Leonardo Bruno
Futuro presidente da Liesa, Gabriel David adianta as novidades do Carnaval 2024, garante que verba será recorde já este ano e fala do desafio de mudar a estrutura da festa sem mexer com a paixão dos sambistas
Rio Já: Esse é o primeiro ano em que você pega o ciclo cheio do Carnaval, de março a fevereiro, como diretor de marketing da Liesa. Quais serão as principais mudanças que poderemos sentir no desfile de 2024?
Gabriel David: O Carnaval sempre evoluiu artisticamente, mas agora também está evoluindo como negócio. Esse é o ano em que a gente teve mais inserções de comunicação no pré-Carnaval (reportagens em jornal, marcas nas ruas da cidade). Também temos o agrupamento das vendas de frisas, arquibancadas e camarotes numa única plataforma, que gerou verba extra expressiva, de quase 10% do repasse total. A receita dos camarotes também aumentou consideravelmente.
Rio Já: Os novos modelos de camarotes ampliaram a capacidade do Sambódromo, né? Quantas pessoas cabem hoje numa noite de desfiles?
Gabriel David: Entre público e trabalhadores, devemos chegar a 130 mil pessoas por dia. Só de público chega a 100 mil pessoas.
Além da mudança nas vendas de ingressos, tem um novo modelo comercial.
Isso passa principalmente pelo segmento de cerveja, novamente agrupando toda a estrutura do Carnaval, com exclusividade para a Brahma. A mudança também proporciona visibilidade. Quando grandes parceiros investem um montante significativo, querem extrair o melhor do evento, então aumenta o poderio de comunicação. Isso faz outras marcas voltarem o olhar para o Carnaval. A gente aumentou nossa parceria com a Red Bull, por exemplo, e trouxe uma marca de apostas online, além de renovar com Light e Águas do Rio. Nosso objetivo é levar o máximo de dinheiro para as escolas, para os artistas não serem só protagonistas culturalmente, mas também em termos financeiros.
Rio Já: Quanto cada escola recebe hoje, com as quatro grandes fontes de receitas (comercial, venda de ingressos, transmissão de TV e poder público)?
Gabriel David: Esse ano deve passar de R$ 10 milhões por escola. Parece muito? Mas quanto os artistas internacionais recebem no Rock in Rio? Pô, o Carnaval é o maior espetáculo da Terra! Ainda não é um montante que uma escola precisa para um desfile do nível das campeãs dos últimos anos. Então esse valor precisa continuar evoluindo.
Rio Já: E como fazer com que a competição não privilegie o aspecto financeiro? Como possibilitar que esse dinheiro seja usado pelas escolas ao longo do ano, e não apenas no desfile?
Gabriel David: Uma possibilidade é fazer algo semelhante ao futebol: um teto de gastos. A gente está numa competição de criação, e não numa disputa financeira. Se todo mundo tiver as mesmas condições, aí a gente vê quem é mais criativo, quem mexe mais com o povo.
Rio Já: Tem uma ideia de qual seria esse teto?
Gabriel David: Acho que R$ 15 milhões por escola.
Rio Já: O Carnaval tem olhado mais para os grandes eventos. Nesse sentido, quais são as grandes inspirações?
Gabriel David: Olhamos muito o Rock in Rio, porque é o principal player nacional. Mas também fui a Parintins, que tem semelhanças na relação cultural com o povo. O esporte traz o componente da paixão, então alguns caminhos vêm da Premier League e da NBA. Mas o Carnaval é único, tem uma base tradicional forte. Temos que chegar no tempo em que eles vão olhar para as escolas de samba, e não nós pra eles.
Rio Já: Nessa comparação com outros eventos, alguns problemas do carnaval parecem insolúveis, como o som da Avenida. Por quê?
Gabriel David: Temos o melhor fornecedor da América Latina, que faz o som dos grandes shows e festivais, como Rock in Rio, The Town e Lollapalooza. Não é um problema de investimento, porque o som é uma das maiores linhas de custo que nós temos. A questão é a captação do som de percussionistas em movimento, num palco que se move. Isso não existe em lugar nenhum do planeta. Precisamos de um projeto específico para o carnaval, não se pode adaptar nada de outros eventos. Eu queria que as pessoas que mais entendessem de som no mundo viessem estudar o carnaval, pra transformar isso num case.
Rio Já: A chave de tudo é a paixão. Se não tivermos 3 mil pessoas por escola dispostas a desfilar, ou um público que frequente as quadras o ano inteiro, o carnaval não se sustenta. Qual a receita para manter viva a paixão do sambista?
Gabriel David: O futebol pensou assim, fez ações para fomentar o relacionamento entre as instituições e os torcedores. Você tem que aumentar a presença das escolas na vida das pessoas, fazer mais eventos, melhorar os ensaios técnicos, criar interesse para o público ir à Cidade do Samba, aumentar o protagonismo do samba como segmento musical.
Rio Já: Então a Liesa tem que olhar mais para o ano inteiro, e não apenas para o desfile, certo? Quando a Liga faz festa fechada para o sorteio da ordem dos desfiles, ou quando limita o acesso à apuração, não está indo na contramão?
Gabriel David: Está indo na direção contrária e lamento isso. O caminho é voltar a fazer eventos públicos. Os sambistas merecem estar ali, com sua paixão. Como nos minidesfiles da Cidade do Samba, que viraram uma competição à parte, ou nos ensaios técnicos da Sapucaí.
Rio Já: Nos ensaios técnicos, a plateia é participativa, e nos dias de desfiles, é fria. O público da Sapucaí não tem mais relação com as escolas, e isso prejudica o espetáculo. Como fazer com que as comunidades voltem a ocupar o Sambódromo?
Gabriel David: Os camarotes hoje respondem por mais de 70% da receita de ingressos. Então é possível fazer modificações na estrutura financeira para reduzir o valor das arquibancadas. Outro ponto são os setores populares, que não ficam lotados. Como melhorar a distribuição dos ingressos gratuitos? Entendo que não é a melhor posição da Sapucaí, mas muita gente gostaria de estar ali. Já podemos atacar isso em 2025.
Rio Já: Aos 26 anos, você não é muito novo para ser presidente da Liesa?
Gabriel David: Eu também acho. É sério. Parece que é um sonho meu ser presidente da Liga. Não é. Meu sonho é fazer o melhor que eu puder fazer para o Carnaval. Mas se nesse momento eu for a pessoa mais capacitada para isso, eu acho que faz sentido.
Rio Já: Não falta diversidade na Liesa?
Gabriel David: A Liga é uma organização muito tradicional, então as mudanças não surgem do dia para noite. Essa transformação vai acontecer de forma gradativa. Acho que a gente precisa ter uma presença feminina maior, uma presença de pessoas pretas, da comunidade LGBTQIAPN+. Esses grupos são a essência do Carnaval, então não faz sentido só ter homem branco tomando essas decisões.
Rio Já: E a relação com a Beija-Flor? Como fica com você no comando do carnaval?
Gabriel David: Quando entrei na Liesa, procurei me afastar da Beija-Flor, no Carnaval de 2022. Foi doído, porque via os outros diretores envolvidos com suas escolas. Fui até criticado pela comunidade, que pedia minha presença. Aí voltei a me envolver no Carnaval de 2023. Mas, para 2024, voltei atrás, porque a Liga precisa mais de mim do que a Beija-Flor. Meu coração tem dono e isso nunca vai mudar. Agora, a minha cabeça é racional, então desde que entrei aqui tenho consciência de que nunca privilegiei a Beija-Flor.
Rio Já: Seu pai, Anísio Abrão David, foi presidente da Liga nos anos 1980. Ele te conta histórias dessa época? Traz alguma inspiração?
Gabriel David: Somos parecidos em características pessoais, mas diferentes do ponto de vista de gestão. Meu pai nunca teve ensino, não é um cara acadêmico. Para mim, graças a Deus e a ele, foi diferente. Tenho uma bagagem acadêmica que meu pai não teve. Por outro lado, ele tem a vivência que eu não tive. Meu pai é amado no mundo do samba. Não tenho a expectativa de ser adorado assim. Vou às quadras e as pessoas fazem questão de falar do meu pai. Principalmente na Mangueira.
Rio Já: Afinal, ele era mangueirense antes de ir para a Beija-Flor, né?
Gabriel David: Sabe que não? Sempre achei isso. Mas botei ele contra a parede, e meu pai falou que era Portela. Tanto que o primeiro título da Beija-Flor é com uma homenagem ao Natal.
Rio Já: Caramba, faz todo o sentido!
Gabriel David: Ele chegou a assinar o livro de ouro da Mangueira e do Salgueiro, mas a primeira escola foi a Portela.
Rio Já: Que marca você quer deixar na Liesa?
Gabriel David: Quero dar longevidade ao Carnaval. Ter a certeza de que meu trabalho garantiu muitos anos de tranquilidade e protagonismo para as escolas e os sambistas.