GASTRONOMIA: O INVERNO NO RIO DÁ UM CALDO

Mocotó, feijão e frutos do mar: Boteco Princesa dá um caldo

Bruno Agostini

Não importa a época do ano: quando o cliente chega ao restaurante Fim de Tarde, no Centro, é recebido com um copinho fumegante, com a sopa do dia, como boas-vindas. No receituário tradicional carioca, um dos pratos (fundos) mais populares é a sopa Leão Veloso, batizada em homenagem ao diplomata que criou a receita, nas mesas do Rio Minho, o restaurante mais antigo da cidade, desde 1884. Clássico é pouco. Do mesmo modo, nos botequins cariocas o caldinho de feijão é um petisco que não pode faltar – chamado fraternalmente de feijão amigo, apelido gentil que pode se estender a outros preparos do tipo, como o mocotó amigo, a ervilha amiga e muitos amigos mais. Os imigrantes portugueses, por sua vez, também se fazem presentes nesse cardápio líquido e reconfortante, não importa se no inverno ou no verão. Todo dia é dia de caldo verde nos endereços portugueses da cidade, e não só neles, porque, assim como a canja de galinha, essa sopa se incorporou ao cotidiano da cidade, popular nas casas, nos bares e nos restaurantes. 

– Servimos todos os dias uma sopinha de boas-vindas, mas ela pode virar uma sopa, quando o cliente pede, embora não esteja oficialmente no cardápio. Variamos muito, pode ser de feijão, abóbora, batata baroa, ervilha, legumes…Fazíamos uma, chamada de sopa catalana, que era de grão-de-bico com alho-poró. Se encomendada com antecedência, conseguimos servir, mas em cima da hora não dá – conta Marcos Alonso, sócio do Fim de Tarde. 

Leão Veloso, novidade no Guimas

Fora isso, não faltam países bem representados na gastronomia carioca com muita tradição no preparo de sopas, como Japão, Peru e Tailândia. Nesses endereços sempre encontraremos sopas no cardápio, seja no inverno, seja no verão. Mas, uma coisa é certa: quando chega a temporada de frio, a oferta de sopas de caldos nos bares e restaurantes do Rio se multiplica com lançamentos pontuais, como o que fez o Guimas, o mais carioca dos bistrôs, que acaba de lançar a sua versão da bouillabaisse, que ganhou um tempero baiano, pelas mãos do chef Yan Thompson. Em sua receita, peixe, lula e camarão são preparados em um caldo feito à base de tomate, pimentão vermelho e coentro, com creme de leite e um fio de azeite de dendê para finalizar. 

Outra versão autoral da sopa vem com sotaque chileno, mas num restaurante francês. A recriação de Juanjo Garcia Molina não é exatamente uma sopa, mas uma versão desconstruída. Uma deliciosa bisque forra o prato, servindo de piscina para tentáculos de polvo, vôngoles e o vistoso camarão VG, enquanto um naco de peixe repousa sobre a batata. Delícia de verdade, todos os pescados no ponto exato de cozimento. 

Provando que sopa e calor não são conflitantes, a culinária tailandesa tem grande tradição no preparo de sopas, o que podemos observar ao visitar o Cam’On Thai Food, seja na Barra ou em Botafogo, onde vamos sempre encontrar o Pho Bo, assim definido no menu: “Identidade Cultural do Vietnã. Caldo aromático, cozido por horas, à base de carne e especiarias, servido com filé mignon, noodles de arroz, hoisin, sriracha e ervas frescas”. Parece bom? Garanto que é. O restaurante, como se vê, extrapola as fronteiras tailandesas, fazendo escola em países vizinhos. Mas a maior parte do menu é mesmo thai. E também encontramos ali a Khao Sol, à base de curry amarelo feito na casa, com leite de coco, frango orgânico, noodles de trigo e picles de folhas de mostarda.

– Ambos são pratos típicos. E como nós prezamos muito pela autenticidade, fizemos receitas bem fiéis às originais para que o cliente se sinta em Chiang Mai comendo uma Khao Soi ou em Hanói comendo uma Pho. É uma viagem sem volta porque vicia! Me arrisquei a reproduzir essas receitas porque sou uma fã incurável das sopas asiáticas. Eu amo, mesmo em dias quentes. Na Tailândia, temos sopas superfamosas que já entraram na lista dos melhores pratos do mundo algumas vezes. Um exemplo é justamente a Khao Soi, típica do norte da Tailândia, que voltou ao cardápio do Càm O’n depois de muitos pedidos de clientes que morriam de saudade dela. Temos também a Pho, uma sopa vietnamita feita com um caldo de carne cozido por 12 horas, muito saboroso e nutritivo. Mais leve que a Khao Soi, porém serve como uma refeição, é hit no Càm O’n atualmente – diz a chef Ana Carolina Garcia, que comanda as duas casas.

Nam Thai: na Tailândia é tradição

O chef David Zisman é outro que aposta em receitas de sopas, servindo nada menos que cinco opções, sendo três exclusivas para o período de inverno. 

– Eu sugiro que deguste fria, além de quente. São percepções diferentes e deliciosas da combinação de ingredientes. É divertido para o paladar. Além de ser ótimo para os dias quentes do inverno carioca – explica o chef.

Além de sua versão da Pho Bo, uma das sugestões da temporada é a Birmanesa, uma sopa de macarrão e camarão, enriquecida com gengibre e caldo de vegetais, cebola roxa, e decorada com endro. A terceira opção da estação fria é Tom Kha Gkhai, uma sopa de frango com capim-limão, galanga, folha de limão kaffir e leite de coco.

Em cartaz durante todo o ano, a Tom Yam Kung tem um curry negro de malagueta, um tempero artesanal feito na casa, combinando camarão, limão kaffir e capim-limão, que fica ainda mais evidente na boca se consumida fria, e adaptável para vegetarianos. Fechando o menu de sopas, o Thai Pot traz frutos do mar em um caldo picante com chili, óleo de gergelim torrado, repolho e saquê.

Lámen na Casa Ueda

Ainda pela Ásia, o Japão também é outro país que tem nas sopas um ponto importante de suas tradições culinárias. O missoshiro é item quase onipresente, servindo de reconfortante boas-vindas, incluído muitas vezes como entrada em menus de almoço, ou mesmo em degustações mais longas. Um dos melhores lugares da cidade para experimentar essa tradição é o Mitsubá.

– Japonês adora caldo e macarrão, como udon ou sobá. O lámen tem uma característica de não passar do ponto no caldo quente, uma massa específica para sopa. Já o udon é uma massa que funciona como se fosse uma esponja, incha e absorve o caldo – conta Homero Cassiano, fundador do restaurante, que hoje funciona no Rio Design Leblon. 

Sob o comando do chef Eric Ueda, a Casa Ueda é outra japonesa de referência. Ali, encontramos respeitável seleção de rámens, feitos com macarrão caseiro de farinha. Entre as opções, o Kare Rámen leva caldo de base mista (porco e frango) com legumes e curry, e vem acompanhado de mix de pimentas asiáticas, copa-lombo, milho e cebolinha. Outra sugestão é o Rámen Ueda, preparado com caldo de base mista (porco e frango) com shoyu, também acompanhado de copa-lombo, mais ovo, naruto, nori e cebolinha.

Com unidades no Leblon, Ipanema e Jardim Botânico, a La Carioca Cevicheria é a representante do Peru. No caso, são pratos sazonais, que entraram há pouco em cartas: Parihuela, tradicional sopa de frutos do mar típicas das cevicherias de Lima; assim como o chupe de camaronês, um caldo de camarões e ovo pochê. Outras duas opções líquidas completam o cardápio de inverno: o o minestrone peruano, sopa de legumes e filé mignon em caldo de legumes com ají amarillo e o cau cau de cogumelos e alho-poró, um creme que leva ainda batata baroa e também ají amarillo. 

Gajos d’Ouro: sopa rica

O restaurante português Gajos d’Ouro se mostra especialista no assunto. Além de caldo verde e da irreverente sopa de pedra, que vem com uma pedra para manter a temperatura, a casa serve outras cinco sopas em seu menu regular: creme de castanha portuguesa com bacalhau, funghi e trufas negras; a sopa rica de frutos do mar, que vem coberta por massa folheada; o gaspacho verde com tartare de veira e croutons (fria); o creme de grão-de-bico com bacalhau crocante e alho-poró; e a canja de pato com curry – com inspiração diretamente de Goa, onde Portugal manteve colônia por muito tempo, levando influências para a Europa, como o uso do caril, como chamam por lá o tempero.

Nos botecos é quase obrigatório servir caldinhos, de aperitivo. No Rainha, por exemplo, eu consigo resgatar um hábito de adolescência, muito praticado no balcão do saudoso Rei do Limão, botequim clássico de Teresópolis, onde era comum misturar caldinhos de mocotó e feijão. Prove e me conte. 

Aproveitando o friozinho, o bar Cine Botequim 2, no Maracanã, preparou também um festival de caldos, que fica por tempo indeterminado em cartaz. Tem feijão, caldo verde, batata com alho-poró e camarão.

Levanta Bebum no Pescados na Brasa

Não podemos nos esquecer, neste roteiro acolhedor, do bar e restaurante paraense Pescados na Brasa, no Riachuelo, zona norte do Rio. O Levanta Bebum (caldinho de aipim com camarão e queijo coalho frito) e o caldinho de caranguejo fazem sucesso na casa, onde não poderia faltar o clássico tacacá (feito com tucupi, jambu, camarão seco e goma de tapioca), prato típico da Região Norte.

Há variações criativas e —porque não dizer?— inusitadas dessas especialidades.

Feijão, ovo e coração, no Bafo da Prainha

– Tenho um caldinho de feijão no Bafo da Prainha que está fazendo sucesso. Chama-se Levante. É um caldinho de feijão preto com espetinho de ovo de codorna e coração de galinha na brasa – conta Raphael Vidal, o rei do Largo da Prainha.

Por essa você não esperava.