Jan Theophilo
Bem-vindos, senhoras e senhores, conservadoras e conservadores, companheiras e companheiros, todes e todxs. À direita de nosso ringue imaginário, está Balneário Camboriú, a “Dubai brasileira”, endereço dos três maiores arranha-céus do país e palco de recente quermesse da extrema-direita animada por um argentino amalucado. À nossa esquerda, está Maricá, refúgio de Maysa, meme de Eduardo Paes e espécie de farol do socialismo no Rio de Janeiro, com suas políticas sociais inovadoras padrão norueguês. Em comum, as duas cidades são as que mais crescem em seus estados nos últimos 20 anos, ao mesmo tempo em que se tornaram símbolos de visões antagônicas de futuro para o país. Quem sairá vencedor dessa comparação?
Não precisa existir uma vencedora, mas nada nos impede de um divertido exercício de comparação.
Com um Produto Interno Bruto (PIB) que tem dobrado de tamanho nas últimas duas décadas, Balneário Camboriú tem se destacado economicamente, com um mercado imobiliário e turístico em expansão. Ao mesmo tempo em que suas 10 praias entraram no hype como algumas das melhores do país, seja pela qualidade das águas, ou beleza dos tipos físicos que lagarteiam diante delas, a cidade passou a abrigar sete dos 10 maiores edifícios brasileiros. “Os prédios de luxo, as torres, têm muito a ver com o perfil da cidade, com esse turismo. Para o público D e C, já havia prédios mais simples. Mas quando a cidade começou a se destacar, as empreiteiras grandes quiseram se especializar no público A e B”, diz a historiadora Mariana Schilickmann, autora do livro “Do Arraial do Bonsucesso a Balneário Camboriú”.
Só que a cobiça – ou o mercado – cobra seu preço. A construção desses gigantes na Avenida Atlântica lá deles, em frente à praia Central, simplesmente fez com que suas sombras cobrissem a faixa de areia, inviabilizando o banho de sol de quem curte o dolce far niente à beira da praia. Só o edifício One Tower, que ficou famoso quando o ex-jogador em atividade Neymar Jr comprou uma cobertura, tem 89 pavimentos e impressionantes 290 metros de altura.“ Nesses prédios, uma coisa vai puxando a outra. A arquitetura chama a atenção, que chama turismo. O turismo chama as pessoas, que vêm e querem ficar”, resumiu Mariana Schilickmann.
O PIB de Camboriú é a perfeita planilha neoliberal: cerca de R$ 7,4 bilhões de reais, sendo que 69,5% do valor adicionado advém dos serviços, na sequência aparecem as participações da administração pública (17,9%), da indústria (12,3%) e da agropecuária (0,3%).
Mas isto não é nada. Pasmem: o PIB de Maricá, soma de todos os bens e serviços produzidos na cidade, chegou ao valor impressionante de R$ 85,8 bilhões, grande parte devido à produção de petróleo. O petróleo é o grande impulsionador do crescimento de Maricá, tendo mudado a história do município do litoral fluminense. Para se ter uma dimensão, o PIB Maricá (RJ) chega a ser superior ao de muitos estados brasileiros, como o Amapá, Acre e Sergipe.
Maricá não tem arranha-céus, e nem quer. Aqui o papo é outro. Recentemente, o jornal espanhol El Pais e a revista alemã Der Spiegel apontaram o município como cidade-modelo a ser seguida em todo o mundo. E a principal razão para as elogiosas reportagens é a quantidade de políticas públicas que foram implementadas no município, das quais a mais famosa é a Mumbuca, moeda social própria que destina R$ 230 mensais a quase 92 mil moradores, quase metade de uma cidade com menos de 200 mil habitantes.
“Eu tenho o cartão da Mumbuca desde que começou. Foi uma das melhores coisas que a prefeitura já fez. Ajuda na alimentação, na compra de remédios”, diz a gari Maria José Ferreira Veras.
A Mumbuca é um benefício individual, ou seja, se uma família tiver 10 integrantes, ganhará 10 cartões por mês, inclusive as crianças. Isso representa uma injeção direta na economia local de R$ 18 milhões mensais. A cidade já conta com 12 mil estabelecimentos comerciais credenciados para compras com a Mumbuca.
Mas com dinheiro sobrando é fácil, né? – e qualquer um pode provocar. Não necessariamente. É fato que Maricá foi no ano passado a cidade do litoral Norte do Rio que mais recebeu dinheiro dos chamados royalties do petróleo – uma compensação financeira paga à União, estados e municípios pelas empresas produtoras de petróleo como forma de compensar a sociedade pela utilização destes recursos, que não são renováveis.
Maricá não tem arranha-céus, e nem quer. Aqui o papo é outro. Recentemente, o jornal espanhol El Pais e a revista alemã Der Spiegel apontaram o município como cidade-modelo a ser seguida em todo o mundo
No total foram cerca de R$ 4 bilhões. Mas sem boa gestão, dinheiro na mão é vendaval. Que o digam os habitantes de parte das cidades beneficiadas, que torraram os recursos dos royalties em gastanças tão inúteis quanto tristemente famosas. Uma cidade é campeã no quesito: construiu um calçadão usando um porcelanato que não se vê em condomínios de luxo da Barra da Tijuca, uma ponte estaiada com iluminação cinematográfica e, quando o preço do petróleo caiu, decretou calamidade pública. Mas durante cerca de 10 anos o dinheiro fácil do petróleo bancou shows faraônicos, parques de diversões e até sambódromos em cidades onde mal existem rodas de pagode. Muitas dessas obras nunca foram concluídas.
“Antes isso aqui tudo era estrada de barro. Hoje, a infraestrutura da cidade melhorou muito. Hoje tem rua com asfalto, saneamento básico. Abriram canais da Lagoa para o mar, o que acabou com as inundações. E ainda criaram os vermelhinhos, que são uma baita mão na roda”, conta o bombeiro salva-vidas Jorge Martins. Os “vermelhinhos”, de merecida fama nacional, são os ônibus que rodam pela cidade com tarifa zero para os passageiros. Totalmente gratuitos! São 15 linhas operadas por 74 concessionárias. Além dos ônibus, a prefeitura oferece 250 bicicletas compartilhadas, também de graça, localizadas em 25 estações na cidade.
Em Camboriú, os moradores encontram seus motivos para ostentar, mas o conceito é outro. “Aqui você vê cada vez mais Ferraris passeando nas ruas; Corvette, Hummer, Porsche viraram carros normais. Em que outro lugar do Brasil você poderia ver isso?”, afirma Luis Luis Valério, gestor de marketing da Miami Imports, que trouxe para o Brasil a primeira Tesla Cybertruck que se tem notícia no país. A picape elétrica futurista de Elon Musk foi comprada pelo funkeiro Danielzinho Grau, mas os valores não foram revelados. Nos Estados Unidos, o carrão, completo, custa um pouco mais de US$ 100 mil. De acordo com Luís Valério, o movimento de pessoas que tinham o estado como segunda residência entrou em uma nova fase, em que elas mudaram para a própria região, passando a consumir esses tipos de veículos.
É bem verdade que as Ferraris rubras de Camboriú são para o povo ver e os vermelhinhos de Maricá são para o povo usar. Maricá não tem ferraris nas ruas, mas asfaltou nada menos que 531 quilômetros de vias em diversos bairros da cidade. Com a venda da Cedae, em 2019, a Companhia de Saneamento de Maricá (Sanemar) assumiu as operações e investiu mais de R$ 500 milhões para concluir, até o fim deste ano, mais de 300 quilômetros de rede de esgoto, um salto de 3,4%, até mais de 30% da cobertura do município.
Camboriú, enquanto isso, tenta consertar o que a intervenção humana estragou. Depois que a sombra dos prédios cobriu a praia central, a prefeitura tentou alargar a faixa de areia. Não deu muito certo e uma nova expansão está nos planos para permitir banho de sol. À sombra, será construído um jardim linear, com decks e pista de corrida orçado em nababescos R$ 250 milhões. “A reurbanização da orla da Praia Central trará ainda mais comodidade e bem-estar para a população. As pessoas poderão contemplar a obra, acompanhando tudo o que está acontecendo em tempo real, mostrando que somos uma cidade cada vez mais humana. Uma Balneário Camboriú cada vez mais de todos”, afirmou em nota o prefeito Fabrício de Oliveira.
O dinheiro do petróleo é abundante, mas sem boa gestão dinheiro na mão é vendaval. Que o digam os habitantes de parte das cidades beneficiadas, que torraram os recursos dos royalties em gastanças tão inúteis quanto tristemente famosas
Do outro lado do ringue hipotético, na fluminense Maricá, a servidora Tatiane da Silva contrapõe: “Por mais que a gente saiba que tem dinheiro, pela primeira vez você vê melhorias que impactam na vida das pessoas do município, como a saúde e a educação. Por exemplo, além da Mumbuca, eu recebo R$ 50 pra educação do meu filho. E não é para material escolar ou uniforme, isso a prefeitura dá. É pra ajudar na alimentação, comprar um livro”, diz ela. Maricá tem 28 mil alunos matriculados em 78 escolas municipais reformadas com a fina flor da tecnologia. “Algumas salas tem telões multiuso, sem falar que a Prefeitura pratica alguns dos melhores salários do estado”, diz a professora da Faetec, Ana Letícia Leal. “Maricá é hoje sonho de consumo de todos os professores do Rio”, brinca.
A recente reportagem do espanhol El Pais listou ainda bolsas universitárias para a maioria da população pobre e projetos de prospecção científica com olhar para o futuro. E aposta: “A cidade pretende ser uma Noruega em microescala. Aproveitando a loteria dos royalties para financiar políticas sociais de longo prazo”. E como não como há mal que nunca termine nem bem que sempre dure, a reportagem do jornal espanhol ainda explica que entre 10% e 15% dos royalties são automaticamente depositados com objetivo de garantir a manutenção de políticas públicas no futuro. Hoje, esse fundo soberano já tem depositado quase R$ 1,5 bilhão. “Temos que trabalhar com a certeza de que o petróleo é um bem finito. Um dia ele vai acabar, ou talvez ele ainda exista, mas não será mais tão necessário ou valioso. Por isso trabalhamos em diversas frentes e criamos este fundo soberano”, explica o secretário de Desenvolvimento Econômico de Maricá, Igor Sardinha. No fim das contas, se em termos de inclusão social, o balneocamboriuense toma poeira de Maricá, no quesito ostentação, a disputa é desigual. Em Barra Sul, o bairro luxo da cidade, será construída a Triumph Tower, uma construção de 509 metros de altura e 154 andares.
O mundo é feito de escolhas!