SAÚDE: À LUZ COM RESPEITO E CARINHO

A maternidade fica no mesmo prédio em que funciona a Clínica da Família Rinaldo de Lamare

Caroline Rocha

O Ryan já começou a vida recebendo vários títulos. Único bebê da família e primeiro menino a nascer na Maternidade da Rocinha, inaugurada há cerca de um mês com a promessa de ser supermoderna e humanizada. E tem sido assim:

“As meninas [da equipe] são muito acolhedoras e muito amorosas. Sempre tinha alguém ali do lado me dando força no parto. Eu usei tudo o que tinha direito na maternidade. Foi cama, foi banheira, foi banqueta… Foi lá que ele deu o ar da graça”, relembra a diarista Natamila de Oliveira, de 33 anos, com um sorriso no rosto direcionado ao filho recém-nascido. 

A felicidade e satisfação de tê-lo nos braços não poderiam ser maiores. Natamila passou por um ano de tratamento de fertilidade sem sucesso. Após dois abortos, a diarista já havia desistido do sonho de ser mãe. A descoberta de que o bebê arco-íris estava por vir chegou aos sete meses de gestação: 

“Mesmo escutando o coração no sonar eu não acreditei. Eu já tinha desistido por completo. Foi uma loucura. Uma correria”, conta a moradora da Rocinha. 

Após as primeiras consultas de pré-natal no Centro Municipal de Saúde Dr. Albert Sabin, também na Rocinha, mais sustos. A unidade pegou fogo em março e teve suas instalações destruídas. Natamila então iniciou o processo de acompanhamento no Miguel Couto, onde um exame indicou volume de líquido amniótico abaixo do esperado para a idade gestacional. 

Ryan foi o primeiro menino a nascer na Maternidade da Rocinha

Os médicos solicitaram que ela fosse internada e o parto, antecipado. “Minha pressão sempre é 10 e alguma coisa e foi para 12 por 8. Meu marido estava no trabalho e se desesperou. Mas, ao que parece, foi um erro de imagem e no exame seguinte estava tudo certo”, conta aliviada. 

O bebê nasceu de 40 semanas em um parto descrito pela mãe como “inesquecível”. Para o pai, que temia possíveis complicações por conta do histórico, ver o menino saudável não tem preço: “Ele veio na hora certa, porque mudou a nossa rotina dentro de casa e trouxe novos ares. Eu consegui cortar o cordão umbilical. Todo me tremendo, mas foi. É uma sensação boa demais ser pai”, afirma Rafael Ferreira.

Ryan foi o 13° bebê a nascer na unidade, que tem a expectativa de atender cerca de 40 mamães por mês. Oito dias após o nascimento, o casal voltou à maternidade para aprender manobras que reduzissem as cólicas do filho. A visita faz parte do Programa Cegonha Carioca e acontece antes e depois do parto. Elas são realizadas para que mães e familiares conheçam a maternidade, tirem dúvidas e sintam-se acolhidos.

“Eu sou obstetra. Antes, era uma profissão. Depois que eu fui mãe, passei pelas dores do parto e pelo puerpério, fiquei muito mais sensível a essas mulheres e a entender que não é só chegar, parir e ir embora. Tem que ter delicadeza e um olhar mais sensível nesse percurso”, afirma Amanda Barreiros, diretora da maternidade e mãe de filhos de dois e seis anos. 

A maternidade

Localizada no mesmo prédio em que funciona a Clínica da Família Rinaldo de Lamare, na Avenida Niemeyer, 776, a Maternidade da Rocinha é dedicada a partos de baixa complexidade. Uma ambulância fica à disposição das pacientes com casos mais complexos, que serão transferidas para a maternidade do Hospital Municipal Miguel Couto, a quatro quilômetros de distância.

Os primeiro e oitavo andares do edifício são equipados com um centro cirúrgico, uma sala de recuperação pós-anestésica, uma sala de pré-parto, parto e puerpério (PPP), uma sala de observação clínica e quatro leitos obstétricos. O transporte das pacientes é realizado em dois elevadores. Ao chegarem no corredor, as futuras mamães dão de cara com fotos artísticas de recém nascidos.   

“Nosso atendimento é muito voltado para a humanização do parto e para as escolhas da paciente. Meu corpo, minhas regras. Nós pensamos nisso desde as escolhas dos profissionais que vieram para cá, que tem que ter a mesma visão que a nossa”, explica a diretora da maternidade.

“Nosso atendimento é muito voltado para a humanização do parto e para as escolhas da paciente. Meu corpo, minhas regras. Nós pensamos nisso desde as escolhas dos profissionais que vieram para cá, que tem que ter a mesma visão que a nossa”

(Amanda Barreiros, dois filhos, diretora da maternidade)

De acordo com a Prefeitura do Rio, o objetivo é “atender a demanda da população local por atenção materna com um serviço de fácil acesso”. Ao que tudo indica, tem tido resultado. Lucivânia Araújo, de 42 anos, escolheu ir à pé para dar à luz à terceira filha. “Foram menos de 10 minutos até aqui”, conta a moradora da Rocinha enquanto segura Laysa, de uma hora de vida, nos braços. 

Ela revela que a curta distância de sua casa a tranquilizou durante a gravidez não planejada. Mãe de um casal de 16 e 22 anos, Lucivânia teve dificuldades para aceitar a terceira gestação e diz que a proximidade dos profissionais da equipe de saúde a fez sentir-se mais segura: “A relação com a equipe foi maravilhosa, perfeita. Do pré-natal [na Clínica da Família] até aqui, não tenho do que reclamar.”

A ordem de atendimento das gestantes é organizada por cores que correspondem à sinalização de risco. O ranking vai do azul (não urgente) até o vermelho (urgente) – que recebe prioridade. Durante o parto, as opções para criar um ambiente mais relaxante incluem desde aromaterapia, passando por músicas, até bolas de ginástica para aliviar tensões. Após darem à luz, elas recebem um enxoval, que inclui itens como bolsa, trocador, body e manta, além de uma arte com o print da placenta para eternizar o parto. 

 “O respeito é a peça fundamental para que a gente possa atender essas mulheres. Eu não cuido de um objeto. Eu cuido de uma pessoa que tem uma expectativa e uma singularidade. O atendimento será sempre personalizado”, afirma Zuleide Aguiar, coordenadora de enfermagem da unidade e coordenadora do Programa Cegonha Carioca.

Mãe e avó, Zuleide ressalta a evolução dos atendimentos desde a década de 90. “Eu fui mãe na época em que não podia levantar da cama senão seu neném ia cair no chão. Não podia usar o banheiro senão o neném ia nascer na privada. Não podia nada. Hoje em dia, a gente sabe que isso não é problema. O que foi bacana para mim é que eu consegui participar de toda essa transformação. Eu estou nessa área há 35 anos e me sinto agraciada”, afirma a coordenadora, que tem orgulho de ter participado da primeira equipe de enfermeiras obstétricas do município e de ter implementado o Cegonha Carioca em 2011.

Também em abril, a Prefeitura do Rio inaugurou o Hospital Maternidade Paulino Werneck, na Ilha do Governador. Com as duas novas unidades, a rede municipal de saúde passa a contar com 13 maternidades e uma casa de parto. As unidades somam mais de 700 leitos obstétricos e mais de 290 leitos de UI/UTI neonatal.