FESTIVAL DE CINEMA DO RIO MAIS DO QUE RESISTÊNCIA, RENASCIMENTO

POR  JAN THEOPHILO

Em suas redes sociais, Ilda Santiago se define como a “do it all”. Aquela que faz de tudo, um muito. Não apenas no Grupo Estação, conhecido circuito exibidor de filmes de arte no Brasil (do qual é sócia), assim como no Festival de Cinema do Rio, um dos mais importantes da América Latina, onde é diretora de seleção, diretora executiva e de relações internacionais. Sua história com as salas escuras começou na década de 1980, quando estudava jornalismo na UFF e lá fundou seu primeiro cineclube. Em 1985, ela participou da fundação do Cineclube Estação Botafogo, que logo ficou famoso não só pela qualidade do que exibia, como também por novidades, como as maratonas de sexta-feira, que começavam a meia-noite e terminavam quando o sol raiava. Superado o pior momento da pandemia da Covid, ela encara a retomada do festival com o mesmo entusiasmo de suas primeiras aventuras com a sétima arte. “Existe um renascimento, uma necessidade de seduzir o público de volta”, diz ela: “Sempre me deu muito prazer pensar que a gente pode entregar um festival e ter uma programação que cria plateias, uma programação que muda os rumos e constrói gostos diferentes”.

Rio Já: Como você está se sentindo com a retomada do Festival do Rio?

 Ilda Santiago: Eu acho que esse tem um pouquinho o gosto de um primeiro festival. Porque tem muitos reaprendizados. Eu acho que tem um primeiro grande reaprendizado que é o fato que você tem de voltar a se sintonizar com o público depois de ter passado por dois, três anos de pandemia. Existem de fato hábitos e costumes e gostos de filmes que mudaram. O público pensa duas vezes em qual é o filme que faz sentido, que vale a pena sair de casa para ele ver. Eu acho que nos leva a todos nós que trabalham com cinema a fazer uma nova reflexão que na verdade não é diferente dos grandes movimentos, as grandes transições que o cinema já teve de viver. Isso foi verdade na época da televisão, isso foi uma verdade depois, na época que surgiram os VHS, os DVDs. Isso tudo mudou o hábito do consumidor e fez com que quem programasse cinema, não só festivais, mas os distribuidores, repensassem o mercado.

Então como tirar do conforto de casa um público que hoje convive com TVs gigantes de alta resolução e sistemas de som ultra potentes?

Eu acho que isso coloca um desafio a mais para que você saia de casa. Mas o que faz o público sair de casa? Não é só ver o filme, e eu acho que é nisso que o festival é muito importante, porque a vinda ao festival tem também uma importância de escolher o filme, chegar, ver as pessoas, decidir se vai comer uma pipoca ou um pão de queijo, tomar uma Coca-Cola. Que tipo de conversa você vai ter e que tipo de experiência coletiva você vai ter. Muitos dos filmes que eu vejo eu assisto em links para fazer a seleção para o Festival. E a coisa que eu mais sinto falta é dessa experiência coletiva. São muitos rituais. Você escolhe a cadeira mais perto ou mais distante da tela, você escolhe se vai antes comer alguma coisa ou não. Você encontra pessoas e diz “Vamos conversar sobre o filme”. Eu acho que essa experiência, que é a experiência completa do cinema é uma coisa que o festival traz de volta e é também na verdade uma contribuição que o festival pode dar pra esse renascimento do mercado. Se eu tiver a possibilidade de mostrar um filme numa tela grande com público, ele vem. Mesmo que ele já tenha visto o filme no streaming, porque a experiência é totalmente diferente.

É um pouco o que o diretor James Cameron pretende fazer exibindo o primeiro “Avatar” nos cinemas como um “esquenta” para os novos filmes da franquia?

É um pouco o que os artistas e todos os diretores e diretoras hoje estão fazendo. Eu acho que existem vários movimentos diferentes para trazer esse público de volta. Uma das coisas que a gente nota é que muitos filmes hoje têm mais de uma hora e meia. Tem duas horas, duas horas e quinze. É como se os artistas tentassem desafiar nossa capacidade de atenção.  Quando você pega uma imagem no seu celular, e vê um vídeo de cinco minutos, você acha esse vídeo muito longo. Mas ele é muito longo, porque sua atenção não está concentrada ali. Então quando você entra no cinema é um mergulho possível. É um mergulho em que você diz: “não, nessas duas horas eu vou estar concentrado nessa história”. Vou te dar um exemplo dentro do próprio festival. A gente vai passar “ET” restaurado. Eu tô louca pra ver “ET” na tela de novo, porque é óbvio que todos nós vimos “ET” um milhão de vezes, mas voltar a ter essa experiência numa sala de cinema, numa tela grande, é uma coisa que nos resgata uma memória que a gente precisa voltar a ter. É um desejo de voltar a estar junto.

Como você escolhe os filmes para o Festival?

iiihhhh..não sei nem como explicar. É um processo muito longo. É um processo que inclui, claro, filmes que eu gosto e com os quais eu me relaciono mais diretamente, mas é um exercício de conexão com o público, não é só um exercício de gosto pessoal. É um exercício também, de construir uma história de cinema para o público. Por exemplo, costumamos mostrar filmes de diretores que nós sempre tivemos no festival. Claro, ninguém faz obras-primas o tempo todo, mas acho que o público tem o direito de fazer a escolha. Não sou eu quem deve dizer pro público que ele deve ver um filme do Almodovar ou do Wong Kar-Wai, não cabe a mim julgar isso. Cabe a mim dar acesso para que isso aconteça. Cabe a mim poder abrir o espaço para que o público veja. E inclusive saia da sala dizendo: “não gostei desse filme”.

Alguns filmes hoje são exibidos em salas com cadeiras que mexem, sopram vento, sem falar no 3D. Esse é o futuro do cinema?

Você está me fazendo a pergunta de muuuitos milhões de dólares. Porque essa é a pergunta que todos os grandes executivos das grandes empresas de cinema se fazem. Acho que o cinema é um lugar de experimentação. Então ele sempre será o lugar da experiência sensorial em muitos níveis e sensorial também no nosso nível auditivo e, obviamente, psicológico. Dizer que isso é o futuro? Eu acho que isso é um dos futuros. O futuro é que a gente crie experiências que nos permitam, mais uma vez, viver a experiência coletiva. Mas a experiência coletiva é diferente para cada um, né? Anos atrás parecia que o 3D era a única salvação do cinema. Hoje ele é uma possibilidade, mas que não mata as outras experiências possíveis.

Em que sentido?

n A experiência do cinema depende de onde você está, que tipo de cinema você está, do que você vai ver e com quem você vai ver. Então talvez o que o festival tenha de mais interessante é abrir a possibilidade de você ver tantos filmes, que você começa a entender que você gosta de mais filmes do que você imaginava. E isso é que é lindo.

E como conquistar os corações de uma garotada que já nasceu em um mundo de Tik Toks, Reels e vídeos curtos no Youtube?

Eu tenho como ponto de partida é que todos os filmes têm público. Para além dos filmes óbvios, blockbusters, o nosso grande desafio é poder comunicar ao público outros filmes que são maravilhosos. Ontem a gente fez no Odeon uma coisa que me emocionou muito: um cine-concerto. Dois músicos franceses tocando ao vivo para “Soy Cuba”, que é um clássico. Eu me sentei para ver uns 20 minutos e aí você começa a entender que o cinema não é um processo de dispersão, é um processo de concentração. Enquanto estamos aqui conversando, nossos telefones não param de tocar pi-pi-pi-pi. Então este é um mundo que nos dispersa, enquanto o cinema é um mundo que concentra. Então quando os jovens veem uma longa sequência em um filme clássico e acham lindo, eles veem que são capazes de entrar em um outro universo de verdade. Completar uma ideia do olhar que se junta ao pensamento. E isso é uma coisa que o cinema faz, e em casa a gente não consegue fazer.

Na sua opinião, qual é a principal contribuição do Festival do Rio para o cinema?

O Festival desde a sua criação, por vocação, e sem nenhuma outra razão a não ser o desejo que assim seja, é um festival que é feito para abrir acesso ao cinema. Então o que normalmente é muito divulgado, como as muitas salas de cinema ou as atrações internacionais, é só uma parte do que a gente faz. Por exemplo, voltar a fazer o cinema na praia de Copacabana é uma coisa maravilhosa, abre um acesso democrático a um público muito maior. O que a gente faz na Rocinha, em Manguinhos, Santa Cruz, Madureira, é de uma enorme importância. É para que as pessoas venham ao cinema, para que outros cinemas possam ser abertos. E eu acho que hoje falar sobre reabertura de cinema é muito importante. Falar sobre a manutenção de cinemas, que se mantem abertos com muita dificuldade, é muito importante. É isso que garante que o cinema vai continuar a existir. E isso me dá muito prazer.

Conheça os ganhadores dos troféus Redentor e do Prêmio Felix do Festival DE CINEMA do Rio 2022

PREMIADOS

PREMIÈRE BRASIL

O júri da Première Brasil é composto por Antônio Pitanga (presidente), Clélia Bessa, Andréia Horta,  João Jardim, Bernard Payen e  Eleonora Granata-Jenkinson.

Melhor longa de ficção:

Paloma, de Marcelo Gomes

(Carnaval Filmes)

Melhor longa documentário:

Exu e o Universo, de Thiago Zanato

(Em Caliente Films)

Menção honrosa do júri:

7 Cortes de Cabelo no Congo, de Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi

Prêmio Especial do Júri:

Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta (Cinco da Norte)

Melhor direção de ficção:

Julia Murat, por Regra 34

Melhor direção de documentário:

Juliana Vicente, por

Diálogos com Ruth de Souza

Melhor fotografia:

Joana Pimenta, por

Mato Seco em Chamas

Melhor roteiro:

Carolina Marcowicz, por Carvão

Melhor direção de arte:

Marines Mencio, por Carvão

Melhor montagem:

Matheus Farias, por Propriedade

Melhor atriz coadjuvante:

Aline Marta, por Carvão

Melhor ator coadjuvante:

Timothy Wilson, por Fogaréu

Melhor ator:

Dario Grandinetti, por Bem-vinda, Violeta!

Melhor atriz:

Kika Sena, por Paloma

Melhor curta:

Escasso, de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles

PREMIERE BRASIL NOVOS RUMOS

O júri é composto por Sara Silveria (presidente), Alice Marcone, Dina Salem Levy e Eduardo Ades.

Melhor longa:

Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre

Melhor direção:

Leonardo Martinelli por Fantasma Neon

Prêmio Especial do Júri:

Maputo Nakuzandza, de Ariadine Zampaulo

Melhor curta:

Curupira e a Máquina do Destino, de Janaina Wagner

PRÊMIO FELIX

O júri do Prêmio Felix é composto  por Ailton Franco Jr (presidente),  Marcio Debellian, Mayara Aguiar e Luiza Shelling Tubaldini.

Melhor Filme Brasileiro:

Paloma, de Marcelo Gomes

Melhor Documentário:

Corpolítica, de Pedro Henrique França

Menção Honrosa:

Não é A Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor, de Luis Carlos de Alencar

Melhor Filme Estrangeiro:

Meu Lugar no Mundo (Mi Vacío y Yo), de Adrián Silvestre

Prêmio Especial do Júri:

Fogo-Fátuo, de João Pedro Rodrigues

Homenagem

Prêmio Suzy Capó Personalidades do Ano para o ator e comediante

Paulo Gustavo, in memoriam

SOBRE O FESTIVAL DO RIO

O Festival do Rio é o grande encontro do cinema da América Latina. Desde sua criação, em 1999. Este ano a competição ficou ainda maior com a criação de duas novas categorias: Direção de Arte na competição oficial e Melhor Direção na mostra Novos Rumos.