Quem nunca pensou em morar num lugar com toda a facilidade de acesso e deslocamento, uma grande diversidade de comércio, vida cultural agitada, rodeado dos mais belos prédios históricos e patrimônios culturais e ainda bem perto do mar? Pois esse lugar existe no Rio de Janeiro e realizar esse sonho está mais próximo de se tornar realidade. Aprovado e sancionado pelo prefeito Eduardo Paes em julho, após muitos debates na Câmara de Vereadores, o programa Reviver Centro pretende tornar habitável uma região até hoje lembrada apenas como endereço comercial.
Banhado pela Baía de Guanabara, a poucos quilômetros das praias da Zona Sul, o Centro do Rio reúne todos os modais de transporte público (ônibus, trem, metrô, barca e até VLT), mas infelizmente também é lembrado por todos pela degradação urbana e a falta de segurança. A lei que cria o programa e prevê transformar imóveis comerciais em residenciais pretende mudar esta realidade, e terá de fazê-lo se quiser atrair moradores para o bairro. A Prefeitura do Rio calcula que em dez anos, o Reviver Centro poderá elevar em cerca de 20% a população na área, hoje de cerca de 42 mil habitantes.
A corrida para repovoar o Centro do Rio já começou: dois prédios estão licenciados e outro está em fase de licenciamento. Responsável pela concepção do projeto, o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, diz que a procura tem sido grande, inclusive de fora do Rio: empresas de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre têm mostrado interesse na utilização do Centro como sede e moradia para seus funcionários.
“Nós temos recebido muitos interessados, investidores e arquitetos, e, além disso, a prefeitura está acelerando o trabalho de melhoria de espaço público. Então, tem o contexto da pandemia, que ainda dificulta, mas com a melhoria desse quadro e o retorno das atividades presenciais, a gente acredita que o Reviver vai se fortalecer ainda mais”, afirma.
O Plano Urbano Reviver Centro pretende promover a recuperação urbanística, social e econômica dos bairros da região central – incluindo a Lapa, berço da boemia carioca. Serão criadas diretrizes para a gestão, qualificação e manutenção do espaço público e dos bens históricos da área de 5,72 quilômetros quadrados. O projeto contará ainda com programa de aluguel social e uma série de incentivos fiscais. Para atrair investidores, por exemplo, foi criada a chamada Operação Interligada, que oferece a quem erguer ou reconverter imóveis no Centro a possibilidade de construções com mais pavimentos em outros bairros nobres da cidade como Leme, Copacabana e Ipanema, na zona sul.
Custos mais acessíveis
Para José Alberto Aranha, conselheiro e ex-presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores, é necessário ‘casar’ as iniciativas para que no futuro seja possível morar, trabalhar, estudar e se divertir no Centro. “Temos no Centro o misto entre antigo e novo, com alta tecnologia, startups. É um local em que precisamos olhar o passado e nos reconhecer para refazer o futuro”, disse.
Morar no Centro recuperado tem, de fato, um charme, tanto no Rio quanto em grandes cidades do mundo, mas no nosso caso qual será o custo disso? O secretário diz que a legislação do Reviver Centro foi feita com o objetivo de permitir que esses preços fiquem acessíveis, por um simples princípio de escala: quanto mais oferta, menor o preço.
“O Reviver dá vários benefícios: isenção de IPTU, isenção de ITBI, uma bonificação cruzada que é a Operação Interligada. Depende, naturalmente, da ação privada. Então, o mercado imobiliário está muito interessado no Reviver e os donos de imóveis precisam também se movimentar”, comenta.
Ele não acredita em incentivo à especulação imobiliária. “Essa região tem a menor densidade demográfica do Rio, então não tem um processo especulativo e existem muitos imóveis ainda ociosos”, comenta. Uma forma de ajudar a reduzir o número de imóveis desocupados é o IPTU Progressivo, um instrumento previsto na aprovação do Plano Diretor.
O projeto sofre críticas por possível estímulo a um processo de gentrificação, afastando as camadas mais populares do sonho de uma vida melhor no Centro da cidade. Mas o secretário nega essa possibilidade. “Não tem como gentrificar em uma área tão vazia, simplesmente porque isso não produz pressão em cima dos preços existentes, já que não existe uma oferta de benefícios para o retrofit do residencial para o residencial mais caro. Os benefícios do Reviver Centro são sempre do comercial para o residencial”, explica.
Insegurança e desordem urbana: dois desafios
Muitas pessoas adorariam morar no Centro da cidade, mas têm medo da insegurança e da falta de policiamento. A prefeitura pretende enfrentar esse desafio – que não é exclusivo do Centro, mas se torna mais evidente nele – aumentando a sensação de segurança de quem trabalha e vive na região.
Fajardo lembra que a responsabilidade da segurança pública é do Governo do Estado, mas a Guarda Municipal tem feito um trabalho de ordenamento e essas condições de espaço público vão melhorar no âmbito do Reviver Centro. “Se você olhar os dados de segurança, o Centro é seguro. Você tem uma área ou outra que tem problemas, como toda cidade tem. Nós acabamos criando uma reputação para o Centro que tem muito a ver com o fato de ele ser vazio, não com o fato de ser inseguro, porque ele não é inseguro”, explica o secretário.
A população em situação de rua, que tradicionalmente é mais volumosa no Centro da cidade, é outro desafio. Muitos são moradores da Zona Oeste e Baixada Fluminense que trabalham no Centro, mas não têm condições de ir e vir de transporte público todos os dias. “A Secretaria de Assistência Social tem feito um trabalho intenso de acolhimento e também planeja a criação de programas de moradia para a população de rua, para aqueles que têm condições de sair da rua. Esse é um quadro que tende a melhorar bastante”, diz ele.
Outro grande problema no Centro da cidade – especialmente para o comércio legalizado – é a proliferação de camelôs. Para organizar esse comércio informal, sem comprometer a atividade econômica, ele diz que a Secretaria de Ordem Pública vem também ordenando, recolhendo, acolhendo os ambulantes e, inclusive, trazendo-os para a regularização. “Os próprios ambulantes pedem que haja uma organização do espaço público. É ruim também para o trabalhador de rua quando tudo fica um caos como era antes, então essa fase acabou”, sentencia.
Impactos da pandemia
O esvaziamento dos imóveis comerciais no Centro do Rio, que já é observado há bastante tempo, se agravou durante a pandemia do coronavírus, que levou muitas empresas a adotar o home office. Com ruas vazias, restaurantes e lojas tradicionais de portas fechadas, a sensação de insegurança aumentou, assim como a população de rua. A Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) estima que no auge da pandemia havia cerca de 13 mil imóveis fechados na principal região econômica do nosso estado, onde quase 1 milhão de pessoas circulavam diariamente. A Junta Comercial do Estado estima que 798 empresas fecharam no local em 2020, enquanto o VLT teve queda de 50% no número de passageiros.
Na pandemia, endereços icônicos do Centro foram fechados, como o famoso Amarelinho, felizmente já reaberto e a boemia carioca, que já havia se deslocado para a Lapa, perdeu ainda mais espaço no Centro. Para o secretário, o setor sofreu muito na pandemia, mas com a retomada, há boas chances de trazer de volta bares e restaurantes que funcionem para além do horário comercial. “Amarelinho tem novos donos. Então, não acho que esse seja um problema que vá durar muito no Centro”.
Apesar dos volumosos investimentos recebidos para os Jogos Olímpicos 2016, o Porto Maravilha ainda não decolou, embora tenha recebido com sucesso, recentemente, seu primeiro empreendimento residencial. Para Fajardo, o Porto Maravilha está apenas começando. Ele diz que a transformação de áreas portuárias leva muito tempo. Buenos Aires, por exemplo, até hoje não terminou, ainda está em processo de implantação. Então, essas transformações são um processo. “O Porto sofreu, como o país inteiro, problemas econômicos, mas esse sucesso dos empreendimentos mostra que aquilo que estava planejado vai acontecer. Ou seja, um incremento também do Centro como bairro residencial novo na cidade”, afirma o secretário.
‘Banho de loja’
Antes mesmo da aprovação total do Reviver Centro pela Câmara, a prefeitura iniciou um ‘banho de loja’ em vários espaços urbanos, como a retirada das grades da Praça Mahatma Gandhi. Para o secretário, é um trabalho onde a prefeitura está chegando e vai ficar. “É um trabalho permanente, não visa criar uma narrativa, mas sim produzir uma conservação e manutenção de qualidade e duradoura no Centro Histórico”, ressalta. Muito já se gastou com obras, como o Boulevard da Avenida Rio Branco, sem que isso representasse, de fato, uma retomada do Centro. Para Fajardo, é importante entender que a infraestrutura não necessariamente atrai as pessoas para morar.
“O Centro foi muito beneficiado, tem ótimas condições para receber moradores. Mas, para isso você precisa ter apartamentos. Se não tem apartamento, ninguém vem. Então, a gente fica em uma inércia. Foi para romper essa inércia que nós fizemos o Reviver Centro, cujo objetivo é aumentar a oferta residencial na área”, destaca.Questionado se haverá estímulo também à instalação de escolas e creches na região ou se o Centro será um lugar para solteiros e idosos, o secretário diz que no Centro e próximo dele já existe uma boa oferta educacional, tanto de escolas públicas quanto privadas. “Naturalmente, com o incremento da população, além de escolas, começa a vir uma série de outros serviços, como comércio de bairro, supermercado etc. Então, tudo depende de um cenário onde se observe um crescimento populacional”, destaca.
Outras capitais no mundo
Iniciativas como o Reviver Centro são realidade em Buenos Aires, Londres e Barcelona, que apostaram na recuperação de imóvceis antigos em áreas degradadas. Mas essas metrópoles enfrentam problemas bem diferentes dos do Rio de Janeiro. Então, como aplicar aqui o mesmo modelo de arquitetura urbana que revaloriza esses espaços?
Fajardo lembra que várias cidades já passaram por problemas em sua área central. “Em geral, as cidades latino-americanas cuidam melhor do seu Centro Histórico porque as cidades espanholas nas Américas tinham valor monumental no Centro Histórico: a Plaza Maior, os edifícios institucionais de poder. Isso é bastante diferente do urbanismo português, que nunca criou espaços de monumentalidade na área central”, comenta.
“Então, nós temos uma realidade que é muito peculiar nossa, das capitais brasileiras, todas têm o mesmo tipo de problema: áreas centrais vazias, sem população, com gente trabalhando, mas não morando e indo para áreas mais afastadas. Por outro lado, os centros históricos de todas as capitais brasileiras têm os espaços públicos, o patrimônio. Acredito que, com as novas gerações, há mais interesse pelas áreas centrais”, explica.
Aliança para viver melhor
Cientista político e diretor executivo do Instituto Rio21, Antonio Mariano realizou um sonho de infância: trabalhar no Centro, mais precisamente na Cinelândia. Com o passar do tempo, viu o Rio de Janeiro ser assolado por violentas crises econômica e sanitária, que destruíram o miolo nervoso da cidade, com lojas fechadas, empregos perdidos, falta de zeladoria e de assistência social e a inexistência de um projeto de desenvolvimento econômico.
Mariano hoje lidera o ‘Aliança CentroRio’, em parceria com a Rio Negócios, um projeto da iniciativa privada para dar uma mão à prefeitura na conservação de ruas e praças. “Nosso objetivo é recuperar o maior polo de negócios e empregos do estado, gerando soluções e inovações transformadoras em conjunto com a prefeitura e o governo do estado”, diz ele. O projeto, que se soma às ações do Reviver Centro, consiste no mapeamento dos problemas do Centro – da reposição de bueiros até questões de segurança pública e assistência social – em três principais eixos de atuação: a Avenida Rio Branco, as avenidas Almirante Barroso e Chile e parte da Avenida Presidente Vargas.
Para Mariano, entretanto, auxiliar na revitalização do Centro do Rio não é apenas deixar ruas mais organizadas, mas criar um ambiente mais acolhedor para o trabalhador e, também, para os empregadores, que criarão vagas, gerando renda e trazendo vida para a região. Na sua opinião, com regras mais flexíveis para novos empreendimentos imobiliários na região, o Reviver Centro proporcionará a vinda de novos moradores, fazendo que a região deixe de ser um lugar ermo à noite, quase proibida para visitantes. “O Centro é o berço da cidade. Nosso anseio é poder apresentar ao carioca e ao mundo o renascimento dele. Foi a partir do Centro que a cidade se expandiu para o que é hoje. O Rio merece ter o Centro como lugar vital, não apenas para negócios e geração de empregos, mas também para morar e passear. Apenas assim poderemos voltar aos tempos de glória que jamais deveriam ter ficado no passado”, aponta Antônio Mariano.