Por Washington Quaquá
O grande Darcy Ribeiro, no seu esforço intelectual original de pensar o Brasil sob a lente da realidade brasileira, e não apenas de fórmulas importadas, vício permanente da “vira-latice”, tanto da direita quanto da esquerda, nos fala com otimismo da “Nova Roma Tropical” para a qual estaria vocacionado o Brasil. Revisitando Darcy, o sociólogo italiano Domenico Di Masi, autor de “O Ócio Criativo”, entre outras obras, também viu na cultura brasileira essa vocação de tolerância e alegria, comparando as diversas civilizações e vendo o imenso potencial do Brasil, em seu “O Futuro é Agora”.
Mas como explicar esse momento de trevas, intolerância, egoísmo e iniquidades em que vive nosso país hoje, nesses tempos bolsonaristas, diante dessas avaliações tão positivas e otimistas de Darcy e Domenico?
Outro grande autor brasileiro, Jessé Souza, autor de “A elite do atraso”; “A tolice da inteligência brasileira”; e “A classe média no espelho”, faz uma análise precisa da elite e das classes médias brasileiras. Jessé aprofunda a perspectiva de Darcy. O que explica esse momento de trevas, de burrice, de intolerância, de violência, e imbecilidade coletiva que tomou conta do Brasil é o fato de que o pensamento da classe média brasileira, sob Bolsonaro e através dele, e de seus meios de organização, se tornou nesse período culturalmente hegemônico no Brasil.
A superação disso vai requerer uma batalha intensa pela retomada e fixação de uma nova hegemonia cultural. Não é à toa que o bolsonarismo, versão nova do velho e tradicional autoritarismo da classe média brasileira, que já teve o “escravismo”, o “integralismo”, o “lacerdismo”, o “udenismo” e o “militarismo” como expressões mais ou menos intensas e radicais, escolheu a “guerra cultural” como um dos pilares de sua ação política e social. E é nas classes populares que está o melhor do Brasil: a criatividade, a tolerância, a alegria, a resiliência, a empatia, a solidariedade, a capacidade de enfrentar as adversidades com um sorriso no rosto, a ginga no corpo e o samba no pé. É preciso retomar esse espírito brasileiro e reconstruir uma nova hegemonia cultural vinda da senzala, da aldeia e do subúrbio.
Como compôs o mestre Cartola: “Alvorada lá no morro, que beleza / Ninguém chora, não há tristeza / Ninguém sente dissabor / O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo / E a natureza / sorrindo, tingindo, tingindo / Alvorada (…) / Você também me lembra a alvorada / Quando chega iluminando / Meus caminhos tão sem vida / E o que me resta é bem pouco / Quase nada, de que ir assim / Vagando numa estrada perdida”.
Nós, brasileiros, é que precisamos construir essa nova hegemonia cultural, e não uma elite nascida no Brasil, mas com a cabeça e os pés em Miami; muito menos uma classe média com a cabeça em Miami e os pés na lama, a “comer sardinha e arrotar badejo”; uma gente que não ama o país e usa o verde amarelo da seleção apenas como farsa.
Virá das profundezas das classes populares uma cultura popular criativa, alegre e solidária, que reafirma os sons, a estética e a ética que vem da senzala à favela! Uma cultura que tem muito a ensinar ao mundo nesses tempos de trocas, imigrações e intolerâncias.