PARATY: CIDADES DOS FESTIVAIS

"Todo mês há pelo menos quatro grandes eventos”

Jan Theophilo

Paraty também é fashion. Desde setembro passado, a designer paulistana Flávia Aranha abriu na cidade uma loja-conceito de sua badalada marca. O imóvel, que pertence ao navegador Amir Klynk, tem o chão todo coberto por areia para que o cliente tire os sapatos e tenha uma “experiência sensorial”. Próximo ao balcão, um objeto pendurado no teto chama a atenção: nada menos que o Paratii, a chamada “lâmpada flutuante” na qual Klynk fez a primeira travessia a remo da Namíbia até o Brasil. “Semana passada uma equipe do New York Times esteve aqui e desde então estamos nos achando”, brinca a gerente da loja, Aline Moura. “Somos uma marca diferente. Totalmente natural. Nossas roupas, por exemplo, podem até ser enterradas num descarte, que não geram lixo, viram adubo. São fibras orgânicas e só trabalhamos com fibras de agricultura familiar. Algodão da Paraíba ou seda do Casulo Feliz do Paraná. Além disso, todo tingimento é feito com plantas, cascas de árvores ou raízes”, diz ela. Um vestido de seda estampado, com desenhos de cascas de cebola, custa a partir de R$ 2 mil; e uma camisa de linho masculina em torno dos R$ 500.

Além de fashion, Paraty está sintonizada com o mundo. No início do ano, um grupo de herdeiros do alambique Coqueiro, o mais antigo em funcionamento da cidade, resolveu lançar a Sumaca, uma espécie de Oaskley paratiense. “O nome vem de uma praia deserta, de acesso dificilíssimo, a duas horas do Centro Histórico. E todas as nossas estampas remetem a algo de Paraty”, conta a gerente Blenda Castro. Antenadíssima, a Sumaca tem em suas araras camisas nos tons que a Pantone afirmou no início do ano que seriam as cores de 2024: muito pêssego, rosa-choque e um azul berrante quase Maseratti. As camisas saem a R$ 149 e uma canequinha com prosaica frase “entre a serra e o mar”, estampada sobre um design maneiro, R$ 45.

Tudo isso é fruto de um intenso trabalho de investimentos em infraestrutura na cidade, e o grande marketing de divulgação do destino como um dos principais points turísticos do Brasil, valorizando áreas como cultura, história e turismo de aventura.  No ranking das secretarias municipais com maior orçamento, Turismo ocupa o quatro lugar com R$ 17 milhões; e a pasta da Cultura, o quinto, com R$ 7 milhões. Naturalmente, Obras, Saúde e Educação lideram a relação. “O resultado é um calendário anual bem-organizado, onde todo mês há pelo menos quatro grandes eventos”, diz a secretária de Turismo, Sandra Barros. Entre eles a Festa do Divino, o Festival de Cinema, o de Fotografia (que este ano homenageará nada menos do que um certo Sebastião Salgado) e, claro, a Flip, o Festival Internacional de Literatura que já trouxe a cidade celebridades cult como o historiador Eric Hobsbawn, escritores de renome como Ariano Suassuna ou o iraniano Salman Rushdie, além de nomes superlativos do chamado “new journalism”, como Lilian Ross ou Gay Talese, entre muito outros. 

Aliás, esse ano há uma polêmica. Na pandemia, a Flip foi adiada para novembro e não em julho, quando era tradicionalmente realizada. A edição deste ano será mesmo em novembro, embora fosse grande na cidade a torcida para sua realização em julho, quando as noites na cidade são ainda mais especiais, com os bares invadindo madrugadas, quando artistas de todos o Brasil fazem apresentações até o sol raiar enquanto poetas e aspirantes tentam vender seus escritos. E foi justamente numa Flip que o casal de professores aposentados Crisóstomo Magadalena e Claudia Heloisa viram Paraty pela primeira vez. 

“Nós viemos duas vezes à Flip. E dessa vez viemos a passeio mesmo. Pensamos inicialmente apenas em curtir um fim de semana e acabou que decidimos ficar pelo menos mais 10 dias”, conta Claudia. “Por que Paraty? Pela literatura, pela cultura…. e por Paraty!! Porque esta cidade é um encanto, um lugar paradisíaco, que apesar de termos tido oportunidade de conhecer outros lugares encantadores, encontramos aqui uma coisa que é diferente. Paraty te chama a voltar. Não sei explicar, acho que é essa imersão histórica que mexe com a gente”, diz ela. “E ainda tem a importância de valorizar a preservação. Nosso país tem pouca cultura nesse sentido. Aqui perto, em São Luiz de Piratininga, podemos assistir a manifestações culturais que não tem espaço na grande mídia, como a Festa do Saci, por exemplo”, completa Crisóstomo.

Naturalmente, tudo que é bom, com vontade política pode ficar melhor. Para Fabiana Ferretti, arquiteta em Jundiaí que vem desenvolvendo um livro sobre as portas e janelas coloniais portuguesas (“eu sei, isso parece um tanto estranho, mas há diferenças e particularidades únicas nestes designs”, diz), a cidade merecia um estudo de iluminação padrão Peter Gasper, o iluminador parceiro de Oscar Niemeyer, morto em 2014 e que ficou conhecido como pioneiro na arte da iluminação no Brasil. É dele, por exemplo, a iluminação que deu contornos e foco ao Cristo Redentor, na Guanabara. “Veja só: nós estamos aqui no entardecer diante da Igreja de Santa Rita, o maior cartão postal da cidade, e não há um resquício de luz projetada. Agora imagine esse mesmo lugar à noite, com uma iluminação caprichada, que realçasse os detalhes da igreja. Essa imensa praça estaria certamente lotada de gente”, pondera Fabiana.

A má notícia é que se você ainda acredita naquele papo bicho-grilo e imagina que vai conseguir comprar uma casa no Centro Histórico com aquela merreca da sua aposentadoria, pode começar a traçar outros planos. Uma boa casa, de três quartos, dois banheiros, cozinha americana e um pequeno jardim, começa na casa dos R$ 2,5 milhões. Caro? O antigo mercado de escravos, um imenso casarão que pertence a um colecionador francês e fica praticamente ao lado da Igreja de Santa Rita ,está disponível pela bagatela de R$ 18 milhões. Mas nada disso importa. Seja para morar, curtir, namorar, apreciar um friozinho num festival internacional de cinema, literatura ou fotografia, Paraty é imperdível. Difícil de explicar, mas quem conhece entende.

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