ROTA DO SAL EM PRAIA SECA

As salinas localizadas na Lagoa de Araruama chegaram a ser maiores produtoras de sal do país nos anos 40 e 50

Marcelo Macedo Soares

Poucos elementos se fazem tão presentes na história das civilizações quanto o sal. Do sal nasce o salário, porque na antiguidade ele valia tanto que servia como meio de pagamento. Mais do que isso, o mineral é imprescindível para o corpo humano, já que entre outras funções, regula o ritmo cardíaco e o volume sanguíneo. Essa importância fez com que o sal ganhasse um simbolismo muito forte, tornando-o sinônimo de força e proteção personificados através de crenças cujos registros são anteriores aos existentes na Bíblia, por exemplo: “vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo” (Mateus 5:13,14). Não é exagero dizer que, no mundo, poucos lugares foram perpetuados por essa importância quanto as cidades da Região dos Lagos, especialmente aquelas banhadas pela Lagoa de Araruama, maior massa de água hipersalina em estado permanente no planeta. É justamente numa dessas cidades que se encontra o primeiro e único espaço no Brasil dedicado ao tema: o Museu Regional do Sal, em São Pedro da Aldeia. 

Antes de falar do Museu do Sal, é preciso voltar no tempo para entender o tamanho da importância e a influência direta do sal no desenvolvimento da Região dos Lagos, especialmente no município de Araruama. Os primeiros habitantes foram os indígenas Matarunas, que já conheciam e utilizavam o sal das salinas naturais existentes na região, sobretudo como atividade de subsistência. Mais tarde, muitos desses depósitos naturais de sal passaram a ser explorados. 

A história das salinas na região de Araruama remonta ao século XVI, quando o sal era produzido naturalmente nas cavidades da lagoa. Com a chegada dos europeus, a extração de sal passou a ter maior importância, com a utilização de técnicas trazidas pelos portugueses e franceses. Com a colonização portuguesa, a Corte proibiu a extração do sal em terras brasileiras, obrigando a Colônia a consumir o sal vindo de Portugal. 

O monopólio português sobre a venda de sal no Brasil só seria abolido em 1801. Em 1822, na cidade de Cabo Frio, surgiu a primeira salina voltada para produção industrial. Ela foi construída por Luis Lindberg, oficial do exército alemão a serviço de D. Pedro I, que obteve uma concessão de terras devolutas em área de Marinha, às margens da Lagoa de Araruama. Essa é considerada a primeira grande empresa produtora de sal no Brasil. Entre o final do século XIX e princípios do século XX, algumas famílias acabaram escolhendo Praia Seca para fincar raízes. 

As salinas localizadas na Lagoa de Araruama chegaram a ser maiores produtoras de sal do país nos anos 40 e 50 e tiveram seu auge de produção nas décadas de 1960 e 1970, quando havia mais de 160 delas, fazendo com que a atividade salineira fosse a principal mola propulsora da economia local. Atualmente, não há registros exatos de quantas salinas ainda estão em atividade na região, mas não chegam a 20.

Uma das poucas que ainda se mantém em atividade é a Salina Vigilante, no distrito de Praia Seca, em Araruama, de propriedade de Hermínio Fernandes Carvalho, o Tostão. Aos 75 anos, Tostão começou a trabalhar na salina da família aos 6 e conhece como poucos o processo da extração do sal, que continua sendo feito de forma artesanal. Porém, diferentemente dos tempos áureos, quando centenas de trabalhadores tiravam de lá o seu sustento, atualmente apenas dois funcionários fixos trabalham na Vigilante.  

“Já chegamos a ter 300 pessoas trabalhando aqui. Hoje esse número chega no máximo a 50 no período de colheita”, explica Tostão. 

Mas afinal, como funcionam as salinas? O princípio básico passa por promover a evaporação natural da água através dos diversos quadros que fazem parte do projeto de uma salina. No final, após o trajeto das águas pelos diversos compartimentos, com graduação diferenciada de níveis, o sal cristaliza. À primeira vista pode parecer um trabalho simples, mas está longe disso. Segundo os próprios salineiros, é como uma ciência onde os conhecimentos são passados de pai para filho. 

Tostão conta que grande parte da produção das salinas de Praia Seca atualmente é vendida para São Paulo, onde o sal é usado principalmente para conservar couro. O salineiro, que viveu o período áureo do sal, atribui a queda da atividade na região à produção industrializada em grande escala, sobretudo no Rio Grande do Norte. Como o aumento da demanda e da produção, a extração artesanal como a que acontece na Salina Vigilante foi perdendo espaço e consequentemente a rentabilidade a partir de meados da década de 1970. 

“Até tentou-se produzir (o sal) aqui como se faz no Nordeste, mas a ideia não avançou”, explica.

Com a atividade em declínio, as salinas foram aos poucos sendo objetos de desejo da especulação imobiliária e a maioria delas acabou dando lugar a loteamentos e condomínios. 

História que passa por indígenas, escravos e imigrantes

Se a atividade salineira foi aos poucos se acabando, a rica história do sal e a importância das salinas para a Região dos Lagos ganhou um espaço à altura para ser contada e perpetuada. Trata-se do Museu Regional do Sal, em São Pedro da Aldeia, primeiro e único do Brasil dedicado ao tema. Localizado às margens da Rodovia Amaral Peixoto, o espaço foi inaugurado em 2023 e resgata não só a história da região, como leva os visitantes a uma verdadeira viagem no tempo. 

A visita ao museu começa com um vídeo de cerca de 10 minutos que mostra a evolução da atividade salineira na Região dos Lagos e conta um pouco da história da bela construção colonial que fazia parte de uma salina e hoje abriga seu acervo. O diretor do espaço, o historiador Alexandre Martins de Azevedo, faz questão de sempre que pode acompanhar a visita mostrando cada detalhe do museu e das peças que ocupam o salão principal. 

“Nós criamos uma narrativa histórica do museu, contando desde os tempos mais longínquos do planeta, passando por diversas civilizações e suas relações com o sal. Mas o carro-chefe é a importância do sal para nossa região e a história é contada desde o descobrimento do Brasil até os dias de hoje. O museu, claro, tem o foco principal na região, na importância do sal para a região, só que ele fala também da importância do sal de uma forma bem mais abrangente, para a humanidade mesmo.”

Durante o passeio pelo Museu do Sal, é possível conhecer ainda partes de nossa história que são pouco contadas. Uma delas, por exemplo, diz respeito ao uso de escravizados na atividade salineira. Mais do que isso, o museu traça uma linha do tempo percorrida pelo sal pelos mais diversos povos, passando pelos indígenas e imigrantes. 

“A primeira grande salina do Brasil, em Cabo Frio, foi formada com mão de obra de pelo menos 100 escravizados. Com o final da escravidão, o Brasil fica carente de mão de obra, então italianos, portugueses, espanhóis e até japoneses, vieram para a nossa região. Mas a maioria era formada por portugueses. Então, até nosso estilo de produção salineira, como você vê nos quadros, nas fotografias aqui, é o estilo de produção salineira portuguesa, artesanal daquele tempo.”  

Na opinião de Alexandre, o ano de 1974 é o grande marco temporal do apogeu e queda da indústria salineira na Região dos Lagos, por conta de duas grandes obras que mudariam para sempre a história do sal na Região dos Lagos: a Ponte Rio-Niterói e o Porto Ilha de Areia Branca, no Rio Grande do Norte.

“Esse porto no Rio Grande do Norte é um projeto americano, um porto metálico em alto mar, que facilitou o escoamento da produção de sal”, conta.

O museu funciona de quinta a domingo, de 13h às 19h, e também nos feriados nacionais, independente do dia da semana. O endereço é Rodovia Amaral Peixoto, km 107, s/nº – Flexeira, São Pedro da Aldeia (ao lado da UPA Pediátrica). Mais informações podem ser obtidas através do email museudosal@pmspa.rj.gov.br e pelo Instagram @museu.do.sal.