Marcelo Macedo Soares
Em cada salto, uma liberdade que desafia, em cada movimento, uma emoção que transcende palavras e sentimentos. É poesia em ação, onde disciplina e paixão dançam juntas, criando a arte que transforma vidas. Essa transformação é o que motiva e aproxima Maricá de Cuba, através da arte, mais especificamente do balé. No coração pulsante da Ilha, onde a arte é tão viva quanto o ritmo das ruas, o Ballet Nacional de Cuba ergue-se como um monumento à elegância e à resistência, que, em 2025, vai criar alicerces também em terras brasileiras. Maricá foi escolhida para sediar a primeira filial do BNC no Brasil, e não será uma sede qualquer. Ela vai funcionar em um teatro projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Antes mesmo de se materializar, a iniciativa já está dando frutos. Três jovens bailarinos maricaenses foram selecionados para participar de um programa de treinamento no Ballet Nacional de Cuba em 2025.
É no entrelaçar de tradição e excelência que essa companhia, reconhecida mundialmente, transforma cada passo em uma celebração da cultura cubana. O Ballet Nacional de Cuba não é apenas uma escola ou um espetáculo; é um legado que dança ao som da história, inspirando o mundo com sua graça e determinação. Tamanha importância faz com que seja difícil dimensionar a relevância que a iniciativa tem, não só para Maricá, como para o Brasil.
Dedicação e disciplina foram os primeiros passos para que o sonho pudesse se concretizar. Ele começou a se tornar realidade em outubro deste ano. A viagem da Voo Companhia de Dança a Cuba, inicialmente planejada para participação em cursos durante o 28º Festival de Dança do Balé Nacional de Cuba, trouxe consigo uma surpresa inesperada. Embora a intenção fosse aproveitar a oportunidade para aprender e viver a experiência, o que aconteceu foi muito além das expectativas: três bailarinos da companhia foram convidados para um programa pré-profissional em Cuba, o que marca um novo capítulo na trajetória de superação e vitória.
A ideia de participar do festival surgiu em cima da hora. A programação já estava definida quando a decisão foi tomada, mas a diretora Lídia estava determinada a levar seus bailarinos para o curso. Durante as duas semanas do evento, os bailarinos do Brasil enfrentaram aulas rigorosas e um intenso ritmo de treinamento, semelhante ao que já estavam acostumados com sua rotina diária no Brasil, que envolve seis horas de dança por dia.
“Eles estavam acostumados com o nosso ritmo, então tiraram de letra”, lembra Lídia.
No entanto, uma surpresa surgiu durante o curso: os bailarinos não estavam apenas ali para aprender, mas poderiam ser avaliados para um possível convite para continuar seus estudos em Cuba.
“Isso não estava acordado em momento algum”, diz Lídia, explicando que a possibilidade de ser convidado para fazer parte de um programa pré-profissional não estava no regulamento do festival.
A surpresa começou quando a diretora artística do festival, Mercedes Beltran, se aproximou de Lídia.
“Ela me elogiou muito, falou que meus alunos eram dinâmicos, inteligentes e que estavam tecnicamente muito bem. Além disso, tinham a terminologia da dança clássica na ponta da língua”, conta Lídia, visivelmente emocionada com o reconhecimento.
Essa avaliação positiva dos bailarinos brasileiros foi o primeiro indicativo de que algo além do esperado estava por vir. No entanto, a grande surpresa aconteceu quando Mercedes, com o furacão se aproximando – a ilha foi duramente castigada pelo furacão Rafael, no final de outubro – e a organização do festival sendo afetada, chamou Lídia para uma conversa.
“Eu achei que ela iria me entregar os certificados de participação”, diz Lídia. Mas, para sua surpresa, Mercedes foi além:
“Ela me chamou e me disse que estava convidando três bailarinos para voltar em 2025, para um programa pré-profissional. Eu fiquei sem saber o que fazer, sem saber se chorava, se ria, se agradecia. Fomos sem pretensão nenhuma, e, de repente, três dos nossos bailarinos foram selecionados”, conta a diretora.
Essa oportunidade inesperada, vinda de um simples curso de aprendizado, foi um grande reconhecimento para a Voo Companhia de Dança e seus integrantes, que já demonstraram grande disciplina e técnica, mas que, até aquele momento, não imaginavam que a participação no festival poderia levar a um convite de tamanha relevância.
Lídia também destaca a importância da humildade no processo de aprendizagem.
“Eu sempre perguntava aos professores, ao final das aulas, o que meus alunos precisavam melhorar. A dança não tem excelência, estamos sempre em busca dela”, explica.
Para ela, o segredo do sucesso de seus bailarinos está nessa busca incessante pela melhoria e pela disposição em ouvir críticas construtivas, algo essencial para o crescimento na dança. O convite para os três bailarinos é um reflexo do trabalho árduo, da dedicação e do compromisso com a dança.
O programa, que serve como uma espécie de treinamento para a elite da companhia, vai acontecer entre fevereiro e junho de 2025. Os brasileiros terão a oportunidade de aprimorarem as técnicas do balé contemporâneo, a variação de repertório, além da preparação física.
A boa notícia foi recebida pelos bailarinos Murilo Bonfatti, Manuella Fernandes e Maria Eduarda Brandão em terras cubanas. Eles foram selecionados pelo renomado bailarino e coreógrafo José Manuel Carreño, que atuou como dançarino principal no English National Ballet, Royal Ballet e American Ballet Theatre. Além do orgulho de fazerem parte de uma das maiores companhias de balé do planeta, levar o nome de Maricá para o mundo também enche os dançarinos de alegria.
DEDICAÇÃO E RECOMPENSA
Horas de ensaio, renúncia a fins de semana e sonhos alimentados por esforço constante. Essa é a rotina dos jovens bailarinos da Voo Companhia de Dança, que estão colhendo os frutos de uma jornada marcada por disciplina e paixão pela arte. São em média seis horas diárias de treinamento, sem pausas nem finais de semana, totalizando cerca de 30 horas semanais de dedicação. A realidade desses jovens contrasta com a típica adolescência.
“A gente não é o tipo de adolescente que só estuda e depois vai para a praia ou tomar açaí. Saímos da escola e vamos direto para a escola de dança. É preciso se virar para custear sapatilhas, figurinos e viagens. Não é fácil viver do balé no Brasil”, explica Manuela Fernandes.
A luta para viver da dança no Brasil não é apenas financeira. Culturalmente, a profissão ainda enfrenta preconceitos, tanto de pais que duvidam de sua viabilidade quanto da sociedade em geral.
“Os pais obrigam os filhos a terem uma segunda carreira porque não acreditam que a gente possa viver só da dança. É visto como hobby. Isso é decepcionante, especialmente em 2024”, desabafa Manuela.
Para os homens, a barreira cultural e o preconceito são ainda mais desafiadores. Murilo, de 18 anos, é um exemplo de perseverança no universo do ballet, onde, especialmente para os meninos, o caminho é repleto de desafios – sociais, familiares e culturais. Para ele, a decisão de seguir no ballet foi uma escolha pessoal, mesmo diante do estigma que a dança enfrenta entre os meninos. No Brasil, os garotos são mais inclinados a se dedicar a esportes como futebol, enquanto o ballet é visto como algo tradicionalmente feminino. A reação dos colegas e da sociedade foi mista. “Teve muita gente que criticou, caçoou, infelizmente, mas também teve muita gente que me apoiou. O preconceito é um obstáculo comum que muitos meninos enfrentam ao decidir ser bailarinos. Aqui, os garotos fazem futebol e as meninas dançam balé, mas em Cuba é completamente diferente”, observa Murilo, lembrando da realidade que encontrou durante o festival na ilha caribenha, onde havia mais meninos do que meninas nas salas de aula de ballet.
“Lá, o ballet é cultural. Meninos crescem fazendo balé, não há esse preconceito”, explica.
Além disso, há a questão financeira, que torna a escolha do balé ainda mais difícil.
“Muitas pessoas me perguntam: ‘O que você faz?’ Eu respondo: ‘Sou bailarina’. E eles continuam: ‘Não, mas o que você quer fazer?’ Como se a dança não fosse um trabalho digno. Essa dúvida sobre a viabilidade financeira de uma carreira no balé é uma realidade comum no Brasil, onde a arte ainda não é reconhecida como uma fonte de renda estável. É triste. A sociedade não vê o balé como uma profissão, e isso dificulta muito para quem escolhe esse caminho”, reflete Manuela.
No entanto, a recente oportunidade de participar do festival em Cuba representou uma virada para os três. No caso de Maria Eduarda, também selecionada para o programa do BNC, embora tenha o apoio do pai, ela precisou enfrentar a resistência da mãe, que, como muitas famílias, via a dança como um caminho incerto e cheio de riscos.
“Meu pai é mais tranquilo, mas minha mãe sempre teve aquele pé atrás. Meu pai precisou conversar muito com ela. Às vezes, até brincamos que, quando quero pedir algo, vou direto falar com meu pai”, conta Maria Eduarda.
A mãe da jovem, influenciada por opiniões externas, também foi pressionada por pessoas próximas.
“Minha mãe ouvia muito, coisas como: ‘Nossa, se eu fosse você, eu não deixava ela ir’. Sempre achavam que eu deveria ter outra profissão. Meus irmãos, por exemplo, são engenheiros”, explica.
A chegada do Ballet Nacional de Cuba em Maricá representa muito mais do que a inclusão de uma renomada instituição cultural em solo brasileiro; é um divisor de águas para a arte e a dança no país. Este projeto visionário vai além de um intercâmbio cultural, trazendo uma oportunidade sem precedentes para talentos locais e nacionais.
A companhia é reconhecida como uma das escolas de balé mais rigorosas e técnicas do mundo. Sua metodologia, admirada por formar bailarinos altamente qualificados que brilham internacionalmente, agora terá uma sede em Maricá, transformando a cidade em um polo artístico global.
“Eu sei que a arte salva vidas, porque salvou a minha. E essa iniciativa não é apenas para a cidade, mas para todos que desejam transformar suas vidas através da dança”, reflete Lídia.
Essa conexão entre arte e transformação social será um dos pilares do projeto. A ideia de ter uma sede na cidade significa que jovens de todo Brasil poderão ter acesso a uma formação que poucos no país conseguem oferecer de forma genuína. A metodologia cubana, reconhecida por sua exigência e resultados, será aplicada diretamente em solo brasileiro, permitindo que bailarinos de todas as regiões possam competir em pé de igualdade com artistas do mundo inteiro.
O ator José de Abreu, que a partir de janeiro vai capitanear os projetos de artes cênicas e audiovisuais de Maricá, é um dos principais entusiastas do projeto. Ele destaca que a chegada do grupo será um marco cultural para a cidade, colocando-a no mapa internacional das artes.
“Estamos falando de uma das melhores escolas de balé do mundo, com uma tradição inigualável. A vinda do Ballet Nacional de Cuba para Maricá é tão importante quanto foi a instalação do Bolshoi em Joinville há 10 anos”, afirmou o ator.
Segundo José de Abreu, a iniciativa foi impulsionada pela parceria com Lidia, responsável por estabelecer o contato com o pessoal do Ballet Nacional de Cuba.
“Lidia foi uma grande impulsionadora desse projeto, e assim que o Quaquá (prefeito eleito) tomar posse, vamos formalizar o processo com uma carta de intenções. Agora, estamos ajustando os últimos detalhes com o departamento jurídico para consolidar esse sonho”, explicou.
O ator destacou que a escolha de Maricá não é por acaso. A cidade está desenvolvendo uma infraestrutura cultural robusta, que inclui a construção de uma sede espetacular para abrigar a escola de balé e outras iniciativas artísticas. José de Abreu ressaltou ainda a importância da metodologia cubana no ensino do balé clássico.
“A Alicia Alonso, fundadora do Ballet Nacional de Cuba, adaptou o balé clássico para o biotipo latino, criando uma escola que é referência mundial”, ressalta.
A proximidade com o Rio de Janeiro é outro ponto forte da iniciativa. “Teremos um balé latino a apenas 60 km do Rio de Janeiro. Isso vai atrair talentos e oportunidades incríveis para nossa região. Assim como o Brasil já é o país que mais forma bailarinos em Cuba, agora teremos a chance de desenvolver essa excelência aqui mesmo”, concluiu.
Futuro prefeito de Maricá, o deputado federal Washington Quaquá é um apaixonado por cultura e um entusiasta declarado do balé. Além do potencial de transformar a cidade em um polo internacional de dança, o projeto também vai impactar o turismo. O projeto arquitetônico, que leva a assinatura do renomado Oscar Niemeyer, promete se tornar mais um ícone de Maricá, unindo arte e arquitetura em um espaço que será destinado à formação e apresentações culturais.
“Trazer uma sede do Ballet Nacional de Cuba sempre foi um sonho meu. Uma das maiores companhias de balé do mundo à disposição do nosso povo e de nossas crianças. Agora temos não só três bailarinos de Maricá treinando lá, como estamos trazendo uma sede para Maricá em um lindo projeto do Niemeyer”, destacou Quaquá.
PRESTÍGIO GLOBAL
O Ballet Nacional de Cuba é uma das companhias de dança mais prestigiadas do mundo com um lugar de destaque na cultura hispano-americana contemporânea. Foi criado em 1948, tendo como principal fundadora e primeira bailarina Alicia Alonso. Em 1950, foi criada a Escola Nacional de Ballet Alicia Alonso. Desde o início, a linha artística do Ballet Nacional de Cuba partiu do respeito pela tradição romântica e clássica, e do trabalho criativo de coreógrafos que procuraram encontrar um âmbito para o ballet nacional e contemporâneo.
A bailarina Alicia Alonso, criadora do Balé Nacional de Cuba, morreu em 2019, aos 98 anos
Em 2018, o Ministério da Cultura da República de Cuba declarou o Ballet Nacional de Cuba, como Património Cultural da Nação e reconheceu-o como a expressão máxima da escola cubana de ballet, onde a tradição da dança teatral funde-se com os traços essenciais da cultura cubana. Desde a sua criação, tornou-se numa das mais prestigiadas companhias de dança do mundo. Atualmente, é dirigida pela primeira bailarina Viengsay Valdés.