Se você nasceu, morou ou visitou o Rio de Janeiro entre as décadas de 60 e 90 certamente ouviu falar – ou conheceu de perto – o Macaco Tião, o mais famoso habitante do Jardim Zoológico, que quase vira prefeito da cidade. Mesmo 25 anos após sua morte, o chimpanzé que ganhou estátua e até filme é lembrado como ícone da cidade, entre muitas histórias pitorescas do lugar que ficou naturalmente guardado na memória afetiva de muitos cariocas e visitantes.
Afinal, quem nunca foi ao Rio Zoo num passeio da escola ou num domingo em família, quando se tirava aquela tradicional foto para levar para casa como souvenir estampado em canecas, camisetas ou outros objetos? Mas nos últimos anos, o lugar andava triste e abandonado. Denúncias de maus tratos aos animais apareciam com frequência nas páginas dos jornais.
Até que no ano de 2016 nascia um projeto inovador para transformar o velho zoológico em um espaço de lazer e preservação de espécies animais novinho em folha na bucólica Quinta da Boa Vista, no bairro imperial de São Cristóvão, Zona Norte. A prefeitura entregou a Fundação RioZoo para gestão da iniciativa privada, que o transformou em BioParque do Rio. Hoje é possível observar ali mais de mil bichos de 140 espécies, em 51 recintos espalhados por 60 mil metros quadrados de respeito à educação ambiental.
Para chegar ao espaço quase cenográfico que se vê hoje, nada foi fácil. Ainda durante as obras, o projeto foi alvo de uma CPI da Câmara de Vereadores do Rio, que levou policiais da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) a uma operação para apurar denúncias de maus-tratos aos animais. Dessa vez, eles estariam em um canteiro de obras entre tapumes, serras elétricas e máquinas, em meio a muita poeira e barulho, ambiente que os deixaria extremamente estressados ou com outros problemas de saúde.
Na ocasião, estimava-se que mais de 350 animais teriam morrido e pelo menos 18 haviam sido furtados de dentro do Zoo, incluindo uma arara azul, avaliada em até R$ 80 mil no chamado ‘mercado negro’ das aves – sim, ele existe e cobra caro pelo confinamento desses animais. Mas os percalços não pararam por aí. A fase de obras, que começou no final de 2018 e previa terminar em junho de 2020, só acabou mesmo neste ano de 2021, por conta da pandemia do novo coronavírus e das necessárias medidas de isolamento e distanciamento social.
E, finalmente, a população viu nascer um novo jardim zoológico, totalmente repaginado e conectado às melhores práticas mundiais de bem-estar animal e de conservação ambiental, que pregam mais respeito e liberdade aos bichos e mais conhecimento e preservação da nossa rica biodiversidade. Um programa ao ar livre e tanto nesses tempos quase pós-Covid.
Não vamos dar ‘spoiler’ do circuito – para não estragar a experiência – mas a Ilha dos Primatas se mantém como uma das principais atrações do Bioparque, ao lado da Savana Africana e da Vila dos Répteis. O visitante ainda pode ver de perto outros candidatos ao título de mais popular do pedaço: o leão Simba, o tigre William, a elefanta Koala e o casal de hipopótamos Bocão e Tim.
O macaco que quase virou prefeito
O ano era 1988, primeira eleição municipal após a promulgação da nova Constituição. Com fama de mal-humorado, mas muito carismático, Macaco Tião, nascido e criado no Zoo, era conhecido por atirar excrementos e lama nos visitantes – os políticos eram seu alvo preferido. ‘Tião, Tião, o candidato do povão’ foi o bordão da campanha em defesa do voto nulo, lançada pela turma da então revista ‘Casseta Popular’ (quem lembra?), que mais tarde deu origem ao programa de TV ‘Casseta e Planeta’.
Os cariocas aderiram à brincadeira. O chimpanzé recebeu mais de 400 mil votos nas urnas, 9,5% dos votos considerados nulos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Se valesse, o resultado lhe daria o terceiro lugar na preferência dos cariocas, ‘disputando’ a cadeira de prefeito em uma lista de 11 candidatos. A popularidade do primata temperamental correu mundo. Tião entrou para o Guinness World Records como o chimpanzé mais votado no planeta.
Com o fim das cédulas de papel, em 1996, encerrou-se a ‘carreira política’ do macaco. Em dezembro do mesmo ano, o ‘cidadão’ pré-humano mais famoso do Rio morria aos 34 anos, por complicações decorrentes da diabetes e idade avançada. Sua morte foi motivo de luto oficial de três dias, decretado pelo então prefeito Cesar Maia, com bandeira a meio mastro por oito dias, uma reverência que virou até notícia no jornal francês Le Monde.
No ano seguinte, o primata ganhava homenagem póstuma no Zoo, que ergueu uma estátua de bronze com sua imagem logo na entrada do portão principal. Naquele ano, teve até eleição para escolher seu sucessor: Pipo e Paulinho disputaram voto a voto o reinado do nobre personagem que fez a alegria dos visitantes durante três décadas.
Tião – apelido carinhoso de Sebastião, o padroeiro do Rio – chegou a batizar uma praça na Barra da Tijuca. Mais recentemente, a história do primata virou filme – ‘Macaco Tião, o Candidato do Povo’, lançado em 2017. No redesenho do zoológico, a memória do Macaco Tião é preservada, mantendo-se em destaque na alameda que leva seu nome logo na entrada.
Respeito pelo bem-estar dos “moradores”
De cara, o visitante de antes e agora pode perceber as mudanças conceituais do novo parque, que aboliu grades e jaulas. Em seu lugar, surgiram barreiras naturais em muitos espaços. Em outros onde realmente é necessário, foram usadas barreiras físicas para que a interação com os animais aconteça em total segurança, mas sem a sensação de clausura de antes. Tudo em nome do bem-estar animal.
Mariana Baptista, de 37 anos, visitou muitas vezes o Rio Zoo na infância e voltou há quatro anos, já na fase de decadência do espaço, antes de iniciar as obras. Para ela, o antes e o depois são marcantes no seu imaginário. “Na última vez que fui, em 2017, não foi uma experiência muito boa. Deu a sensação de largado, com falta de manutenção. Via-se que era um lugar que precisava de maiores cuidados”, relembra.
Quando voltou, depois que o local reabriu como Bioparque, em agosto, a impressão era outra. “Achei ótimo, tudo limpinho, novinho, bonito. Gostei da ideia dos bichos soltos, não só nos viveiros, mas também na ala dos macacos. Para os que precisam ficar em jaulas você vê que a estrutura é bem melhor. A gente sente que os bichos estão bem”, completa.
Passeio pelo Brasil imperial
A visita ao Bioparque também é um passeio pela História do Brasil, revelando detalhes dos mais de 200 anos de ocupação da Quinta da Boa Vista. A começar do pórtico de entrada, que chegou ao país em 1816 como presente de Dom João VI pelo casamento de D. Pedro I e a Princesa Leopoldina. A peça foi originalmente instalada em frente ao Palácio Imperial, hoje Museu Nacional. Um Boulevard Histórico foi montado ao longo da Savana Africana, utilizando estrutura construída durante o Império. O local reúne estábulo utilizado pela corte, calçamento do tipo “pé-de-moleque” e um conjunto histórico fundado em 1868 por D. Pedro II para receber a Escola Mista da Imperial Quinta da Boa Vista.