondinhos” porque os cariocas viam neles semelhanças com os bondes que circulavam pela cidade. A inauguração oficial foi em 27 de outubro de 1912, quando o teleférico só subia da Praia Vermelha até o morro da Urca. Três meses depois, em 18 de janeiro de 1913, já ia até o alto do Pão de Açúcar. Em 1925, durante visita ao Rio, o físico Albert Einstein fez questão de apreciar o passeio.
Nos anos 1940, o Morro da Urca começou a se firmar como um importante ponto de encontro da música carioca. Foi lá, anos mais tarde, que Cazuza fez seu primeiro show solo, após deixar o Barão Vermelho; onde Lobão, também recém-saído da Blitz, fez para meia dúzia de quatro ou cinco pessoas o show de lançamento de seu primeiro disco: “Cena de Cinema”; e onde um certo Renato Russo não entendeu nada quando uma plateia de punks de butique e góticos enfurecidos vaiou a primeira apresentação pública de uma canção chamada “Eduardo e Monica”.
“O que faz ser o que nós somos é o nosso DNA inovador. Um exemplo foi a troca da cabine, em 1972, pelo novo conceito, todo translúcido”, diz Sandro Fernandes, CEO do Parque Bondinho Pão de Açúcar. Sete anos depois o bondinho alcançaria a glória internacional ao servir como cenário para uma emocionante sequência do filme “007 contra o foguete da morte”, na qual o agente secreto britânico James Bond (interpretado pelo mais questionado dos agentes de Sua Majestade, Roger Moore) derrota o inimigo Dentes de Aço, interpretado por Richard Kiel. Até o fechamento desta edição, mais de 40 milhões de passageiros já haviam passeado no bondinho do Pão de Açúcar.
É razoável supor que os ambientalistas estejam fazendo uma certa confusão entre a tirolesa, um equipamento de lazer, e um projeto mais amplo, que ainda está em fase conceitual, que é o Plano Diretor do Parque Bondinho do Pão de Açúcar.
“Com 110 anos, é necessário que o parque se atualize”, diz Sandro Fernandes, CEO do Parque. “O Plano Diretor é nada menos do que uma visão macro de todo o parque, pela primeira vez sendo pensado de ponta a ponta”.
Segundo o arquiteto e designer Guto índio da Costa, basta olhar a estação da Praia Vermelha para entender a necessidade do plano. “É um prédio que começou de uma forma, depois foi sendo adaptado a novos usos diferenciados e hoje tem linguagens arquitetônicas completamente diferentes. Ele é uma soma de intervenções ao longo de muitos anos”.
O primeiro movimento da equipe de Guto foi gerar uma imagem tridimensional mostrando tudo o que existe hoje. Foi feito um levantamento técnico de todas as construções, curvas de nível dos morros e finalmente uma simulação gráfica, retirando toda a vegetação. “Foi a primeira vez que alguém viu as estruturas desta forma, porque essas construções estão disfarçadas pela vegetação”, diz Guto: “muito maldosamente, essas imagens foram divulgadas como se fosse a proposta do nosso projeto. Como se fôssemos desmatar o morro e construir uma imensa estrutura que, de fato, está lá há muitos anos, disfarçada pela vegetação”.
O conceito do Plano Diretor é dividido em três pontos. O primeiro é a reforma da estação da Praia Vermelha, que deverá ganhar amplas varandas ajardinadas, integradas à mata do fundo. Onde hoje há o pergolado da fila (que será mantido), a ideia é fazer uma leve rampa, descendo suavemente até o antigo subsolo técnico do prédio. Desta forma, a fila passa para dentro do prédio, onde em um ambiente climatizado, e sem ambulantes perturbando, os visitantes aguardarão a subida participando de uma imersão audiovisual na história do Rio de Janeiro.
“Chegaram a dizer que queremos fazer um shopping no Morro da Urca, uma barbaridade, não haverá acréscimo de áreas comerciais”, diz Guto Índio da Costa. Nos dois rochedos, as intervenções são mais ou menos as mesmas: melhoria nos mirantes, nas passagens, transformar as coberturas de lona branca em pergolados de madeira e separar as áreas de serviço das áreas de visitação. Todos os prédios deverão ter telhados verdes. “Parece piada, mas muitos visitantes hoje não chegam ao Pão de Açúcar. Elas param no Morro da Urca porque não entendem que existe uma terceira estação”, conta Guto. “Nossa ideia, portanto, é propor uma nova geometria de rampas, acessos e fluxos recriados para facilitar a circulação. É um projeto que deverá levar uns 15 anos para ser implementado”.