Jan Theophilo
Que um monte de gente anda catando os cenários reais de “Ainda estou aqui ” para selfies bacanérrimas não é novidade pra ninguém. A boa nova é que algumas destas antigas locações estão vendo o faturamento crescer na mesma proporção do número de idiomas que são ouvidos nestes endereços. Como é o caso da tradicional Confeitaria Manon, na Rua do Ouvidor, que depois de alguns bons anos de adversidades, apareceu em breves duas sequências do filme e com isso viu o faturamento aumentar em mais de 20% em relação ao mês passado, graças aos brasileiros, cariocas e simpatizantes que curtiram o longa.
“Nossa paz acabou”, brinca o comerciante Davi Soares, que costuma almoçar praticamente todos os dias com o amigo Marcos Vieira na mesmíssima mesa na qual Rubens Paiva aparece no filme. “Por acaso acabamos fazendo desta nossa mesa oficial. Mas hoje é dose. Tem sempre alguém pedindo licença pra fazer uma foto com as colunas do salão ou com as imagens do Rio pintadas nas paredes”, conta Davi.
Segundo ele, o recente oba-oba em torno da Manon é uma prova do potencial desperdiçado do Centro do Rio. “Não só eu, muitos comerciantes têm interesse em abrir nos fins de semana. Mas para você ter uma ideia, o equipamento mais atraente aqui do nosso entorno, o Real Gabinete Português de Leitura, não abre nos fins de semana. Em dias normais, tem filas enormes na porta “, diz Davi.
“Vou te confessar: ainda nem consegui ver o filme, só estou trabalhando e colhendo os frutos”, admite Fabiula González López, sócia e filha de um dos fundadores da Manon. Fabiula ainda não consolidou todos os números do restaurante, mas garante que, graças ao filme, seu faturamento aumentou entre 20% e 25% do último mês para cá. “Vou te dar um número que expressa esse crescimento: o madrilenho sempre vendeu bem. Mas depois do zuzumzum do filme, estamos vendendo mais de quatro mil unidades por dia. Nunca vi isso”, comemora ela referindo-se ao carro-chefe da casa, uma espécie de pão doce que leva creme, açúcar de confeiteiro e um pingo de goiabada.
Segundo Fabiula, foram cinco meses de trabalho no restaurante para a produção das cenas. A confeitaria Manon é tombada pela Prefeitura do Rio desde 1993 e carrega a arquitetura característica do Art-Déco. É um dos poucos estabelecimentos que conservam a decoração interna naquilo que foi o “estilo moderno” dos anos 40 e 50, como explica o decreto que tombou a confeitaria. No local, também foram filmadas cenas dos filmes ‘A Vida Invisível’, lançado em 2019, e ‘Dercy de Verdade’, de 2012.
“Eu já conhecia o madrilenho porque venho muito ao Rio no Carnaval e, como me hospedava na casa de um amigo na Sete de Setembro, sempre vinha aqui”, conta Maicon Toledo, estudante de Direito da federal de Santa Catarina, que depois de convencer na véspera um grupo de amigos que passeiam no Rio a ver o filme, decidiu levá-los para conhecer as locações. “É como visitar certos lugares na Europa, por exemplo. A existência de um determinado lugar é um resgate de memória. No nosso caso, de uma memória muito especifica que parece termos esquecido, tanto que quase passamos por isso outra vez “, diz Maicon.
Celebrações à parte, por muito pouco a Manon não virou apenas mais uma recordação afetiva dos cariocas. Na pandemia, a confeitaria quase fechou. E no ano passado, uma nova controvérsia ameaçou novamente a casa. A Venerável Irmandade do Príncipe dos Apóstolos São Pedro, proprietária do prédio, pediu a um vereador que apresentasse um projeto “destombando” a Manon. A ideia era fazer um retrofit no edifício, que durante anos abrigou uma buliçosa escola técnica de comunicação, e tentar negociar todos os andares com um único comprador.
“Foi uma baita polêmica na Câmara dos Vereadores “, lembra Fabiula. A Venerável Ordem desejava metade da entrada da Manon para construir uma nova portaria. “Mas do Carlos Bolsonaro até a esquerda, houve uma grande reação ao pedido, que acabou, e, sem trocadilhos, ainda estamos aqui “, brinca a dona da Manon.
Durante a visita da reportagem, um grande grupo de italianos chegou à Manon. “Alguns dos meus amigos na Itália, que são justamente os que me mandam clientes, mencionaram essa coisa do sucesso do filme “, contou Luca Parisi, guia de turismo italiano radicado no Rio. “Vi ali que dava para fazer uma coisa diferente. Agora, nos passeios pelo Centro, eu sempre incluo um lanche na Manon e só na hora aviso: vocês estão comendo num restaurante que aparece entre os vencedores do Oscar. Eles acham o máximo”, diz ele, piscando o olho, cariocamente.