“ARRUMAR A CASA PARA FAZER O RIO FUNCIONAR”

Pré-candidato do PSD ao governo do Rio de Janeiro, fortalecido pela condição de ter o apoio de Eduardo Paes, prefeito da capital, Felipe Santa Cruz admite que não é um político tradicional. Mas, convenhamos, alguns dos tradicionais ficaram devendo, e muito.

Santa Cruz decidiu aproveitar as experiências que teve na vida – como presidente da OAB, maior entidade de classe do mundo, sabe muito sobre combate ao crime. E o que não sabe, estuda. É o que demonstra nesta entrevista a Washington Quaquá e Ricardo Bruno.

Santa Cruz defende maior integração entre as políciais e, inclusive, dentro de cada uma das instituições – por exemplo, entre oficiais e praças na PM e entre delegados e investigadores, na Polícia Civil.

Ele entende que, eleito governador, terá como primeira missão o que ele chama de “arrumar a casa”, na verdade, criar condições objetivas para que os programas sejam aplicáveis e exequíveis. Cita um exemplo: vai implantar o ensino em tempo integral, sem dúvida, mas acha que isto depende de um programa sério de valorização de professores, priorizando os que lecionam ciências exatas, sobretudo matemática.

Arrumar a casa inclui ainda centralizar todo o governo fisicamente, numa mesma região, o Centro da cidade. Criar um centro administrativo, que torne próximos o governador e as secretarias de estado.

Quanto à eleição presidencial, afirma: votará com o campo democrático, o que exclui liminarmente o atual presidente.

– Jair Bolsonaro não é do campo democrático. E mais: este Jair Bolsonaro domesticado, bonzinho, que estará se apresentando até outubro, não será o mesmo Jair Bolsonaro se for reeleito. Não tenho dúvida nenhuma disso. As instituições vão passar por um estresse ainda maior do que passaram nestes últimos quatro anos

Por Ricardo Bruno e Washington Quaquá

Ricardo Bruno – Você tem dito que vai botar ordem na casa. Traduza um pouco melhor isso?

Felipe Santa Cruz – Ainda bem que você pergunta porque para alguns pode parecer uma coisa meio autoritária. E não é. Eu prefiro usar a expressão ‘arrumar a casa’. De tudo que tenho conversado com gente que ama o Rio de Janeiro, percebo que o Rio de Janeiro não completou a sua fusão plenamente. Enquanto a prefeitura, antiga Guanabara, tem na capital toda a sua estrutura administrativa no Centro Administrativo, o governo do Estado funciona lá no Palácio Guanabara, que é muito mais um museu. É a cara do passado. A gente precisa organizar o estado administrativamente, a área de educação, saúde, segurança pública… Eu defendo que a gente instale imediatamente uma ‘cidade administtrativa’. E para isso a gente vai ocupar o Centro da cidade, que foi abandonado, com a ida da capital para Brasília. A gente tem ali o prédio do MEC, o prédio do Ministério da Fazenda, ambos à venda pelo governo federal. A gente tem a antiga sede do Jockey no Centro da cidade. É um pouco o modelo o que André Ceciliano fez na Assembléia Legislatva, levando a Assembléia para o ‘Banerjão’. Olha que grande recompensa para a população, para a autoestima da cidade e para o Centro que foi a aquela obra do Banerjão, que inclusive enfrentou resistências. Eu defendo que se faça a mesma coisa com esses três grandes prédios, criando uma cidade administrativa, ocupando o Centro da cidade que foi abandonado pela União e não foi ocupado pelo Estado. Como se a fusão não tivesse sido implementada de fato. Dando valor ao servidor público, da educação, das secretarias, com o governador presente ali, comandando dali as estratégias do governo, com o seu secretariado. É isto que eu chamo de ordem na casa. Este é um primeiro trabalho, que é arrumar a máquina pública, desestruturada por uma série de razões, como a crise econômica. Tenho ouvido muito isso de seguidores e de especialistas da academia. E acho que este é o primeiro passo.

Ricardo Bruno – Qual o seu diagnóstico sobre estes setores que você falou: educação, saúde, segurança pública, que são três áreas centrais?

Felipe Santa Cruz – Eu vou destacar antes a educação. Nós temos problema com a carga horária, temos uma falta de projeto. No último ano, por conta do Fundeb, sobrou dinheiro. Em cima da hora, o governo teve que liberar dinheiro. Faltam especialistas. Com todo respeito ao secretário Alexandre Valle, é um erro do governador que ele tenha, durante a crise, retirado o Comte Bittencourt, que é um especialista na área, pra deixar uma pessoa que não tem essa especialização. O governo vem muito sem valorizar o servidor público. Nós sabemos que esta é uma área que, sem a valorização dos professores, não funciona bem. Por exemplo: as cargas horárias estão em discussão na Justiça. A gente tem que aumentar a carga horária desses professores, principalmente os mais jovens. Hoje nós temos grande parte das escolas sendo dirigidas por professores que têm a carga horária mais baixa. Há um desnível de remuneração muito grande. O professor que está em função de direção é o professor que tem a menor carga horária! A gente precisa garantir a valorização desse professor. Na educação, até tem dinheiro para a obra da escola. O grande problema na educação é essa arrumação de casa, da carga horária e valorização dos professores. Na saúde já é outro problema. A gente tem que fazer um forte investimento. Semana passada eu visitei UPAs e vi uma situação de descalabro, de abandono, tudo muito sujo, mal cuidado. Tem um primeiro investimento a ser feito, que é na estrutura fisica. Investimento nos hospitais. Temos obras paradas…

Ricardo Bruno – Mistura de UPA com OS, você concorda com o modelo?

Felipe Santa Cruz – Acho que não tem como numa campanha fazer num primeiro momento uma proposta imediata de substituição das OSs. Temos que respeitar as OSs que dão resultado. Não acho que o modelo tem que ser jogado fora. Isto seria demagogia. Não dá para remontar toda a secretaria de saúde, com todos os concursos, de maneira imediata, em plena situação de recuperação fiscal, com o regime que a gente está enfrentando. Mas nós temos que valorizar a OS e certamente afastar das OSs o modelo de partilha política, que é o que a gente vê todos os dias.

Washington Quaquá – Como é que você vai cumprir a lei de responsabilidade fiscal sem OS?

Felipe Santa Cruz – Este tipo de modelo de ampliação do servidor público na educação se mostra prioritário num primeiro momento, e na OS nós temos que fazer escolhas, escolhas que cabem ao gestor. Não quero jogar a água da bacia fora com a criança dentro.

Washington Quaquá – Tem um legado do Brizola, que é o legado físico, os prédios dos Cieps. E tem um legado conceitual, que é o legado da educação integral. Cada vez mais, com a destruição das famílias e das comunidades, maior é a necessidade de as crianças ficarem o dia inteiro na escola. Qual é a sua proposta em relação a estas duas questões?

Felipe Santa Cruz – O grandioso do Darcy Ribeiro e do Brizola é que esta visão foi vitoriosa no espírito e na compreensão da população. A escola em tempo integral hoje é uma realidade, mas como sempre no Brasil, por causa da nossa desigualdade, é uma realidade pro filho do rico e um sonho para o filho do pobre. Em primeiro lugar há um compromisso nosso, do PSD. A prefeitura do Rio de Janeiro vai colocar R$ 1,5 bilhão da venda da Cedae para ter 80% das crianças em tempo integral até o final do mandato do Eduardo. Nós vamos assumir e cumprir o este compromisso. Espero que o PDT esteja com a gente. E vamos levar este compromisso para o governo do estado. Este é um compromisso político, que vai nortear o resto todo. Aqui na capital nós vamos recuperar fisicamente 101 Cieps que estavam em mau estado, com esta verba da Cedae. Este compromisso é nosso. Mas ele não tem como ficar de pé sem a valorização do servidor da área da educação. Sem valorizar o professor, sem fazer a ampliação das cargas horárias, de 16 para 30 horas, sem ocupar as salas de aula. Este modelo de horário integral exige uma nova base pedagógica, que deve ser voltada para a área de matemática, de ciências exatas, porque esta é a demanda do mundo. A prefeitura vai lançar um projeto de inclusão, que vai investir R$ 50 milhões. Eu vi os datalhes. Por exemplo: se você pega um jovem de comunidade carente, que tenha uma boa base de matemática, você bota ele para fazer um curso de seis meses – um curso caro, de R$ 20 mil – que ensina programação. O que nos une aqui nessa entrevista é que todos nós somos analfabetos nesta linguagem. Em seis meses, este jovem, a quem você fornece um computador, estará empregado com uma média salarial de R$ 3.500, com nível de empregabilidade de 90%. Isto é uma revolução. O nosso ensino integral tem que estar voltado para novas linguagens e novos conhecimentos. Matemática é exatamente o que falta nas salas de aula do estado. Precisamos de bons professores de matemática, que devem ser mais bem remunerados. Isto exige reestruturar carreira. Por isso que eu digo: tem um arrumar de casa que precede o compromisso político com a escola integral.

Ricardo Bruno – Você presidiu a OAB, está credenciado para tratar deste assunto. Como você vê este modelo que tem sido aplicado, que resultou nas situações do Jacarezinho da Vila Cruzeiro? Pergunto ainda se você concorda com a decisão do STF que limita as ações policiais dentro das comunidades, da qual as forças policiais têm reclamado.

Felipe Santa Cruz – Começo pela segunda questão: não concordo com a decisão do Supremo. Esta decisão cria juridicamente áreas onde o estado não ingressa, e por isso nós temos hoje 50% do estado sob controle das narcomilícias. Mas embora não concorde, eu entendo a decisão. E entendo por que? Porque a política do estado tem sido de extermínio. Você há de concordar que duas operações que geram mais de 50 mortos são operações muito mal sucedidas. Não houve expedição de mandado judicial para matar pessoas. A ordem do estado é suba e prenda, faça detenção dentro da lei. Outro dia estava conversando com o Zaqueu Teixeira e ele lembrava do episódio do Elias Maluco. Ele foi preso, vivo! A polícia do Rio está se notabilizando por não trazer ninguém preso. Não traz pessoas vivas de nenhuma dessas operações. Não faz prisioneiros. É isso que gera a resistência do Supremo a autorizar esta política. Outra coisa. está se normalizando a morte de crianças, está se normalizando escola fechada. Na Vila Cruzeiro, por causa da operação, durante uma semana 11 escolas ficaram fechadas. Qual é o impacto disso na vida dessas famílias. Estas famílias não têm babá para ficar com as crianças. As mães não vão trabalhar, vão perder o emprego. Se ela vai trabalhar e deixa a criança  sozinha trancada em casa, aparece lá o Conselho Tutelar. É um drama social enorme. Então eu entendo o conflito do Supremo, embora ache a proibição perigosa, porque cria áreas de omissão do estado, e a gente sabe que não existe poder vazio. Quando o poder se esvazia alguém vem e ocupa e, neste caso, quem vem é o crime. Mas volto à segurança pública para dizer o que disse para outras áreas: primeiro tem o dever de casa. Formar corregedorias, voltar com a Secretaria de Segurança, que o governo Witzel-Castro extinguiu, investir mais em inteligência, investir na valorização da polícia, investir em tecnologia. Vou pedir perdão ao governador, aqui, com toda a vênia, mas falar que vai botar câmera corporal, para cumprir uma lei da Alerj, mas que vai botar só em batalhão de rua na Zona Norte e na Zona Sul, isso é balela, isso é enganação. As grandes operações não vão ter câmera e, pior, as imagens das câmeras vão ter sigilo de um ano! Assim não se está cumprindo a finalidade de dar transparência e proteger o bom policial. O que temos é uma polícia que não tem procedimento, que não tem investimento, não tem corregedoria forte, uma polícia em que os praças cada dia mais se sentem apartados dos oficiais – eu ouço isso todo dia. Os praças querem ser valorizados, querem sua agenda remuneratória sendo tratada. É uma falta de norte…

Washington Quaquá – Você acha que a carreira devia ser única?

Felipe Santa Cruz – Claro, e não apenas na Polícia Militar. Este problema existe também na Polícia Civil. Acaba que nós temos quatro forças em paralelo ou, até pior, em sentidos contrários. Veja: a nova lei orgânica da polícia levada à Alerj aproxima o delegado do promotor e o afasta ainda mais da atividade policial. Minha campanha está autorizada, até pela minha história de vida, a tentar reaproximar todas essas forças. O ministério Público tem uma força de inteligência enorme, isto foi investimento do estado, e esta força de inteligência está apartada da polícia. Não é possível que gente tenha de conviver com quatro polícias, sem contar as guardas municipais. A secretaria de Segurança era um esforço de integração de todo o aparato estatal, mas foi vencida pelo corporativismo das polícias.

Ricardo Bruno – Como é que você reage à afirmação de que você não tem experiência administrativa?

Felipe Santa Cruz – Eu fui presidente da maior entidade de classe do mundo, que a Ordem dos Advogados do Brasil. Tenho minha experiência como gestor privado. Experiência vitoriosa, da minha vida, da minha carreira na advocacia. Tenho um partido estruturado, que gere a prefeitura do Rio de Janeiro. Estamos em busca de aliados experientes. Estamos buscando o PT, o PDT, estamos buscando gente com experiência para construir isto com a gente. Gente com experiência em cuidar do povo, gente com experiência em educação.

Ricardo Bruno – O seu modelo de gestão vai replicar em boa medida o modelo de gestão do Eduardo Paes na prefeitura da capital?

Felipe Santa Cruz– Sim. E tem um espírito nas gestões do Eduardo que eu gosto muito, que é não negar a política. É contar com políticos, porque políticos sabem onde aperta o calo do povo, mas juntar a isso a força da técnica. Este é o modelo certo. Não pode entregar tudo aos políticos, porque determinadas tarefas exigem um conhecimento técnico. O ideal é que você tenha políticos que dominem as duas esferas.

Washington Quaquá – Você falou de ciência e tecnologia. O Rio de Janeiro tem uma capacidade instalada de ciência e tecnologia que é imensa. Na saúde, é impressionante – temos um parque industrial que pega a Fiocruz, a UFRJ. Mas isto me parece muito mal aproveitado. O que você prevê em relação a isto?

Felipe Santa Cruz – Tenho conversado muito sobre isso. Semana passada fui ao núcleo da UERJ, que é lindo, em Nova Friburgo, com uma potencialidade enorme. Mais uma vez falo sobre a fusão que não foi feita. Eu queria que essa eleição – e falo inclusive como cidadão – pudesse marcar uma era de precedência dos assuntos do Rio de Janeiro. Eu sinto que a nossa academia também não está voltada para os grandes temas do Rio de Janeiro. E o nosso empresariado não compreende a potencialidade disso. Eu vi o investimento da UERJ em Fribugo e pensei assim: em qualquer lugar do mundo, nos Estados Unidos, por exemplo, em torno desta universidade haveria um núcleo de empresários. É dinheiro público sendo colocado em saber e que tem voltar para aquela comunidade. Esta na hora de nós todos, e isto inclui a academia, colocarmos o Rio de Janeiro em primeiro plano. Eu descobri, dia desses, estarrecido, que a Petrobrás levou quase todos os centros de pesquisas que estavam na UFRJ para a Unicamp. E o argumento é a falta de segurança pública no Fundão. Isto é gravíssimo. A gente tem que ter um governo que consiga dizer para a academia que é hora de entregar agendas concretas para o mundo real – para o empresariado, para o trabalhador. É a hora do protagonismo da agenda Rio de Janeiro.

Ricardo Bruno – O modelo de recuperação fiscal imposto pelo governo federal: você concorda?

Felipe Santa Cruz – O modelo é perverso. Estrangula os estados. O Rio está tão precário nesta discussão, que a Alerj começou a fazer a auditoria da dívida só agora. A Alerj assumiu muitas dessas funções. Vamos reconhecer o trabalho da Assembleia Legislativa. Quem é que foi agora brigar contra esta nova lei de gás, que é um acinte? Foi a Alerj. A Alerj fez esta discussão do gás, agora. No regime de recuperação, a gente não pode ficar sem norte pro nosso povo, a gente não pode ficar sem educação. A gente tem que discutir o tamanho da dívida. Te que discutir este pacto federativo, que no petróleo e gás só nos prejudica. Você tem alguma dúvida de que agora quando subirem os royalties dos nossos municipios, vai começar a pressão sobre o Supremo para retirá-los? E alguém lembra que a gente perdeu o ICMs do combustível na Constituição e perdeu na Lei Kandir?

Ricardo Bruno – Nós estamos presos a uma liminar, que é precária. Está na mesa de negociação no Supremo, mas isso não anda…

Felipe Santa Cruz – É como se o Rio de Janeiro fosse a Geni desse filme. Sinceramente, eu tenho muita fé que nós vamos ter um novo governo federal no próximo mandato. Ninguém desconhece a minha insatisfação com o governo Bolsonaro. Não só sob o aspecto da democracia. Mas principalmente pelo que faz contra o Rio de Janeiro. Bolsonaro abandonou o Rio de Janeiro. É uma situação totalmente exótica: temos um presidente, um governador e os três senadores do mesmo partido, e eles não bateram um prego numa barra de sabão pelo bem do Rio de Janeiro. Está tudo parado, só se atende o interesse de São Paulo. Retiraram o certificado de zona exportadora do porto de Itaguaí, o investimento em gás estaria indo pro Norte do país, se não fosse a Alerj brigar. O Rio de Janeiro precisa de um governo firme, ninguém aqui é caloteiro, óbvio que o estado quer pagar suas dívidas, mas não deve pagar suas dívidas sendo subserviente como está sendo agora.

Washington Quaquá – Você falou da questão nacional e podemos falar da posição do PSD. Kassab diz que vai liberar os estados para seguirem o rumo que entenderem melhor. Qual é a tua posição e a de Eduardo Paes em relação às eleições nacionais?

Felipe Santa Cruz – Todos sabem que a gente dialoga e conversa com todo mundo – e falo por mim e pelo Eduardo Paes. Nós sempre colocamos como pedra fundamental que nós estamos no campo democrático. É importante ser dito, porque as pessoas estão esquecendo de determinadas coisas por causa das composições pré-eleição. Jair Bolsonaro não é do campo democrático. E mais: este Jair Bolsonaro domesticado, bonzinho, que está se apresentando até outubro não será o mesmo Jair Bolsonaro se for reeleito. Não tenho dúvida nenhuma disso. As instituições vão passar por um estresse ainda maior do que passaram nestes últimos quatro anos. Dentro do campo democrático a gente tem, claro, uma discussão nacional, conduzida pelo Gilberto Kassab, presidente do PSD. Mas o certo é que nós vamos marchar, ou no primeiro turno ou no segundo turno, com aqueles que são candidatos do campo democrático.